Caso Ubiratan

Cepollina vai a júri popular por morte de coronel

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10 de junho de 2010, 11h14

Antonio Carreta/TJSP
Marcio Thomaz Bastos fala sobre o caso Carla Cepolina - Antonio Carreta/TJSP

A advogada Carla Cepolina acusada pela morte do coronel Ubiratan Guimarães vai a júri popular. O crime aconteceu em 10 de setembro de 2006 no apartamento da vítima, localizado na região dos Jardins, bairro nobre da capital paulista. A decisão, por votação unânime, foi tomada nesta quinta-feira (10/6) pela 9ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A turma julgadora entendeu que a prova pericial indicava que a advogada estava no apartamento no momento da morte do coronel. Segundo o relator do recurso, desembargador Souza Nery, ou tudo conspira contra Carla Cepollina sugerindo envolvimento direto dela no crime ou a ré é inocente. A acusada é defendida pelo ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

“Como há indícios suficientes de autoria e diante do comportamento anormal da acusada que não colaborou com a investigação, então, melhor que a impronúncia é mandar a ré a júri”, completou Souza Nery.

Segundo o relator, o coronel foi baleado no abdômen e sua morte se deu por hemorragia interna aguda. A bala traspassou o corpo da vítima e se fixou numa almofada do sofá da sala. De acordo com Souza Nery, houve dolo (intenção de matar) e o autor do disparo, se não quisesse a morte do coronel poderia ter imediatamente socorrido a vítima, o que não aconteceu. Para ele, se Ubiratan tivesse sido socorrido de imediato, poderia ter sobrevivido.

“Inúmeros indícios apontam para o envolvimento de Carla [Cepollina], ora apelada, os quais bastam, no meu entender, para a prolação de uma decisão de pronúncia”, anunciou o relator. Para Souza Nery, a complexidade está em não haver testemunhas presenciais do crime e porque a ré não confessou a autoria do crime.

As contradições
O relator ainda destacou as contradições e o que chamou de comportamento anormal da advogada. Segundo ele, esses fatos também sugerem a autoria do delito. “[Carla] Disse inicialmente que, enquanto Ubiratan dormia no quarto, foi preparar uma refeição para o casal. Ocorre que, algum tempo depois, após atender o segundo telefonema da delegada [federal] Renata [Santos Madi], estranhamente deixou o apartamento. Disse que Ubiratan dormia”, narrou Souza Nery.

Ele ainda apontou que Carla Cepollina “não preparou a refeição nem se despediu da vítima. Informou, numa oportunidade, que lhe deixou um bilhete, não se lembrando do seu teor, após o que confirmou ter-lhe deixado, na verdade, um recado na caixa postal do celular”

“Mais: fosse inocente, dada a gravidade e a repercussão previsível dos fatos, colaboraria totalmente com a investigação policial. Mas isso não aconteceu. Segundo a perícia, Carla não forneceu a jaqueta e a blusa que usava naquele dia, mas outras peças de roupa”, completou.

Souza Nery ainda destacou o fato do apartamento não mostrar sinais de arrombamento. “Assim, ou o assassino esgueirou-se sorrateiramente para dentro do imóvel, pegando a vítima de surpresa, ou adentrou no apartamento com a permissão da vítima.”

Segundo o relator, no caso dessa última hipótese, devia ser alguém muito íntimo de Ubiratan, homem cuidadoso com a própria segurança, principalmente depois dos conhecidos ataques de maio de 2006 atribuídos ao PCC.

“A prova pericial é muito forte e farta. Não se vislumbra que a Polícia tenha produzido um inquérito tendencioso e que o Ministério Público apresentado uma denúncia sem amparo nos indícios que autoriza submeter a acusada ao Tribunal do Júri”, entendeu o revisor, desembargador Roberto Midola. O entendimento dos dois foi acompanhado pelo terceiro juiz, Francisco Galvão Bruno.

Acusação
O Ministério Público sustentou a tese de que foi a advogada quem disparou o tiro que matou o coronel. Essa também foi a conclusão da Polícia na fase de investigação. O assassinato, de acordo com a acusação, teria sido motivado por ciúmes.

A acusação criticou a sentença do juiz Alberto Anderson Filho, do 1º Tribunal do Júri da Capital. O magistrado julgou improcedente a denúncia do Ministério Público e impronunciou (absolveu) Carla Cepollina. O argumento do juiz considerou que havia indícios suficientes contra a advogada.

“Estamos hoje diante de uma decisão que escandaliza e mais que isso, que afronta a doutrina e a jurisprudência”, disse o advogado Vicente Cascioni, assistente da acusação. Para ele, a sentença de impronúncia foi “quase uma bofetada no rosto” da sociedade. Segundo o advogado, o juiz não proferiu uma decisão, mas arriscou um palpite no qual teria sido “mais realista que o rei”.

Falhas na perícia
A defesa de Carla Cepollina foi apresentada pelo ex-ministro da Justiça Mário Thomaz Bastos. A linha escolhida pelo advogado foi a de apontar falhas na perícia e na condução do inquérito policial e sugerir que uma terceira pessoa estava no local do crime e deve ter sido o autor do delito.

Para Thomaz Bastos toda prova produzida na investigação da morte do coronel Ubiratan é conflituosa, cheia de lacunas e defeitos, o que, na opinião do advogado, revelaria a maneira errada da Polícia conduzir a investigação. Para ele, a Polícia escolheu uma acusada (Carla) e procurou adequar as provas para sustentar essa hipótese. “A denúncia não é uma peça técnica, com provas periciais, ela mais parece o relato de uma testemunha ocular”, disse Thomaz Bastos.

Segundo ele, a tese jurídica que prevalecerá no Júri será a de negativa de autoria, ou seja, de que Carla não cometeu o crime. Ele diz ainda que o Júri será melhor porque há mais tempo para realmente expor as ideias, diferente da sessão desta quinta que permitiu apenas quinze minutos de sustentação oral.

Bastos não confirmou que se irá recorrer em instâncias superiores, "precisamos aguardar a publicação do acórdão". Ele sustenta que a perícia feita pela polícia é falha e deplorável. "Esse caso poderia ser resolvido facilmente com o exame químico de traços de pólvora, que pode feito até em cadáver enterrado, mas a polícia não o fez", garante o advogado.

Sobre o próximo passo Bastos se diz tranquilo e confiante para fazer a defesa de Carla no Júri. "Já fiz mais de 700 Júris, e ali tem espaço", diz.

Ele iniciou a defesa de sua cliente descrevendo a personalidade contraditória do coronel Ubiratan. Apontou que a vítima ficou nacionalmente conhecida após comandar a invasão do presídio do Carandiru, em 1992. E destacou que a ação resultou na morte de 111 presos. Ubiratan chegou a ser condenado a 632 anos de prisão, mas foi absolvido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça paulista.

O ex-ministro acrescentou que diversas pessoas teriam motivos para matar o coronel, que segundo ele tinha em casa sete armas à sua disposição, inclusive a que foi usada no seu assassinato.

“Quantas centenas de pessoas tinham a fantasia de matar o coronel?”, questionou Bastos. Ele lembrou que, no ano em que aconteceu a morte, 2006, ocorreram diversos ataques a forças policiais paulistas. Os ataques foram conduzidos pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) que atua dentro e fora dos presídios paulistas.

O assistente de acusação Vicente Cascione, contratado pela família do coronel Ubiratan tinha certeza que o resultado seria o decidido. "O juiz que negou a denúncia andou mal e atropelou os jurados", reforça.

Cascione lembra que qualquer recurso que a defesa da advogada impetre não terá efeito suspensivo. Dessa forma, a sessão do Júri será inevitável.

O crime
O coronel Ubiratan foi encontrado morto com um tiro no abdômen no quarto do apartamento em que morava. Segundo a perícia, não havia sinais de luta no local. A advogada Carla Cepollina foi investigada pela polícia porque teria sido a última pessoa a estar no apartamento de Ubiratan.

Vizinhos relataram terem visto Carla saindo do prédio após o horário em que o namorado teria sido assassinado. Contra ela, pesa também o fato de que teria entregado à polícia roupas diferentes das que aparece usando pelas câmeras de segurança do edifício. A advogada nega todas as acusações.

O promotor de Justiça Luiz Fernando Vaggione a denunciou por homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima). Segundo Vaggione, ela agiu por vingança depois de uma briga. A arma do crime nunca foi encontrada, mas, segundo a perícia, pertencia ao próprio coronel.

[Foto: Antonio Carreta/TJ-SP]

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