Sigilo bancário

CF deu ao fisco autoridade para identificar patrimônio

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23 de julho de 2010, 6h14

Discute-se na doutrina e no Supremo Tribunal Federal[1] a constitucionalidade dos dispositivos da Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, que prevêem o acesso às informações bancárias, por parte de autoridades administrativas da União, estados, municípios e Distrito Federal, desde que observados determinados requisitos[2].

Embora o precitado diploma legislativo tenha mais de nove anos de vigência, sua constitucionalidade não foi definitivamente apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, até o encerramento deste estudo.

Trata-se de tema tormentoso segundo Tércio Sampaio Ferraz Júnior: “o tema sigilo bancário, como outros temas relativos a segredos, é um tema humano muito forte, portanto nós não podemos afastá-lo com tranqüilidade” [3].

Cabe ressaltar que o ponto central consiste em definir se o sigilo bancário constitui direito absoluto previsto na Lei Maior, e se foi adotado ou não, pelo ordenamento constitucional, o princípio[4] da reserva jurisdicional[5] quanto a esta matéria.

Inconstitucionalidade
Para os defensores da inconstitucionalidade da Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, o sigilo bancário constitui expressão do direito à intimidade, tratando-se de matéria sujeita à reserva de jurisdição.

Miguel Reale e Ives Gandra da Silva Martins asseveram:

“Exceção às CPIs, para as quais são inerentes poderes próprios de investigação judicial por outorga constitucional, não podem outros órgãos, poderes ou entidades não autorizados pela Lei Maior, quebrar o sigilo bancário e, pois, afastar o direito à privacidade independente de autorização judicial, a pretexto de fazer prevalecer o interesse público, máxime quando não têm o dever de imparcialidade por serem parte na relação mantida com o particular” [6].

Os precitados professores concordam com os argumentos expendidos pelo ministro Marco Aurélio de Mello, no sentido de que a Receita Federal não é um órgão equidistante, pelo contrário, é parte da relação jurídica substancial em pauta[7].

André Ramos Tavares leciona que somente o Poder Judiciário poderá requisitar às instituições financeiras a quebra do sigilo, impondo-se o reconhecimento de tal prerrogativa como cláusula pétrea, complementando que os agentes do Fisco não estão autorizados constitucionalmente a invadir[8] os dados bancários.

Em estudo específico sobre o assunto, diversos doutrinadores, antes do advento da Lei Complementar 105/2001, manifestaram-se pela inconstitucionalidade.

Américo Masset Lacombe ponderava:

"O sigilo bancário constitui um direito e garantia individual, uma espécie do conceito genérico da intimidade, amparado constitucionalmente por norma de eficácia plena e imediata (§ 1º do art. 5º da CF). Por conseguinte, nenhuma lei complementar poderá limitar o alcance desta garantia constitucional para permitir a sua quebra por determinação do Ministério Público ou de autoridade administrativa. A quebra de sigilo bancário só poderá ser feita por autorização judicial, em razão da supremacia do interesse público. É portanto, cláusula pétrea" [9].

Nesta esteira, Cecília Maria Marcondes Hamati :

"De acordo com a forma colocada pela Constituição Federal, a quebra de sigilo bancário é vedada, não podendo, desta feita, a autoridade administrativa requisitar informações desta natureza, ainda que para investigação de prática de sonegação que enseja crime tributário" [10].

No mesmo sentido, antes do advento da Lei em estudo, é o entendimento de: José Eduardo Soares de Melo[11], Wagner Balera [12] e José Augusto Delgado[13], todos na mesma obra.

Já na vigência da norma em estudo, Sacha Calmon Navarro Coelho manifestou-se pela inconstitucionalidade do acesso aos dados bancários pela autoridade fiscal, sem intervenção judicial[14].

Pedro Lenza perfilha deste entendimento, aduzindo que se trata de matéria não estabelecida pelo poder constituinte originário[15].

Em síntese, de acordo com os ensinamentos dos professores citados, há irremissível inconstitucionalidade na previsão do acesso aos dados bancários pela autoridade fazendária, já que a intimidade e a privacidade constituem direitos fundamentais, veiculados por norma constitucional de eficácia plena, afigurando-se como cláusula pétrea.

Constitucionalidade
Para os defensores desta corrente, o Legislador pode validamente prever a possibilidade de acesso pela autoridade fiscal dos dados bancários, sem intervenção do Poder Judiciário, não havendo qualquer incompatibilidade vertical da previsão legal em testilha com a Constituição Federal.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior ressalta que não há previsão expressa no Texto Fundamental do sigilo bancário, que tem relação com o inciso X, do artigo 5º [16], envolvendo questões de intimidade e de vida privada, acrescentando que não há parcialidade do Fisco[17]:

“A Receita não se enquadra no critério da parcialidade. Acho que é possível entender, portanto, que ela pode, e pode até por que há um certo apoio para ela ostensivo, no artigo 145, parágrafo primeiro da Constituição Federal, que é aquele artigo que fala da capacidade contributiva” [18].

Conclui o citado professor que:

“Embora não seja um artigo específico para autorizar a fiscalização, está implícito ali. A Constituição Federal percebe isso. O que a Receita faz é fiscalizar”[19].

No Supremo Tribunal Federal, antes da edição da Lei Complementar em comento, o ministro Francisco Rezek decidiu:

"Parece-me, antes de qualquer outra coisa que a questão jurídica trazida à Corte neste mandado de segurança não tem estrutura constitucional. Tudo quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não daquele da Constituição da República, que se consagra o instituto do sigilo bancário — do qual se repetiu ad nauseam, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo domínio — de resto nada transcendental, mas bastante prosaico da vida das pessoas e das empresas, contra curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada prevalência (…) E a mesma lei de 31 de dezembro de 1964, sede explícita do sigilo bancário, disciplina no seu art. 38 exceções, no interesse não só da justiça, mas também no do parlamento e mesmo no de repartições do próprio governo (…) Numa reflexão extra legal, observo que a vida financeira das empresas e das pessoas naturais não teria mesmo porque enclausurar-se ao conhecimento da autoridade legítima — não a justiça tão só —, mas também ao do parlamento, do Ministério Público e da administração executiva, já que esta última reclama, pela voz da autoridade fiscal, o inteiro conhecimento do patrimônio, dos rendimentos, dos créditos e débitos até mesmo do mais discreto dos contribuintes assalariados. Não sei a que espécie de interesse serviria a mística do sigilo bancário, a menos que se presumam falsos os dados em registro numa dessas duas órbitas, ou em ambas, e por isso não coincidentes o cadastro fiscal e o cadastro bancário das pessoas e empresas (…) Não vejo inconstitucionalidade alguma no § 2º do art. 8º da Lei Complementar 75, cujo texto só faz ampliar, dentro da prerrogativa legítima do legislador, o escopo da exceção já aberta ao sigilo bancário no texto da lei originalmente comum que o disciplinou nos anos 60. E o faz em nome de irrecusável interesse público, adotando um mecanismo operacional que em nada arranha direitos, ou sequer constrange a discrição com que se portam os bancos idôneos e as pessoas de bem"[20].

Yoshiaki Ichihara, antes do advento da Lei Complementar 105/2001, apontava para a possibilidade de norma infraconstitucional autorizar a quebra do sigilo bancário, sendo prescindível autorização judicial, desde que fundamentada e presentes os pressupostos desencadeadores[21].

Douglas Yamashita afirmava em 2000:

“Uma lei pode autorizar o sacrifício de sigilo por decisão exclusiva de autoridade administrativa, independentemente de autorização judicial, mas está sujeita a exigências adicionais, além da observância dos princípios da legalidade e da proporcionalidade ou da proibição do excesso” [22].

No Tribunal Regional Federal da Terceira Região há diversos julgados no sentido da compatibilidade vertical dos dispositivos em estudo, os quais pedimos venia para transcrever:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À PRIVACIDADE E À INTIMIDADE. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA.

IRRETROATIVIDADE DA LEI. CONSTITUCIONALIDADE. 1. O alegado SIGILO bancário não pode ser interpretado como direito absoluto, desvinculado de outras garantias constitucionais, havendo de compatibilizar-se, pois, com os demais princípios, voltados à consecução do interesse público. 2. É plenamente legítimo que a AUTORIDADE competente (Fisco), uma vez detectados indícios de falhas, incorreções, omissões, ou de cometimento de ilícito FISCAL, requisite as informações e os documentos de que necessita para a consecução de seu dever legal de constituir crédito tributário. 3. Não há que se falar em ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, porquanto a Lei Complementar n.º 105/01, bem como a Lei 10.174/01, não criaram novas hipóteses de incidência, a albergar fatos econômicos pretéritos, mas apenas dotaram a Administração Tributária de instrumentos legais aptos a promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais. 4.Precedentes desta Turma. 5. Apelação improvida[23].

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5, XII. SIGILO BANCÁRIO. LEI 4.595/64,ART. 38. LEI COMPLEMENTAR 105/2001, ART. 1º, § 3º, ART. 6, § ÚNICO. PROCEDIMENTO FISCAL. DOCUMENTAÇÃO INDISPENSÁVEL À INVESTIGAÇÃO FAZENDÁRIA. SIGILO QUE CEDE PASSO PARA TAL EFEITO. RESGUARDO DOS DADOS COLIGIDOS, ART. 198 CTN. PRECEDENTES. STF. STJ. I. O SIGILO da correspondência, de comunicações telegráficas, de dados e de comunicações telefônicas está previsto no art. 5, inc. XII da Carta Política, não se extraindo, da análise do Texto, eventual reserva de jurisdição no que tange ao SIGILO bancário, sequer especificamente mencionado, e previsto no art. 38 de LEI 4.595, de 31/12/64. II. A questão pertinente ao SIGILO bancário veio de sofrer alteração com o advento da LEI COMPLEMENTAR 105, de 10/01/2001, que "dispõe sobre o SIGILO das operações de instituições financeiras e dá outras providências", objeto de regulamentação via do Decreto 3.724 da mesma data. Presentemente, tem-se que LEI COMPLEMENTAR à Constituição autoriza expressamente (§ 3º, art. 1º e art. 6º) às autoridades fazendárias o acesso aos dados do contribuinte para os fins de identificação e quantificação do encargo fiscal. III. Impõe-se, na espécie, a exegese harmônica do Texto Constitucional compatibilizando-se o exercício dos direitos consagrados no art. 5º, XII com a previsão contida no § 1º, do art. 145, pertinente a identificação do patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte para fins de tributação. IV. A LEI COMPLEMENTAR 105, de 10/01/2001, não padece de inconstitucionalidade de qualquer espécie, operando, na verdade, dicção constitucional. V. Previsão na LEI COMPLEMENTAR de resguardo dos dados colhidos relativamente ao contribuinte (art. 198, CTN e § único do art. 6º, LC 105/2001). VI. Precedentes (STF: RE 219.780/PE, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 13.4.99; STJ: ROMS 12.131/RR, Rel. Min. José Delgado, DJ 10/9/01; HB 15.753/CE, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 20/8/01; e RESP 286.697/MT, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 11/6/2001). VII. Apelação improvida[24].

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da mesma forma, concluiu pela constitucionalidade:

"Da mesma forma, a Lei Complementar 105/2001 autoriza o acesso da autoridade fiscal aos documentos, livros e registros das instituições financeiras, inclusive as relativas a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso. Portanto, o repasse das informações pela instituição bancária à Receita Federal e sua utilização para fins de fiscalização pelo IR tem amparo legal e não afronta as garantias constitucionais" [25].

No Superior Tribunal de Justiça há vários julgados no sentido da constitucionalidade:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE. 1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN. 2. O § 1º, do artigo 38, da Lei 4.595/64 (revogado pela Lei Complementar 105/2001), autorizava a quebra de sigilo bancário, desde que em virtude de determinação judicial, sendo certo que o acesso às informações e esclarecimentos, prestados pelo Banco Central ou pelas instituições financeiras, restringir-se-iam às partes legítimas na causa e para os fins nela delineados. 3. A Lei 8.021/90 (que dispôs sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo 8º, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal para o lançamento tributário de ofício (nos casos em que constatado sinal exterior de riqueza, vale dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38, da Lei 4.595/64. 4. O § 3º, do artigo 11, da Lei 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de 2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal era obrigada a resguardar o sigilo das informações financeiras relativas à CPMF, facultando sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente. 5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, e passou a regular o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários dos serviços (artigo 1º, § 3º, inciso VI, c/c o artigo 5º, caput, da aludida lei complementar, e 1º, do Decreto 4.489/2002). 6. As informações prestadas pelas instituições financeiras (ou equiparadas) restringem-se a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, § 2º, da Lei Complementar 105/2001). 7. O artigo 6º, da lei complementar em tela, determina que: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária." 8. O lançamento tributário, em regra, reporta-se à data da ocorrência do fato ensejador da tributação, regendo-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada (artigo 144, caput, do CTN). 9. O artigo 144, § 1º, do Codex Tributário, dispõe que se aplica imediatamente ao lançamento tributário a legislação que, após a ocorrência do fato imponível, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. 10. Conseqüentemente, as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores (Precedentes da Primeira Seção: EREsp 806.753/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 22.08.2007, DJe 01.09.2008; EREsp 726.778/PR, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 14.02.2007, DJ 05.03.2007; e EREsp 608.053/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006). 11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa conducente à conclusão de que Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la. 12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º). 13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos. 14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto. 15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-se de dados da CPMF para apuração do imposto de renda relativo ao ano de 1998, tendo sido instaurado procedimento administrativo, razão pela qual merece reforma o acórdão regional. 16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 601.314/SP, cujo thema iudicandum restou assim identificado: "Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao Fisco por meio de procedimento administrativo, sem a prévia autorização judicial. Art. 6º da Lei Complementar 105/2001." 17. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no artigo 543-B, do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes. 18. Os artigos 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte (Precedentes do STJ: AgRg nos EREsp 863.702/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe 27.05.2009; AgRg no Ag 1.087.650/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18.08.2009, DJe 31.08.2009; AgRg no REsp 1.078.878/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 06.08.2009; AgRg no REsp 1.084.194/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 26.02.2009; EDcl no AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 805.223/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 04.11.2008, DJe 24.11.2008; EDcl no AgRg no REsp 950.637/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 21.05.2008; e AgRg nos EDcl no REsp 970.580/RN, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 05.06.2008, DJe 29.09.2008). 19. Destarte, o sobrestamento do feito, ante o reconhecimento da repercussão geral do thema iudicandum, configura questão a ser apreciada tão somente no momento do exame de admissibilidade do apelo dirigido ao Pretório Excelso. 20. Recurso especial da Fazenda Nacional provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008[26].

O Supremo Tribunal Federal não concluiu o julgamento da ação cautelar 33[27] para concessão de efeito suspensivo a Recurso Extraordinário cujo mérito versa sobre o tema. Não concederam efeito suspensivo os ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. No sentido da concessão de efeito suspensivo votou o ministro Marco Aurélio, relator da ação, que considerou que o preceito do inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal, somente pode ser quebrado por ordem judicial, no que foi acompanhado pelo ministro Ricardo Lewandowski e pelo ministro Cezar Peluso, mas este último disse que aguardará o voto da ministra Ellen Gracie para eventualmente repensar seu voto[28].

Para os adeptos desta corrente, a Lei Complementar 105/2001 apenas previu instrumento para o exercício do múnus previsto no artigo 145, parágrafo 1º, da Lei Maior, sem afronta a qualquer direito fundamental.

Razão ao fisco
Na Constituição Federal de 1988 não há qualquer norma expressa consagrando o direito ao sigilo bancário. Este decorre do direito à privacidade, que:

“É o direito à autonomia pessoal. A Constituição dos Estados Unidos não estabeleceu expressamente o direito à privacidade, mas a Suprema Corte norte-americana vem decidindo reiteradamente que esse direito está subentendido nas ‘zonas de privacidade’, criadas por garantias constitucionais específicas” [29].

O sigilo bancário não constitui direito absoluto[30]. Quiroga Lavié aponta a relatividade dos direitos fundamentais, afirmando que os indivíduos devem operar observando os limites impostos pelo direito[31].

Walber de Moura Agra discorre:

“Nenhum direito fundamental é absoluto – eles são limitados pelas demais prerrogativas constantes na Constituição e pelas normas infraconstitucionais que delimitam o seu sentido”[32].

É cediço que direito fundamental “não pode servir de salvaguarda de práticas ilícitas” [33].

Cabe consignar que a Declaração Universal de Direitos Humanos consagra a relatividade dos direitos fundamentais ao dispor:

“Artigo XXIX – 1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem, e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas”[34].

Como bem ressaltou o desembargador federal Baptista Pereira:

“Com efeito, até mesmo o direito à vida, que se destaca por ocupar o primeiro lugar dentre os direitos fundamentais expressos no ‘caput’ do Artigo 5º da Constituição, diante da sua superioridade em relação aos demais direitos, não constitui direito absoluto, haja vista a possibilidade de se aplicar pena de morte em caso de guerra declarada (Art. 5º, inc. XLVII, a, CF/88)”[35].

Acerca da relatividade do direito à privacidade, impende ressaltar que o Supremo Tribunal Federal admite a possibilidade da violação da correspondência de sentenciados, sem qualquer afronta ao Texto Supremo:

"A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas" [36].

Verifica-se que os direitos fundamentais são relativos, cedendo diante da prática de atividade contrária à ordem jurídica, e não podem ser empregados como verdadeiro obstáculo para a prática de ilicitudes, em detrimento do interesse público primário.

Em consonância com o afirmado são os ensinamentos de Walber de Moura Agra:

“Um dos principais vetores para a limitação dos direitos fundamentais é o interesse público, obedecendo ao princípio do bem comum. A utilização excessiva do direito fundamental não pode afrontar os interesses da coletividade, devendo prevalecer uma interpretação no sentido de que o direito não seja obnubilado nem o interesse público seja prejudicado”[37].

Assim, havendo conflito entre direitos fundamentais e interesse público, o interprete deve se valer da ponderação. Esta, segundo leciona Luís Roberto Barroso, “socorre-se do princípio da razoabilidade-proporcionalidade para promover a máxima concordância prática entre os direitos em conflito. Idealmente o intérprete deverá fazer concessões recíprocas entre os valores e interesses em disputa, preservando o máximo possível de cada um deles. Situações haverá, no entanto, em que será impossível a compatibilização. Nesses casos, o intérprete precisará fazer escolhas, determinando in concreto, o princípio ou direito que irá prevalecer”[38].

Antes de adentrarmos na abordagem da questão da constitucionalidade, é necessário lembrar que o Pretório Excelso admite o acesso aos dados bancários por requisição direta: da autoridade judicial[39]; da Comissão Parlamentar de Inquérito[40];e do Ministério Público[41], com fundamento no artigo 129, VI, da Constituição Federal [42], e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar 75/1993 [43], nos casos em que envolvam dinheiro ou verbas públicas. Precitadas normas são de aplicação subsidiária aos Ministérios Públicos dos Estados, nos termos do artigo 80, da Lei n. 8.625/93 [44].

Vale consignar a opinião de José Celso de Mello Filho no sentido da possibilidade do Tribunal de Contas requisitar informações sigilosas[45], dentre elas as bancárias. Em sentido contrário é a posição de Regis Fernandes de Oliveira e Estevão Hovarth[47]. Para estes, somente o Poder Judiciário poderá requisitar tais informações, nunca entes administrativos.

Registre-se, por oportuno, que em todas as hipóteses a requisição deverá ser fundamentada[48], sob pena de nulidade.

Entendemos que o sigilo bancário não está sujeito à reserva de jurisdição, ante a ausência de norma expressa no Texto Maior neste sentido.

O postulado constitucional da reserva de jurisdição é um tema ainda pendente de definição pelo Supremo Tribunal Federal. Este, quando tratou do assunto, não mencionou o sigilo bancário:

“A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobe determinadas matérias, como a busca domiciliar – (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) – traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outro órgão ou autoridades do Estado. Doutrina.´O princípio constitucional da reserva de jurisdição embora reconhecido por cinco (5) Juízes do Supremo Tribunal Federal – Min. CELSO DE MELLO (Relator), Min. MARCO AURÉLIO, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Min. NÉRI DA SILVEIRA e Min. CARLOS VELLOSO (Presidente) – não foi objeto de consideração por parte dos demais eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, que entenderam suficiente para efeito de concessão do writ mandamental, a falta de motivação do ato impugnado”. [48]

Canotilho denomina o princípio da reserva absoluta de jurisdição de “monopólio da primeira palavra”, aplicável “quando em certos litígios, compete ao juiz não só a última e decisiva palavra, mas também a primeira palavra referente à definição do direito aplicável a certas relações jurídicas” [49], sendo tal princípio aplicável à privação de liberdade nos artigos 27.º/2, e 28.º/1, da Constituição Portuguesa .

Ora não se pode admitir que o titular de competências tributárias tenha que requerer ao Poder Judiciário (então detentor do “monopólio da primeira palavra”), autorização para ter acesso a dados bancários, para, somente após, poder apurar se determinado contribuinte praticou ou não o fato imponível. Tal situação inviabiliza o exercício da arrecadação tributária.

Em matéria de sigilo bancário, o Poder Judiciário detém o “monopólio da última palavra”,[50] não da primeira palavra, também chamada reserva absoluta de jurisdição.

Vale lembrar que há mandamento constitucional expresso autorizando o legislador a prever a possibilidade de a administração tributária identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas, conforme dispõe o artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal:

"§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".

Em recente estudo sobre o assunto Deise Mendroni de Menezes pondera:

“A função fiscalizadora encontra embasamento constitucional, ainda no Art. 145, § 1º, que positiva o princípio da capacidade contributiva conforme o qual os impostos, sempre que possível, devem ter caráter pessoal e ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e, nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. O advérbio especialmente significa ‘de modo especial’, particularmente, principalmente, nomeadamente”[51].

Mencionado artigo deverá ser interpretado em consonância com o princípio da “interpretação efectiva”, ou princípio da máxima efetividade”: “A uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê”[52].

O acesso às informações bancárias constitui condição imprescindível para a administração tributária apurar o an e quantum debeatur:

“A investigação se constitui em uma premissa da ação fiscal, uma fase procedimental preliminar, que encontra seu fundamento na própria Carta Política, Art. 145, § 1º, como um momento anterior ao lançamento tributário, em que são feitas verificações no intuito de conferir e comprovar as informações prestadas espontaneamente pelos contribuintes ao Fisco e onde se buscam subsídios para apurar irregularidades e formar o conjunto de provas necessárias à elucidação e demonstração da prática de enriquecimento ilícito, sonegações, infrações ou crimes tributários, as quais poderão vir, em momento oportuno, ser contraposto.

À autoridade fiscal, muito mais do que um ônus ou um poder, incumbe o dever-poder vinculado à lei de investigar, diligenciar, demonstrar e provar a ocorrência do fato jurídico tributário, não sendo cabível a ela discutir ou escolher lançar, ou não lançar[53].

Para cumprir fielmente a competência privativa e vinculada à lei, as autoridades fiscais detêm poderes indeclináveis plenos, que alcançam a possibilidade de elas examinarem quaisquer livros, registros ou documentos referentes a operações ou transações que possam implicar a ocorrência de fatos que estejam submetidos à incidência de tributos, não lhes sendo aplicáveis quaisquer restrições impeditivas do exercício das suas atividades”[54].

Na interpretação do artigo 145, parágrafo 1º, da Lei Fundamental, é aplicável a lição de Carlos Maximiliano: “Interpretem-se as disposições de modo que não pareça haver palavras supérfluas e sem força operativa”[55].

Em alguns tributos, somente após o acesso às informações bancárias do contribuinte é que o Fisco poderá identificar o seu patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas, atendendo ao mandamento constitucional do artigo 145, parágrafo primeiro da Constituição Federal, o qual não poderá ser afastado, já que se trata de norma constitucional originária.

Na interpretação existem limites lógicos, “não se admitindo que o julgador se substitua ao legislador, fugindo da literalidade da lei”[56].

Concordamos com André Ramos Tavares, que afirma que “o magistrado (seja um ministro, um desembargador ou um juiz) tem limitado seu campo ao preceito legal. Não pode ir além dele”[57].

O ministro Carlos Velloso, do Pretório Excelso, interpretando a norma constitucional em testilha, entendeu que:

"A questão, portanto, da quebra do sigilo, resolve-se com a observância de normas infraconstitucionais, com respeito ao princípio da razoabilidade e que estabeleceriam o procedimento ou o devido processo legal para a quebra do sigilo bancário. A questão, portanto, não seria puramente constitucional. A quebra do sigilo bancário faz-se com observância, repito, de normas infraconstitucionais, que subordinam-se ao preceito constitucional. (…) Na verdade, a Constituição, no art. 145, §1º, estabelece que é ‘facultativo à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes.’ Está-se a ver, da leitura do dispositivo constitucional, que a faculdade concedida ao Fisco, pela Constituição, exerce-se com respeito aos ‘direitos individuais e nos termos da lei’. Tem-se, novamente, questão infraconstitucional que deveria ser examinada, o que inviabiliza o recurso extraordinário"[58].

Há precedente do Tribunal Federal de Recursos favorável à tese:

"Sigilo bancário. Informações destinadas à Divisão do Imposto sôbre a Renda. O sigilo bancário só tem sentido enquanto protege o contribuinte contra o perigo da divulgação ao público, nunca quando a divulgação é para o fiscal do impsto de renda que, sob pena de responsabilidade, jamais poderá transmitir o que lhe foi dado a conhecer. (…) O sigilo bancário tem por finalidade a proteção contra a divulgação ao público dos negócios do banco, ou dos negócios dos seus clientes. Na espécie incorre isso, visto que os Agentes Fiscais do Impôsto de Renda são, ex vi legis (art. 201, Dec. 47.373/59), obrigados ao sigilo, sendo-lhes defeso, pena de responsabilidade divulgar conhecimento obtido via de investigação como, aliás, salienta o Egrégio Tribunal a quo. Não há perigo de devassa ou quebra de sigilo bancário, porquanto, como assinala o parecer, os Agentes Fiscais do Impôsto de Renda são obrigados ao sigilo (art. 201 – D. 47.373/59), sob pena de responsabilidade"[59].

No mesmo sentido é o entendimento do desembargador federal Baptista Pereira:

“Ademais, a própria Constituição Federal, em seu Art. 145, § 1º, confere à administração tributária, o poder-dever de identificar, nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte; e o Art. 149, do CTN, por sua vez, outorga à administração o poder de revisar o lançamento quando, por exemplo, houver falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento de declaração obrigatória, desde que, é claro, não tenha se verificado ainda o prazo prescricional para a Fazenda Pública”[60].

Yoshiaki Ichihara apresenta relevante argumento :

“A resistência à quebra do sigilo bancário, na maioria das vezes, parte de pessoas cuja divulgação da movimentação bancária resulta na comprovação da eventual investigação suspeita. Com efeito, se o sistema protege o indivíduo não obrigando-o a confessar, a trazer elementos que o levem à condenação, para tanto permitindo até mentir, presentes os pressupostos, não pode o sistema proteger o indivíduo contra a coletividade e o interesse público, prestigiando o criminoso, o sonegador ou aquele que praticou o ato ilegal”[61].

Ademais, somente se permite o acesso aos dados bancários caso exista processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, e tal exame seja considerado indispensável pela autoridade administrativa competente [62], observando-se, incondicionalmente, o princípio da ampla defesa e do contraditório [63], aplicáveis aos procedimentos administrativos[64], sendo que tal decisão é passível de controle jurisdicional, que apreciará a razoabilidade e proporcionalidade do caso concreto.

Convém salientar que a autoridade fiscal deverá guardar sigilo sobre os dados obtidos após o acesso às informações bancárias, conforme preceitua o artigo 5º, parágrafo 5º [65], da Lei Complementar 105/2001, “mantendo-se, assim, a segurança jurídica” [66], sob pena de responsabilidade no âmbito civil [67], penal [68], e administrativo [69].

Ao argumento de que o Fisco é parte na relação jurídica tributária, não caracterizando-se como um órgão equidistante [70], é aplicável, nesta relação, o princípio constitucional da impessoalidade[71]. Em poucas palavras, a autoridade fiscal nos tempos atuais, representa o interesse público primário [72]; o Fisco é um dos sujeitos da relação jurídica, mas um sujeito impessoal, isto é, que deve agir independentemente de qualquer circunstância ou particularidade do caso, não podendo atuar prejudicando ou beneficiando determinadas pessoas[73].

O princípio da prevalência da norma mais favorável à vítima[74] é inaplicável, considerando-se que não há conflito de normas, pelo contrário, a Lei Complementar atende aos mandamentos do artigo 145, parágrafo primeiro da Constituição Federal.

Segundo o princípio da unidade[75], “as normas constitucionais devem sempre ser consideradas como coesas e mutuamente imbrincadas. Não se poderá jamais tomar determinada norma isoladamente, como suficiente em si mesma”[76].

Gomes Canotilho leciona:

“O princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade (…). Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios”[77].

Não há qualquer vedação constitucional[78], explícita ou implícita, ao acesso aos dados bancários por parte da autoridade fiscal. Pelo contrário, há norma constitucional expressa: o artigo 145, parágrafo primeiro, do Texto Fundamental, que constitui o fundamento de validade das normas da Lei Complementar 105/2001, as quais prevêem o acesso aos dados bancários pela autoridade administrativa que, observando os requisitos legais supracitados, deverá exercer seu mister, respeitando, sempre, os princípios da razoabilidade[79] e proporcionalidade que decorrem do princípio do devido processo legal em sentido material[80].

Concordamos com o Pretório Excelso:

“O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas” [81].

Em suma, o sigilo bancário não se revela oponível, em nosso ordenamento constitucional, à autoridade fiscal, já que a Constituição Federal, no artigo 145, parágrafo primeiro, lhe outorgou o dever de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

A possibilidade, da autoridade tributária, requisitar os dados bancários visa conferir efetividade ao caráter pessoal dos impostos e à capacidade contributiva do contribuinte, desde que sejam respeitados os requisitos anteriormente abordados. Eventual excesso ou desvio encetado pela autoridade fiscal, sempre será passível de controle jurisdicional, em caso de violação a norma constitucional ou legal, via Mandado de Segurança.


[1]. Alguns dispositivos foram objeto de ações diretas de inconstitucionalidade, como a de número 2.386, apensa a outras ações com identidade parcial de objeto, dentre elas: n. 2.386, 2.389, n. 2.390, n. 2.110, n. 2397, n. 2.406. Na ação cautelar (AC 33) em tramitação no Pretório Excelso, há alguns votos já proferidos, conforme veremos adiante.

[2]. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, prevê no Art. 6o:“As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária”. Outros requisitos estão previstos na Lei, mas fogem do objeto deste, motivo pelo qual não serão apreciados.

[3]. Texto não revisado pelo palestrante, conferência realizada no “SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE SIGILO BANCÁRIO”, promovido pelo Centro de Estudos Victor Nunes Leal, em Brasília, no dia 15 de fevereiro de 2001, publicado na Revista da Advocacia-Geral da União, Ano II, N° 09, abril de 2001, http://www.agu.gov.br/ce/pages/revista/default_arquivos.asp .

[4]. Adota-se neste estudo a lição de J. J. Gomes Canotilho, que trata as regras e princípios como duas espécies de normas, Direito Constitucional, 4ª ed., Coimbra: Livraria Almedina, p. 1124. Roque Antonio Carrazza afirma: “Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”. Curso de Direito Constitucional Tributário, 10ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 31.

[5] O princípio da reserva constitucional de jurisdição “importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive aqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’” (Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello, MS 23.452-RJ.).

[6]. Neste sentido é o Parecer de Miguel Reale e Ives Gandra Martins, consultados pela Ordem do Advogados do Brasil, Secção São Paulo, publicado no site Consultor Jurídico em 11 de dezembro de 2002, www.conjur.com.br.

[7]. Jornal O Estado de São Paulo, Caderno de Economia, 03/12/2002, p. B-4.

[8]. Afirma o autor que: a palavra “invadir” é a constitucionalmente correta para a hipótese de que se trata, III Colóquio Internacional de Direito Tributário, IOB/La Ley, 2001. coord.

Ives Gandra Martins, p. 320 e 326.

[9]. Direitos fundamentais do contribuinte, coordenador Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 218.

[10]. Direitos fundamentais do contribuinte, coordenador Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 281.

[11]. Ibidem, p. 312.

[12]. Ibidem, p. 538.

[13]. Ibidem, p. 117.

[14]. Sacha Calmon Navarro Coelho, Leis complementares 104 e 105/2001. Dias angustiantes permeiam a tributação no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001. Disponível em:

[15] . Direito Constitucional Esquematizado, 4ª Edição – Revista, atualizada e ampliada, São Paulo:LTr, 2002, p. 451.

[16] .Constituição Federal, artigo 5º,X – “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

[17]. Na doutrina, Ives Gandra Martins e Miguel Reale, afirmam que a ausência de imparcialidade da Receita é um dos argumentos contrários à constitucionalidade do diploma comentado, sobre o assunto vide o tópico sobre inconstitucionalidade.

[18]. Texto não revisado pelo palestrante, conferência realizada no “SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE SIGILO BANCÁRIO”, promovido pelo Centro de Estudos Victor Nunes Leal, em Brasília, no dia 15 de fevereiro de 2001, publicado na Revista da Advocacia-Geral da União, Ano II, N° 09, abril de 2001http://www.agu.gov.br/ce/pages/revista/default_arquivos.asp .

[19] Ibidem.

[20]. MS 21.429-4-DF.

[21]. Direitos fundamentais do contribuinte, coordenador Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 501.

[22]. Direitos fundamentais do contribuinte, coordenador Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 733.

[23]. TRIBUNAL – TERCEIRA REGIÃO, Classe: AMS – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 236767, Processo: 2001.61.00.022952-5 UF: SP Orgão Julgador: SEXTA TURMA, JUIZA CONSUELO YOSHIDA , v. u.,Data da Decisão: 25/09/2002 Documento: TRF300066652 , DJU DATA:25/11/2002 PÁGINA: 603.

[24]. Origem: TRIBUNAL – TERCEIRA REGIÃO ,Classe: AMS – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 235185, Processo: 2001.61.04.002694-7 UF: SP Orgão Julgador: SEXTA TURMA, Desembargadora SALETTE NASCIMENTO , v.u., Data da Decisão: 25/09/2002 Documento: TRF300066964, DJU DATA:02/12/2002 PÁGINA: 378. No mesmo sentido: Origem: TRIBUNAL – TERCEIRA REGIÃO, Classe: AG – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 129757

Processo: 2001.03.00.012332-0 UF: SP Orgão Julgador: SEXTA TURMA

Data da Decisão: 13/06/2001 Documento: TRF300056199 , DJU DATA:12/09/2001 PÁGINA: 243 , Relatora Desembargadora MARLI FERREIRA; MS – MANDADO DE SEGURANÇA – 230413, Processo: 2001.03.00.036839-0 UF: SP Orgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO, Relatora Desembargadora SUZANA CAMARGO, v.u., Data da Decisão: 07/08/2002 Documento: TRF300064824 ,DJU ATA:12/11/2002 PÁGINA: 221; AGRAVO DE INSTRUMENTO – 131881, Processo: 2001.03.00.015953-2 UF: SP Orgão Julgador: SEXTA TURMA, Data da Decisão: 28/08/2002 Documento: TRF300064806 , DJU DATA:11/11/2002 PÁGINA: 367; Agravo de instrumento n. 12974, Proc. 2001.03.00.012311-2,Relatora Desembargadora Federal Terezinha Cazerta, Extraído da Revista Dialética de Direito Tributário – 72 – pg. 204 a 206; Processo: 2001.03.00.021253-4, Agravo de Instrumento n. 133889, Publicação: 09/11/2001, ORIG. : 200161000168810/SP, RELATOR: Desembargador BAPTISTA PEREIRA/TERCEIRA TURMA; Sentença do Juiz Federal José Denílson Branco, Mandado de Segurança Autos n.º 2002.61.26.012772-1, Santo André-SP; e Sentença do Juiz Federal Roberto Lemos dos Santos Filho, Autos 2002.61.04.001928-5, 1ª Vara Justiça Federal, Santos/SP.

[25]. Agravo de instrumento . 2001.04.01.045127-8/SC, Juiz João Surreaux Chagas, Extraído da Revista Dialética de Direito Tributário – 72 – pg. 203 e 204.

[26] STJ, REsp 1134665/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 18/12/2009. No mesmo sentido: STJ AgRg nos EDcl no REsp 1135908/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, DJe 01/07/2010; MC 7.513, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 30/08/2004; REsp 628116, Rel. Min. Castro Meira, Dj de 03/10/2005; REsp 701.996, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 06/03/2006.

[27] até o encerramento deste estudo.

[28] Fonte site: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=118140&caixaBusca=N .

[29]. Bryab Garner, Black´s law dicionary, 70ª edição, St. Paul: West Group, 2.000, p. 1.063.

[30]. Neste sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal: Recurso Extraordinário 219.780-5, Relator Ministro CELSO DE MELLO: “CONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. CF, art. 5º, X . I. – Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à privacidade, que a Constituição protege – art. 5º, X – não é um direito absoluto, que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da Justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância da razoabilidade. No caso, a questão foi posta, pela recorrente, sobre o ponto de vista puramente constitucional, certo, entretanto, que a disposição constitucional é garantidora do direito, estando as exceções na norma infraconstitucional“; vide, outrossim, AGRPET 1.564-5/RJ, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 27.08.99, p. 00058. No mesmo diapasão: Sérgio Carlos Covello, O Sigilo Bancário como Proteção à Intimidade, Revista dos Tribunais, 648/27, 29; Ary Brandão de Oliveira, Considerações Acerca do Segredo Bancário, Revista de Direito Civil, 23/114, 119; e Miguel Reale, O sigilo bancário no direito brasileiro. In: Anais do 1º Ciclo de estudos de direito econômico, São Paulo, IBCB, 1993, p. 139.

[31]. Derecho constitucional, 3ª Edição, Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 123.

[32]. Manual de Direito Constitucional, , São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 143.

[33]. Supremo Tribunal Federal, RT 709/418.

[34]. Fonte site da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, biblioteca virtual, INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, www.pge.sp.gov.br .

[35]. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, PROC. : 2001.03.00.021253-4, AG 133889, Publicação: 09/11/2001, ORIG. : 200161000168810/SP, RELATOR : DES.FED. BAPTISTA PEREIRA / TERCEIRA TURMA.

[36]. HC 70.814-SP. Rel. Min. Celso de Mello. Julgamento: 1.3.1994 – 1ª Turma. DJ: 26.06.1994, p. 16649.

[37]. Op. cit., p. 143.

[38] Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 338.

[39]. Pela Justiça Penal e Civil, neste sentido: STF, 2ª Turma, Recurso Extraordinário n. 92.377-2/SP, Relator Ministro Moreira Alves; e MS N. 2.172, 1ª Turma, Rel. Min. Nelson Hungria.

[40]. “COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INTIMIDADE. SIGILO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE DE SUA QUEBRA. CARÁTER RELATIVO DESSE DIREITO INDIVIDUAL”, STF, MS N. 23.669-DF (Medida Liminar), RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO, Informativo 185.

[41]. “A ordem jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público – art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar 75/1993. 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição”, STF,MS 21729/DF; MANDADO DE SEGURANÇA; Relator Min. MARCO AURÉLIO; Publicação: DJ DATA-19-10-01, PP-00033, EMENT VOL-02048-01, PP-00067, Julgamento: 05/10/1995 – Tribunal Pleno.

[42]. Constituição Federal, Art. 129. “São funções institucionais do Ministério Público:… VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;”.

[43]. Lei complementar n. 75/93, “Art. 8º – Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: …II – requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; …IV – requisitar informações e documentos a entidades privadas; … VIII – ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;… § 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido”.

[44]. Lei n. 8.625/93, “Art. 80 – Aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União”.

[45]. Constituição Federal Anotada, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 238.

[46]. Manual de Direito Financeiro, 5ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 151.

[47]. Quanto ao Poder Judiciário a Constituição Federal prevê no: “Art. 93, IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”. Sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito, já decidiu o Pretório Excelso: “EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE DO ATO IMPGNADO. PRECEDENTES. 1. Se não fundamentado, nulo é o ato da Comissão Parlamentar de Inquérito que determina a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico. 2. Meras ilações e conjecturas, destituídas de qualquer evidencia material, não têm o condão de justificar a ruptura das garantias constitucionais preconizadas no artigo 5º, X e XII, da Constituição Federal. Segurança concedida”, MS 24029 / DF, Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA, Publicação: DJ DATA-22-03-02, PP-00032, EMENT VOL-02062-02, PP-00298, Julgamento: 03/11/2002 – Tribunal Pleno; no mesmo diapasão MS 23.452, Relator Ministro Celso de Mello, DJU de 19/10/1999. O Ministério Público deve fundamentar, outrossim, suas manifestações, nos termos do artigo 129, VIII, da Constituição Federal, vide, outrossim, RT 559/273, e 566/359, acerca do assunto.

[48]. MS 23.452-RJ

[49]. Op. Cit., p. 653.

[50]. Sobre o monopólio da última palavra, vide Canotilho, op. cit., p. 652.

[51]. A quebra do sigilo bancário: aspectos tributários, dissertação de Mestrado PUC-SP, 2002.

[52]. Canotilho, op. cit., p. 1187.

[53]. Neste mesmo sentido é PAULO DE BARROS CARVALHO para quem: “É uma imposição inafastável do exercício do dever-poder que a lei atribui aos agentes da Administração Tributária e se reflete nun desdobramento do princípio da supremacia do interesse público ao do particular“. Curso de Direito Tributário, p. 363.

[54]. Deise Mendroni de Menezes, op. cit. .

[55]. Hermenêutica e aplicação do Direito, 7ª ed., São Paulo: Editora Livraria Freitas Bastos S/A, 1961, p. 312.

[56]. André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, p. 227. Canotilho recomenda que tal interpretação deverá ser afastada quando “em lugar do resultado querido pelo legislador, se obtém uma regulação nova e distinta”, Direito Constitucional, p. 1190.

[57]. Curso de Direito Constitucional, p. 237.

[58]. STF, RE 219.780/PE, DJ de 10.09.99, p. 23.

[59]. RMS 15.925-GB, Rel. Min. Gonçalves de Oliveira, DJ de 24/06/66.

[60]. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, PROC. : 2001.03.00.021253-4, AG 133889, Publicação: 09/11/2001, ORIG. : 200161000168810/SP, RELATOR : DES.FED. BAPTISTA PEREIRA / TERCEIRA TURMA.

[61]. Direitos fundamentais do contribuinte, coordenador Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 501.

[62]. Lei Complementar n. 105/2001, “Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”.

[63]. Artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

[64]. Conforme leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 8ª edição, p. 402. No mesmo sentido RTJ 83/385; RJTJSP 14/219.

[65]. Lei Complementar n. 105/2001, artigo 5º,§ 5o “As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor”.

[66]. Desembargador Batista Ferreira, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, 3ª Turma, PROC. : 2001.03.00.021253-4, AG 133889, Publicação: 09/11/2001, ORIG. : 200161000168810/SP.

[67]. Lei Complementar n. 105/2001, artigo 11.O servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata esta Lei Complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial”.

[68]. Código Penal, “Violação de sigilo funcional,Art. 325. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave”.

[69]. Sobre os servidores da União dispõe o artigo 116, da Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990: “São deveres do servidor:…VIII – guardar sigilo sobre assunto da repartição”.

[70]. Empregado pelos cultos Miguel Reale, Ives Gandra Martins, e Ministro Marco Aurélio de Mello.

[71]. Constituição Federal, Artigo 37, “caput”: “A administração pública direta e0 indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

[72]. Renato Alessi apresenta a divisão do interesse público entre primário e secundário, Sistema Istituzionale del Diritto Amministrativo Italiano, p. 197-8. O interesse público primário é o interesse da coletividade, pode ser identificado com o interesse da sociedade, é o interesse do bem geral, ou da observância da ordem jurídica a título de bem tratar o interesse da coletividade. Já o interesse público secundário é aquele do Estado enquanto administração, ou seja, o modo como os órgãos governamentais vêem o interesse público.  Nem sempre o primeiro coincide com o segundo. Caso haja incompatibilidade entre eles os interesses públicos secundários não são atendíveis, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, sob pena da Administração Pública trair sua missão própria razão de existir, Curso de Direito Administrativo, 1995, 6ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, p. 22.

[73]. Maria Sylvia Zanella di Pietro, Direito Administrativo, 8ª Edição, 1997, São Paulo: Atlas, p. 64.

[74]. Havendo incompatibilidade aparente entre dois direitos humanos fundamentais aplica-se o critério da prevalência da norma mais favorável à vítima, “Vale dizer, prevalece a norma mais benéfica ao indivíduo, titular do direito”, conforme lição de Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 2ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 42.

[75]. J. J. Gomes Canotilho emprega a expressão princípios de interpretação da Constituição para tratar do que Celso Bastos denomina postulados, acrescentando que trata-se de “um ponto de referência obrigatório da teoria da interpretação constitucional”, op. cit., , p. 1186. Consoante lição do mestre Celso Bastos: os postulados “são pressupostos para uma válida interpretação”, Hermenêutica e Interpretação constitucional, p. 89. São referidos princípios ou postulados, portanto, de aplicação cogente na interpretação constitucional.

[76]. Celso Ribeiro Bastos, op. cit., p. 103.

[77]. Direito Constitucional. 4ª ed., Coimbra: Livraria Almedina, p. 1187.

[78]. No dizer sempre expressivo de Carlos Maximiliano afirma: “quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente”, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 7ª ed., ed., Livraria Freitas Bastos, 1961, p. 306-7. Acrescentando o iluminado jurista sobre a regra de hermenêutica: “Cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas”, op. cit., p. 306.

[79]. Consoante decidiu o STF: "A questão, portanto, da quebra do sigilo, resolve-se com a observância de normas infraconstitucionais, com respeito ao princípio da razoabilidade e que estabeleceriam o procedimento ou o devido processo legal para a quebra do sigilo bancário",RE 219.780/PE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10.09.99, p. 00023.

[80]. André L. Borges Netto afirma: “Duas são as facetas do devido processo legal, a adjetiva (que garante aos cidadãos um processo justo e que se configura como um direito negativo, porque o conceito dele extraído apenas limita a conduta do governo quando este atua no sentido de restringir a vida, a liberdade ou o patrimônio dos cidadãos) e a substantiva (que, mediante autorização da Constituição, indica a existência de competência a ser exercida pelo Judiciário, no sentido de poder afastar a aplicabilidade de leis ou de atos governamentais na hipótese de os mesmos serem arbitrários, tudo como forma de limitar a conduta daqueles agentes públicos). O entendimento atual do devido processo legal substantivo permite o controle de atos normativos disciplinadores de atividades individuais até mesmo ‘não econômicas’. Este princípio, em sua concepção substantiva, é fonte inesgotável de criatividade hermenêutica, transformando-se numa mistura entre os princípios da ‘legalidade’ e ‘razoabilidade’ para o controle dos atos editados pelo Executivo e pelo Legislativo”, A RAZOABILIDADE CONSTITUCIONAL (o princípio do devido processo legal substantivo aplicado a casos concretos), Revista Jurídica Virtual do Palácio do Planalto 12 – MAIO/2000, extraído do site: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/revista/Rev_12/razoab_const.htm .A Constituição Federal, inciso LIV do art. 5º, dispõe :"Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". O Supremo Tribunal Federal tem aplicado o devido processo legal em sentido material ou substancial: ADIn 1408-DF, 15.02.96; ADIn 1.358-DF, rel. Min. Sydney Sanches, 07.12.95; ADIn 1.158/AM, Rel. Min. Celso de Mello, 19.12.94, Suspensão de segurança n. 1.320/DF, Relator Min. Celso de Mello, 14.04.1999; Adin 1.407/DF, Adin 1.479/RS, HC n. 77.003/PE; tendo inclusive declarado Lei inconstitucional por violar o princípio citado “ na concessão de vantagem pecuniária cuja razão de ser se mostre absolutamente destituída de causa, como a outorga de adicional de férias a inativo”, conforme lembra José Adércio Leite Sampaio, na excelente obra: A constituição reinventada pela jurisdição constitucional, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 827, citando o julgado do STF, prolatado na Adin – Medida cautelar n. 1.158-AM, Relator Ministro Celso de Mello, RTJ v. 160, t. 1, p. 141-145, bem como diversos outros sobre o assunto.

[81]. STF,MS 21729/DF; MANDADO DE SEGURANÇA; Relator Min. MARCO AURÉLIO;

Publicação: DJ DATA-19-10-01, PP-00033, EMENT VOL-02048-01, PP-00067, Julgamento: 05/10/1995 – Tribunal Pleno.

Autores

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    é procurador do estado de São Paulo, professor de Direito Constitucional e Direitos Humanos da União dos Cursos Superiores COC, do Curso LFG, e de cursos de pós-graduação (PUC-COGEAE, UFBA, Escola Superior do Ministério Público, JUSPODIVM e FAAP), doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, coordenador do grupo de pesquisa do Curso de Direito das Faculdades COC: “Observatório do Supremo Tribunal Federal”.

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    é advogada licenciada e bolsista pela Pró-Reitoria da UNESP, membro do grupo de pesquisa do Curso de Direito das Faculdades COC: “Observatório do Supremo Tribunal Federal”.

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