Prêmio trabalhista

Demitir o goleiro Bruno por justa causa é mau negócio

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23 de julho de 2010, 11h10

Com o argumento de que o goleiro Bruno Fernandes, acusado de mandar matar a jovem Eliza Samudio, manchou a imagem do clube, a presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, anunciou há cinco dias que o atleta seria demitido por justa causa. Na quarta-feira (21/7), a diretoria do clube recuou da decisão e disse que o assunto será discutido novamente quando Patrícia voltar de férias.

O recuo foi providencial. Especialistas em Direito do Trabalho são categóricos em afirmar que nenhum juiz trabalhista reconheceria a alegada justa causa para a demissão sem que o atleta tenha sido definitivamente condenado pela Justiça. Nas ações da Justiça do Trabalho, é o empregador quem tem de provar que houve justa causa para a demissão.

O máximo que a legislação permite é que o Flamengo suspenda o contrato de Bruno e, consequentemente, deixe de pagar seus salários e de cumprir todas as outras obrigações trabalhistas e previdenciárias até que o caso criminal no qual o goleiro se meteu seja esclarecido. Isso, o clube já fez.

A Lei 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, regulamenta os direitos e deveres de atletas e dos clubes pelos quais são contratados. No parágrafo 1º do artigo 28, a lei determina que “aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta Lei ou integrantes do respectivo contrato de trabalho”.

De acordo com o juiz trabalhista Grijalbo Coutinho, estudioso do tema da demissão por justa causa e flamenguista roxo, a mesma lei prevê as hipóteses nas quais o contrato pode ser rescindido. E o caso do goleiro Bruno não se encaixa em nenhuma delas.

No caso de o Flamengo demitir o jogador por justa causa e Bruno recorrer à Justiça, o clube teria de provar a justa causa. O argumento de que o atleta manchou a imagem do clube, por si só, não sobrevive a um processo. O juiz Coutinho explica o motivo: “O argumento de que Bruno denegriu a imagem do clube tem uma raiz, que é o homicídio que ele teria cometido. Mas para provar a justa causa sem a condenação do goleiro, o Flamengo teria de provar que ele cometeu o crime no curso do processo trabalhista”.

O advogado Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues, do escritório ANR Advogados, de Brasília, concorda com o juiz. “Para demitir o atleta por justa causa é preciso que ele seja condenado. Por um fato que ainda está em apuração não é possível demiti-lo com esse argumento, porque enquanto ele é investigado prevalece o princípio da presunção de inocência”.

O presidente da seccional fluminense da OAB, Wadih Damous, explica que há apenas uma hipótese de justa causa na qual a diretoria do Flamengo poderia tentar enquadrar o caso do goleiro Bruno: incontinência de conduta ou mau procedimento. Mas ele lembra que para provar o mau procedimento, tem de haver provas de que o jogador participou do crime. Sem as provas, não há justa causa.

Ou seja, se não houver uma confissão ou nada no quadro atual mudar em um curto espaço de tempo, é quase impossível provar a justa causa para demitir Bruno. Também é improvável que a Justiça do Trabalho suspenda o processo à espera da decisão na esfera criminal. “Provar a justa causa neste caso é tão provável quanto as seleções da Coréia do Norte ou de Honduras ganhar a Copa de 2014”, compara o juiz Coutinho.

E se fosse condenado na Justiça trabalhista, na melhor das hipóteses o Flamengo desembolsaria cerca de R$ 5 milhões para indenizar o atleta. A conta é simples. Notícias dão conta de que o salário do goleiro era de R$ 200 mil por mês. De acordo com o artigo 479 da CLT, quando o empregador rescinde sem justa causa um contrato por tempo determinado, tem de pagar a metade dos valores que o empregado receberia até o término do contrato.

Ou seja, o Flamengo poderia ser obrigado a pagar a Bruno a metade de tudo que receberia entre julho de 2010 e dezembro de 2012, quando acaba seu contrato com o clube. Entre salários, 13º, férias e aviso prévio, o jogador receberia até o fim de 2012 cerca de 40 salários: R$ 8 milhões. Ou seja, sem justa causa para a demissão, o clube pagaria a Bruno R$ 4 milhões, sem contar a multa de 40% do Fundo de Garantia e juros desde a data do início do processo. O valor chegaria facilmente a R$ 5 milhões.

Não é só. Na hipótese de o jogador ser absolvido — o que não pode deixar de ser considerada no momento, já que as investigações ainda estão em curso — o Flamengo teria perdido os direitos federativos do atleta. Se deixar o contrato suspenso e Bruno não for condenado, o clube ainda pode negociá-lo.

O juiz Grijalbo Coutinho lembra, ainda, que há uma corrente minoritária da Justiça trabalhista que defende que na rescisão sem justa causa do contrato, o clube tem de pagar a chamada cláusula penal. O valor dessa cláusula no contrato de Bruno é de R$ 20 milhões. O montante foi divulgado quando o Milan estudou contratar o jogador. O clube italiano teria de pagar o valor para ter o jogador em seu time de futebol.

Trocando em miúdos, se o goleiro Bruno recorresse à Justiça, na melhor das hipóteses, o Flamengo desembolsaria R$ 5 milhões. Mas o valor poderia ultrapassar R$ 20 milhões a depender do andamento do caso nos tribunais trabalhistas. Por mais paradoxal que pareça, a melhor coisa que o Flamengo poderia fazer para beneficiar o goleiro neste momento é demiti-lo com a alegação de justa causa.

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