Ampla defesa

Juízes dizem que não precisam restituir valores

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31 de julho de 2010, 0h30

A defesa no Processo de Controle Administrativo, que apura se houve irregularidades no chamado auxílio-voto, foi apresentada por 150 juízes paulistas. O subsídio foi concedido por produtividade a juízes de primeiro grau que julgaram recursos no Tribunal de Justiça de São Paulo. O CNJ mandou reabrir a investigação com o argumento de que houve pagamento a mais e que o excedente deveria ser devolvido aos cofres públicos.

“Não há que se falar em restituição de valores”, afirmam os juízes. Segundo eles, não houve violação ao teto constitucional remuneratório previsto em lei. Os juízes pedem que seja reconhecido o vício procedimental na decisão do CNJ e sua nulidade por violar o princípio do juiz natural. Ainda reclamam o reconhecimento da regularidade da convocação feita pelo Tribunal de Justiça e dos vencimentos recebidos por conta dos julgamentos feitos em segundo grau.

Na defesa, a cargo do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, os juízes argumentam que a convocação feita pelo Tribunal de Justiça foi regular. A defesa sustenta, também, que pelo exercício da atividade em segundo grau seus clientes tinham o direito de receber a diferença de vencimentos e que esta respeitou o limite de remuneração que deve corresponder ao subsídio de ministro de STF. Os juízes afirmam que não estão obrigados a devolver parte do que receberam porque agiram de boa-fé ao incorporar os valores aos seus patrimônios.

O Conselho Nacional de Justiça pediu ao TJ paulista que informasse os valores pagos e enviasse os extratos bancários dos juízes que receberam auxílio-voto. Em abril, a corte administrativa proibiu o pagamento do benefício e pediu as informações. Na mesma decisão, o CNJ determinou a devolução da quantia recebida acima do teto constitucional e o recolhimento de tributos. O Conselho deu aos magistrados 30 dias para que apresentassem suas defesas.

O relator do procedimento foi o conselheiro Marcelo Neves. Segundo ele, juízes paulistas recebiam o subsídio fora do contracheque, em depósito em conta corrente. Em alguns casos, a quantia era "superior ao dobro do que recebe um ministro do STF [R$ 26.723]". Um deles recebeu R$ 88 mil.

Em seu voto, Marcelo Neves afirma que o resultado do pagamento do chamado auxílio-voto foi “nefasto aos cofres públicos”. O conselheiro ainda mandou que a Receita Federal fosse notificada para que cobrasse tributos não pagos pelos magistrados paulistas.

A investigação
O PCA é resultado de provocação feita ao CNJ pelo juiz Adugar Quirino do Nascimento Souza Júnior. O juiz pediu a apuração de irregularidades na reestruturação da carreira na magistratura paulista. Adugar aponta possível tratamento privilegiado a determinados juízes do Tribunal de Justiça de São Paulo. Durante a instrução, foram detectadas irregularidades no pagamento de verbas aos juízes que particupavam de julgamento no segundo grau de jurisdição, de acordo com o CNJ.

A Secretaria de Controle Interno do CNJ contratou uma consultoria para auditar os pagamentos feitos pelo tribunal paulista. A inspeção analisou as folha dos anos de 2007, 2008 e 2009. Por isso, os conselheiros entenderam que a conclusão sobre a remuneração irregular não foi totalmente esclarecida e a investigação foi reaberta.

A auditoria constatou também que havia previsão para pagamento de valor fixo para cada 25 votos apresentados por juiz de primeira instância em exercício no Tribunal. Dessa forma, o pagamento se deu sob o critério da produtividade.

Segundo o conselheiro Marcelo Neves, o chamado auxílio-voto, além de ilegal, “desrespeita à limitação orçamentária estabelecida pela Constituição Federal”. Os valores pagos para as convocações, segundo a auditoria do CNJ, foram de R$ 2.593,47, quando deveriam ter sido de R$ 1.105,56. E concluiu que os juízes que se encontram nessa situação terão de devolver aos cofres públicos os valores pagos a mais.

O CNJ determinou também o recolhimento dos impostos referentes às quantias que não serão devolvidas. De acordo com o voto do conselheiro Marcelo Neves, a convocação de magistrados para atuar em segunda instância deveria obedecer a Resolução 72 do CNJ. Ou seja, apenas quando houver necessidade de substituição de desembargadores temporariamente afastados de suas funções e com pagamento referente à diferença de instâncias.

“Quanto à natureza jurídica dos valores pagos, cabe enfatizar que não se trata de indenização, e sim de subsídio. Julgo, portanto, pela notificação da Receita Federal do Brasil e do órgão previdenciário estadual, a fim de que tomem as providências devidas a respeito de eventual cobrança de tributos sobre a diferença paga entre entrâncias.”

De acordo com a investigação, “em alguns casos, magistrados chegaram a perceber quantia superior ao dobro do que recebe um ministro do STF, quando, inclusive, seu patamar deveria respeitar o valor dos subsídios dos desembargadores do Tribunal”.

A defesa
A defesa rebate os argumentos do conselheiro Marcelo Neves e diz que houve erros no cálculo da auditoria feita pela Secretaria de Controle Interno do CNJ. O estudo investigatório aponta uma diferença de R$ 1.105,56, como limite máximo a ser recebido por cada juiz que atendeu ao chamado do tribunal.

Segundo os advogados, o primeiro equívoco está na imposição do subteto, uma vez que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o teto remuneratório deve corresponder ao subsídio de ministro da corte. Segundo a defesa, lei federal estabeleceu que o subsídio mensal de ministro do Supremo a partir de 1º de janeiro de 2006 seria de R$ 24.500,00. No entanto, esse valor que servia de limite foi alterado duas vezes: a primeira em setembro de 2009, passando a R$ 25.725,00, e a R$ 26.723,13, a partir de fevereiro de 2010, por força da Lei nº 12.041/09.

O segundo equívoco apontado pela defesa está em não ter sido considerada a situação remuneratória de juízes de São Paulo que até fevereiro de 2008 não contava como disciplina de subsídio. No julgamento do PCA, o conselheiro Marcelo Neves entendeu que quanto à natureza jurídica, os valores pagos pelo tribunal paulista não seria indenização e sim subsídio.

Os advogados Igor Tamasauskas e Peerpaolo Cruz Bottini argumentam que se for observada a diferença correta entre a remuneração de juiz entrância final, que era 10% menos que a de desembargador, para que seja cumprida a decisão do STF, o pagamento feito aos juízes está abaixo do limite legal.

Para a defesa, mesmo mantendo o percentual de 5% de diferença entre a remuneração de desembargador (R$ 22.111,25) e a de juiz em entrância final (R$ 21.005,68) — e adotando o cálculo usado pelo conselheiro Marcelo Neves — haveria uma diferença de R$ 3.294,32 entre esse valor e o teto constitucional de R$ 24.500,00 até setembro de 2009.

”Portanto, o pagamento de pouco mais de R$ 2.500,00 era insuficiente para ultrapassar o limite remuneratório, isso tudo sem considerar o que foi explicitado a respeito da natureza desses pagamentos, que não se submetiam ao teto segundo as resoluções 13 e 14 do próprio CNJ”, afirmam os advogados.

A defesa sustenta a boa-fé dos juízes. E argumenta que os juízes nada mais fizeram que atender a convocação de autoridade superior e receber a contraprestação prevista em norma vigente.

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