Formação alternativa

Cinema pode contribuir para formação de alunos

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18 de julho de 2010, 9h11

O pensamento que surge de relance ao pensar em cinema como forma de expressão é que este seria uma atividade de entretenimento e de diversão.

Contudo, pode-se ir um pouco além, de modo que se propõe a seguinte pergunta: o cinema não pode também ser uma fonte de conhecimento?

Walter Salles, diretor de filmes como “Central do Brasil” e “Abril Despedaçado”, em dada entrevista, disse uma frase que se reputa importante reproduzir:

“O cinema, como todas as artes, deve ser, antes de mais nada, transgressor. Ele pode ser um fantástico instrumento de compreensão do mundo e não de banalização”.

O pensamento deste renomado cineasta guarda de um notável acerto. O cinema é forma de expressão da realidade. Quando se está fechado dentro de uma sala escura, vive-se uma realidade, por mais absurda que ela seja no plano físico. Naquele momento íntimo do espectador com a tela de cinema só existe aquela história, aqueles personagens, aquela paisagem e aquela atmosfera.

Então não seria nenhum absurdo dizer que o cinema tenta imitar o mundo do “ser”, ou seja, tenta imitar uma realidade.

A partir destas premissas, podemos vislumbrar as primeiras aproximações do cinema com o direito.

Primeiro, o cinema, como dito, guarda uma percepção próxima de uma realidade (trata do universo do “ser”), o direito, por seu turno, como todo estudante do primeiro ano já sabe, lida com o chamado “dever ser”.

Segundo, o cinema, embora alguns diretores e produtores não admitam expressamente, tenta transmitir uma ideologia, por mais despretensiosa que seja a sua proposta. O direito, por sua vez, também está impregnado de ideologia, tanto que existe o direito canônico, o direito do continente europeu, o direito muçulmano.

Terceiro, o cinema, regra geral, tenta atingir um número universal de expectadores, um público de todos os países e continentes, embora se saiba que existem filmes que foram proibidos em certos países. Um exemplo claro e atual é o filme “Brüno” (estrelado pelo anárquico Sacha Baron Cohen), que foi proibido na Malásia. O direito, cada vez mais, tende também a deixar de pertencer a um só país e passando a ser continental ou universal (Direito da Comunidade Européia, Direito do Mercosul).

Por fim, o cinema, assim como o direito, é um amplo repositório de informações deixado à disposição para que seja interpretado por seus inúmeros destinatários.

Evidentemente, outras áreas artísticas também abordam temas jurídicos: da literatura de Dostoievski e de Kafka até a dramaturgia de Shakespeare e Plínio Marcos, das telenovelas de Manuel Carlos e Gilberto Braga até as letras de Bezerra da Silva e Marcelo D2.

Sem desmerecer as demais formas de arte, escolheu-se o cinema para esta proposta de interdisciplinaridade por conta da força da sua imagem, pelo seu impacto social e por se tratar de uma das principais formas de manifestação cultural da modernidade (ou pós modernidade, como preferem alguns).

Nesse sentido, a eleição do cinema para abordar o direito é bastante atraente e tem coerência com os tempos em que se vive, afinal, como diz o Conselheiro do CNJ, Joaquim Falcão, “nosso século é mais e mais o século do visual, o século da imagem”.

Alguns podem até indagar como é possível essa junção, já que o direito se consagrou como uma ciência com padronização própria e linguagem muito técnica e cartesiana. Ou seja, sempre existem os defensores de um abismo entre o científico e o artístico.

Contudo, hoje se fala em um novo paradigma científico para o direito, através da sua aproximação com as mais variadas formas de arte. Tanto isso é verdade que cursos de direito como o da PUC/SP, há algum tempo, vêm apresentando módulos de extensão e workshops de direito e cinema. O curso de direito da FGV/RJ tem um disciplina da graduação de direito e cinema logo no primeiro período. O Centro de Ensino Santa Teresinha – CEST, faculdade em que orgulhosamente faço parte do corpo docente, já possuiu um projeto de direito e cinema, que, diga-se de passagem, precisa ser revisitado.

O grande desafio de unir direito e cinema, principalmente para os alunos da graduação, é estimulá-los a olhar o mundo juridicamente. Esse olhar jurídico precisa ser treinado, para que vá muito além da mera interpretação fechada de contratos e textos legislativos. É preciso perceber o direito na rua, na vizinhança e, por que não dizer, na própria arte do cinema. Mais uma vez, vale-se das palavras do Conselheiro Joaquim Falcão, que expõe ser “preciso convidar o aluno a olhar seu dia a dia a partir de lentes jurídicas”.

Caso o aluno seja realmente estimulado a lançar o seu olhar jurídico sobre o cinema, ele vai deixar de ver o cinema como um mero entretenimento vazio para encontrar um rico material de aula, diga-se de passagem, extremamente didático.

Ousamos dizer que existe uma riquíssima matéria-prima didática que pode ser trabalhada e debatida junto com os alunos. Temos os famosos filmes que abordam o dia a dia dos advogados (“O Homem que Fazia Chover” e “Justiça para Todos”) e outros que, embora não sejam filmes sobre advogados, mas suscitam grandes amplos debates sobre questões jurídicas (“Minority Report” e “À Espera de um Milagre”).

Por fim, essa proposta de interdisciplinaridade é mais uma ferramenta de reafirmação do propósito de que as faculdades públicas e particulares devem formar não só profissionais técnicos, mas sim bacharéis com uma boa formação humanística e técnica.

Quem sabe em um futuro bem próximo, as faculdades abracem integralmente esse modelo adicional de ensino jurídico. Ter-se-ia nos planos de ensino não só uma bibliografia tradicional (básica e complementar), mas também a adoção de determinados filmes como instrumentos didáticos. Por que não?

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