Justiça 2.0

Os meios eletrônicos desafiam operadores do Direito

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

6 de julho de 2010, 17h07

Estamos em meio a uma verdadeira, notória e quiçá irreversível revolução. Não só o mercado demanda novos profissionais para novas especialidades, como o processo eletrônico exige um conhecimento mais abrangente quanto à utilização das novas tecnologias.

No caso das ciências jurídicas, podemos chamar essa mudança de Justiça 2.0, ou Web Advocacia, tamanha a revolução conceitual e prática. Simboliza a brutal transformação que o Direito vem sofrendo especialmente nos últimos anos.

Na era digital, o bem informático mais valioso é, certamente, a informação. A maneira como manipulá-la e armazená-la, por exemplo. Estamos, portanto, na era da informação, da sociedade do conhecimento, da sociedade em rede. Parece óbvio repetirmos que a informática e a internet estão possibilitando o acesso a todo conhecimento possível e disponível, e o profissional do Direito também deve se valer dessas benesses, sem tropeçar constantemente nos problemas inerentes.

Para contextualizar, a origem do computador se deu com o ábaco, no longínquo 4.000 a.C. Sendo que bem mais tarde foi criado o primeiro computador eletrônico em larga escala, o Eniac, há pouco mais de meio século. De lá pra cá, houve um salto qualitativo e quantitativo.

Mais recentemente estamos acompanhando uma profusão de possibilidades dentro do conceito “computador pessoal”, ou PC, que evoluiu para o notebook, palmtop, handheld, tablet, touchscreen, iphone, blackberry, ipad, memórias cada vez mais compactas e baterias cada vez mais duradouras.

Estamos entregues ao bel prazer das novas tecnologias, do reinado da matemática computacional frente à sagacidade humana e capacidade de se adaptar. Basta dizer que as crianças de hoje em dia já nascem digitando.

O problema é conseguir navegar nesse mar de neologismos e termos estranhos, outros nem tanto: Windows, Linux, Mac. Conexões com fio, sem fio, por satélite, bluetooth, wi-fi, broadband, wi-max, hotspot. Padrões, interoperabilidade, segurança, confiabilidade, disponibilidade. Compatibilidade.

É de se esperar que os advogados venham a ser desafiados constantemente a operar também nesse mundo, junto com os programadores, analistas de sistemas, especialistas em segurança,engenheiros de software e webdesigners. Simplesmente porque o substrato do trabalho do advogado está, cada vez mais, concentrado no formato digital.

Porém, mesmo depois de anos de evolução e estudos, ainda não estamos nem perto do ápice. Só mais recentemente começamos a entender a internet como um veículo de comunicação, interação e compartilhamento como uma invenção fantástica cujos valores basilares, como a neutralidade da rede, devem ser preservados e defendidos. Mas muitos ainda não se deram conta da verdadeira batalha que é travada todo dia na rede.

Que devemos participar e reagir contra regulações que ameacem certas liberdades. Isso pode ser feito inclusive de forma online, com engajamento junto a entidades do gênero, que começam a se fortalecer e outras começam a surgir.

É notável uma certa politização, e discussões se intensificam: segurança versus privacidade, liberdade de expressão versus censura, software livre versus software proprietário, compartilhamento versus restrição de acesso, público versus privado, liberdade versus controle.

Quais novas leis podemos esperar nesse contexto? Devemos simplesmente adaptar nossas leis? Quais novas leis precisam ser criadas? O Direito é afetado constantemente pelas novas tecnologias, porém não devemos esperar novas situações toda vez que uma novidade surgir. Temos que ter bem claros os valores e princípios jurídicos, que devem se prolongar no tempo, e não querer novas leis toda vez que uma nova situação tecnológica surgir desafiando nossa realidade.

Em termos legislativos, temos pelo menos duas importantes iniciativas em andamento: a do marco civil da internet e da modernização da lei autoral. O método de consulta pública, aberta a todos os interessados, revela-se um modelo a ser seguido. E temos ainda as eleições no fim do ano, verdadeira batalha campal também pela internet.

Nesse contexto, não podemos nos esquecer das redes sociais, como o Orkut, tido por alguns como um “vetor de crimes”, o crescente Facebook e o divertido Twitter. E dos já declarados mortos inúmeras vezes, os heróicos blogs que são o símbolo da liberdade da expressão na internet.

Em que pese tudo isso, convenhamos: nem todos os advogados querem militar nessa novel superárea, participando dos debates e adquirindo todas as novidades em termos de gadgets e traquitanas eletrônicas. Alguns têm, e é compreensível, uma aversão à tecnologia, senão fobia.

Contudo, fatalmente, todos os causídicos sem exceção darão de cara, ou já deram, com estes termos típicos da informática jurídica: processo eletrônico, processo judicial eletrônico, processo virtual, e-proc, certificação digital, assinatura digital, entre outros. O que significa mais celeridade e transparência, prometem, mas implica em acostumar a ler na tela do computador longas petições, usar menos papel, manipular senhas e armazenar informações muitas vezes sigilosas.

Os otimistas pelo processo eletrônico são unânimes em dizer que se trata de processo irreversível. Sim, estamos presos entre duas gerações, a com papel e a cada vez mais sem papel. Estamos na era do Processo 1.5, da digitalização e virtualização. E somos todos beta testers dos diversos sistemas de peticionamento, que conforme prevê a lei, devem primar pela padronização e pela utilização de sistemas abertos.

Então, em termos mais realistas, diante de tanta inovação e promessas, é de se esperar que o advogado se locomova com facilidade nesse universo virtual? E para que isso ocorra, o que é necessário?

E, diante da irreversibilidade da realidade tecnológica, temos outra saída? Teremos ao menos a opção de continuar peticionando em papel? Pelo jeito, não por muito tempo. Seremos meros expectadores ou podemos intervir ativamente?

Então, colega jurista, a pergunta que deve ser feita é a seguinte: você já está se preparando para se beneficiar também dos meios eletrônicos? Está preparado para a nova era digital, eletrônica, virtual, cibernética, online? Fica o conselho: é melhor que esteja, para não ficar dependente do técnico de plantão toda vez que um problema informático surgir.

Sugerimos que procure se familiarizar com as tecnologias, procure usufruir das possibilidades, procure entender melhor como os dispositivos computacionais funcionam, para que não chegue o desespero quando, aos 45 minutos do segundo tempo do prazo final, acabe a luz, surja um vírus, o site saia do ar, o computador trave.

Quanto mais pudermos dominar as ferramentas cada vez mais indispensáveis em nossa profissão, quanto mais opções tivermos frente a um desafio, menos seremos ameaçados pelo obsoletismo e mais preparados estaremos para a revolução tecnológica, que segundo consta, não será televisionada — salvo em formato digital, alta definição e 3D. E essa hora já chegou.

Autores

  • Brave

    é advogado, presidente de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI), membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e responsável pelo site Internet Legal (http://www.internetlegal.com.br).

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