Súmula 375

Processo de cobrança judicial corre sérios riscos

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18 de janeiro de 2010, 11h50

A penhora, para aqueles que atuam em execuções fiscais, sempre foi tema controvertido, especialmente tendo em conta as peculiaridades que envolvem a constrição do patrimônio de alguém. Neste cenário, o Superior Tribunal de Justiça fez publicar, em março de 2009, a súmula 375, cujo enunciado aqui se transcreve:

“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

Da sua leitura, extrai-se, forçosamente, pois, que aquela Corte condicionou o reconhecimento da fraude à execução (i) ao prévio registro da penhora no Cartório competente, ou (ii) à prova da má-fé do adquirente do bem.

Contudo, à luz do artigo 185 do Código Tributário Nacional[1], que versa exatamente sobre a caracterização do fenômeno da fraude à execução, referida súmula nos parece, concessa venia, equivocada e alheia à realidade. Vejamos.

De plano, vale aqui também a transcrição dos ditames do CTN:

Artigo 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.(Redação dada pela LCP 118, de 2005)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. (Redação dada pela LCP 118, de 2005)

Da sua leitura, por seu turno, conclui-se que a simples inscrição em dívida ativa já é o suficiente para que eventual posterior alienação seja tida como ineficaz em virtude da fraude ocorrida[2] (desde que o devedor não tenha reservados outros bens para a garantia do débito).

Em resumo: a lei complementar (definidora das normas gerais de direito tributário – artigo 146, III da Constituição Federal) considera que o termo a partir do qual se terá a alienação em fraude à execução é a inscrição em dívida ativa. Já para o STJ, referido termo seria apenas o registro da penhora em cartório.

Assim, o Superior Tribunal de Justiça passou a exigir um ato (registro da penhora) não exigido por lei. Mais que isso: na prática, a súmula acaba por dificultar sobremaneira a atuação das Fazendas Públicas. Ora, como sabido, o registro da penhora pelo Oficial de Justiça demanda tempo[3] (mesmo não havendo exigências por parte do cartório). Ele muitas vezes acaba ocorrendo muitos dias após a diligência de constrição.

Neste hiato de tempo compreendido entre a penhora e o seu registro, não será difícil passarmos a verificar um grande número de alienações. E tais alienações, nos termos da súmula, serão válidas.

Note-se que a dívida[4] está inscrita, a ação já foi distribuída, o devedor citado, e mesmo assim a alienação de seu imóvel (ocorrida, por exemplo, no dia posterior ao da penhora) será considerada válida! Não nos parece ser essa uma hipótese razoável.

Será que não é legítimo, como até antes da súmula se entendia, se exigir do comprador (conceito de homem médio) algumas cautelas mínimas antes da celebração do ato jurídico? A resposta deve ser positiva.

Não é demais exigir do comprador que ele efetue diligências junto às Fazendas Públicas e aos cartórios distribuidores para apurar se há inscrições em dívida ativa ou mesmo ações ajuizadas em face dos vendedores, uma vez que a informação é pública e de fácil acesso (artigo 198, parágrafo 3º, II do CTN).

Destaque-se o antigo entendimento do próprio STJ a respeito[5]:

PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. Redirecionada a execução fiscal contra o sócio-gerente, o débito tributário já está em fase de execução contra este (CTN, art. 185), e, feitas as anotações próprias no setor de distribuição do foro, o fato já se reveste de publicidade, podendo ser conhecido pelas pessoas precavidas que subordinam os negócios de compra e venda de imóveis à apresentação das certidões negativas forenses. Recurso Especial não conhecido.

Providenciar as diligências acima comentadas é o mínimo que se deve esperar do comprador, lembrando que ele não pode alegar ignorância do teor do artigo 185 do CTN, nos termos do artigo 3º da LICC, em que pese o advento da súmula 375.

A súmula, do jeito que posta, afasta os critérios objetivos trazidos em lei (alienação após a inscrição em DAU e inexistência de outros bens que possam garantir a dívida). Tal fato poderá gerar imensa insegurança jurídica, vez que as Fazendas Públicas ficarão de mãos atadas aguardando o rápido registro da penhora (ato que incumbe aos Oficiais de Justiça).

O entendimento do STJ, se aplicável às execuções fiscais, somente faria sentido, em cotejo com o disposto no CTN, se o registro da penhora fosse concomitante ao ato da inscrição, o que hoje se mostra inviável juridicamente.

Em resumo, à luz do disposto na súmula 375, a efetividade[6] do processo de cobrança judicial das Fazendas Públicas corre sérios riscos, sendo de rigor, pois, a revisão da súmula em questão.


[1] Topologicamente colocado entre as chamadas “garantias e privilégios do crédito tributário”.

[2] Restando já ultrapassada a discussão que havia em torno da distribuição da ação executiva e o momento do ato citatório.

[3] Art. 7º, IV e 14 da Lei de Execuções Fiscais (6.830/1980).

[4] Que goza da presunção de certeza e liquidez, nos termos do art. 3º da LEF.

[5] RESP – RECURSO ESPECIAL – 87547; Processo: 199600080992 UF: SP; Segunda Turma; 22/03/99; Documento: STJ000254968

[6] Devendo sempre ser privilegiado o denominado “processo civil de resultados”, nos ensinamentos do Professor Cândido Rangel Dinamarco (Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo I, 4 ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 318).

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