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Isenção tributária de escolas de samba viola isonomia

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22 de janeiro de 2010, 12h13

O carnaval é uma festa popular mundialmente conhecida. O evento chegou ao Brasil em meados do século XVII, com suas principais características derivadas dos países europeus, notadamente, França e Itália, onde ocorriam desfiles com carnavalescos, pessoas de máscara e fantasias.

Por volta do século XIX, o Brasil foi pioneiro em desenvolver tal festividade, fazendo com que surgissem os blocos carnavalescos, as marchinhas de carnaval, as escolas de samba, os carros alegóricos, os sambódromos e até mesmo uma Liga Independente para organização do evento, ou seja, uma verdadeira indústria do entretenimento.

Direcionaremos essa abordagem do carnaval às escolas de samba, especificamente, ao principal tributo em que as agremiações carnavalescas estão sujeitas, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, popularmente conhecido como ISSQN ou simplesmente ISS.

Está disposto no artigo 1º da Lei Complementar 116/2003: O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa (…).

Na lista anexa à LC 116/2003, encontramos os seguintes itens: 12 – Serviços de diversões, lazer, entretenimento de bens e pessoas. (…) 12.15 – Desfiles de blocos carnavalescos ou folclóricos, trios elétricos e congêneres.

Fica claro, portanto, que as entidades que promoverem os eventos elencados nesse item deverão pagar o ISS, além de outros tributos que não abordaremos.

Exsurge perguntar: como as escolas de samba irão captar recursos para quitar esse tributo?

Tais agremiações atuam como empresas, têm patrocinadores de peso, recebem doações[1], cobram ingressos de quem desejar ver os ensaios ou visitar a escola, além de mensalidades dos integrantes das entidades carnavalescas e dos malfadados incentivos públicos[2].

Chegamos ao ponto crítico dessa abordagem: as infindáveis facilidades que são concedidas às agremiações carnavalescas com o pretexto de serem entidades sem fins lucrativos, que promovem a cultura.

Isso é incompatível com o sistema econômico e tributário brasileiro.

As escolas de samba são empresas como qualquer outra, e devem arcar com todos os tributos. Conceder privilégios a estas agremiações é uma atitude irresponsável que fere o princípio da isonomia da tributação. Medidas como a que foi adotada pelo governo municipal de São Paulo (nota 2) desmerece outras empresas que têm como objeto social a promoção do entretenimento público, vez que os benefícios dessa anistia/isenção não alcançam todas as empresas do ramo.

É comum que os governantes repassem às escolas de samba recursos públicos que complementem suas receitas, o que, para nós, reitera-se, expressa verdadeiro desrespeito ao princípio da isonomia tributária, expressos no artigo 5º, caput e artigo 150, inciso II, da Constituição Federal.

Não estamos falando de um incentivo como o que concedeu a Lei 123/2006 às microempresas e empresas de pequeno porte, mas de benefícios que se transfiguram em isenções, anistias e repasses de recursos públicos às empresas geridas por pessoas completamente despreparadas, caso das escolas de samba.

Toda lei que isenta alguém ou algum ramo de atividade do pagamento de um tributo, forçosamente, discrimina. A questão reside em saber se essa hipótese discriminatória se utiliza de critérios admissíveis, os quais não levarão ao desrespeito ao princípio da isonomia.

Assim, para nós, os aspectos de discrímem[3] elencados como importantes para a concessão dos benefícios, realmente, não se prestam como relevantes. Na realidade, externa um desperdício de recursos públicos para promoção de uma atividade que deveria ser autossuficiente e independente.

Salvo melhor juízo, esperamos que atitudes que se revestem na concessão de benefícios fiscais às escolas de samba, como a isenção/anistia do pagamento do ISS não se repitam, sob pena de violação ao princípio da isonomia tributária.


[1] Notícia veiculada no site oficial da agremiação de futebol do Esporte Clube Corinthians revelou que a receita com a venda de ingressos do jogo contra o Flamengo, em 29.11.2009, será destinada às escolas de samba ligadas ao clube que terão como tema o centenário do time.

[2] Por meio de lei de autoria do Executivo, os vereadores de São Paulo aprovaram medida que anistiou uma dívida acumulada de R$ 30 milhões, decorrente de débitos de ISS, e isentou as escolas do pagamento do imposto incidente sobre a venda de ingressos do sambódromo, pouco antes do carnaval de 2008, em tramitação recorde na Câmara dos vereadores.

Ademais, os representantes da Liga Independente das Escolas de Samba, em reunião com o Presidente da República, em 09.11.2009, pediram subsídios ao Ministério da Cultura e Turismo destinado ao carnaval Rio de Janeiro.

[3] Palavra bastante utilizada por Celso Antônio Bandeira de Melo em sua obra “Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade” que expressa, grosseiramente em resumo, fatores eleitos como relevantes para efeitos de se estabelecer uma discriminação.

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