Segredos de família

TJ-SP condena pais acusados de abusar das filhas

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11 de janeiro de 2010, 6h32

Dois casos de pedofilia surpreenderam experientes desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os homens abusaram sexualmente de suas filhas e as engravidaram. Em um dos recursos, o réu tornou-se pai-avô. No outro, a menina abortou aos sete meses de gestação. A corte paulista revisou as apelações e condenou os acusados por estupro e violência presumida.

Na época do julgamento em primeira instância ainda não havia sido regulamentado a Lei 12.015/2009 (que alterou parte do Código Penal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei dos Crimes Hediondos). A nova norma acabou com a figura da vítima de estupro mediante violência presumida, que passou a se chamar “estupro de vulnerável”. De acordo com a redação da nova lei, ocorre o chamado estupro de vulnerável na hipótese da prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso contra menores de 14 anos. Nos dois casos em julgamentos no TJ paulista, as meninas contavam com 13 anos.

O primeiro julgamento tratou de um processo de Pindamonhangaba. A sentença de primeira instância afastou a presunção legal de violência, com o juiz entendendo ser esta relativa e com isso concluindo pela não existência de crime. No julgamento, W. foi absolvido com base nos incisos III e VI (o fato não constituiu infração penal e existiriam circunstâncias que excluíam o crime ou isentavam o réu) do artigo 386 do Código de Processo Penal. Inconformado com a decisão de primeira instância, o Ministério Público se debateu pela condenação junto ao Tribunal de Justiça.

O caso ficou sob a relatoria do desembargador Ericson Maranho, da 6ª Câmara Criminal. A turma julgadora entendeu que a confissão policial encontrou apoio na prova produzida sob o crivo do contraditório e que por conta disso merecia crédito. Para os julgadores, a prova tem valor não pelo lugar em que foi prestada, mas pela força de convicção e da harmonia que guardou com restante dos fatos e circunstâncias apresentadas.

“A vítima ofereceu detalhes sobre as relações sexuais mantidas com seu genitor, estando, na ocasião, grávida de três meses”, afirmou o relator. “Em juízo, procurando ajuda-lo, negou as relações sexuais, confirmando, no entanto, ter dormido sob o mesmo teto que ele nos meses de dezembro e janeiro”, completou do desembargador.

D., a mãe da vítima, contou que tanto sua filha como o ex-marido confirmaram terem mantido relações sexuais e ambos salientaram que foi por vontade da garota. Tempos depois ficou sabendo que a filha estava grávida e que após alguma relutância esta confirmou que o pai da criança era o seu genitor. De acordo com a mãe o aborto foi natural, aos sete meses de gestação, e a vítima foi atendida num hospital da cidade.

O Tribunal de Justiça entendeu de forma oposta ao do juiz de primeiro grau. Para os desembargadores da 6ª Câmara Criminal, não havia razão para a sentença do juiz. Segundo a turma julgadora, a vítima não possuia condições psicológicas para dar seu consentimento para o ato.

“Embora seja certo que alguns adolescentes, com essa idade [13 anos], já tenham maturidade sexual, na verdade não ocorre o mesmo com o desenvolvimento psicológico”, ponderou Ericson Maranho. “Assim, o fundamento do dispositivo é a circunstância de que o menor de 14 anos não pode validamente consentir pelo desconhecimento desses atos sexuais e de suas consequências”, argumentou.

Ao analisar a presunção de violência quando a vítima do abuso sexual é menor de 14 anos comparou com a regra que faz do menor de 18 anos como inimputável. “Assim como não vale alegar que o menor de 18 já alcançou a plenitude de suas faculdades mentais, para fazer dele um imputável, também não colhe alegar-se que a vítima menor de 14 anos já não era ingênua, para excluí-la da proteção legal.”

A turma julgadora acolheu o pedido do Ministério Público e aplicou a pena nos termos da redação anterior do Código Penal. Ainda aplicou a regra do crime continuado por conta dos delitos terem sido cometidos em circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução que podem ser considerados como unidade jurídica. E, por fim, condenou o réu a pena de 14 anos, seis meses e 29 dias de reclusão e mandou expedir mandado de prisão.

A defesa recorreu da decisão. A presidência da Seção Criminal do Tribunal de Justiça admitiu a subida de recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça. O caso foi distribuído à ministra Maria Thereza de Assis Moura, da 6ª Turma.

Pai avô
O outro caso que abalou desembargadores do Tribunal de Justiça aconteceu entre janeiro e fevereiro de 1996, no município de Francisco Morato, na Grande São Paulo. O julgamento do recurso chegou à corte paulista com um atraso de mais de uma década. A vítima A. tinha 11 anos e era virgem quando manteve a primeira relação sexual com seu pai, E.. Depois vieram outras. Por conta dessas relações, A. engravidou e, no dia 18 de outubro de 1996, deu à luz a P., uma menina, hoje com 13 anos. O réu nega que seja o pai e avô da menina.

E. foi condenado em primeiro grau a uma pena de 10 anos de reclusão em regime integral fechado. O acusado teve a prisão preventiva decretada em setembro de 2002. A sentença condenatória, expedida pela 1ª Vara de Francisco Morado, foi de março de 2004. Em outubro de 2008 o réu foi solto. Antes da soltura, inconformado com a condenação apelou ao Tribunal de Justiça paulista buscando absolvição com o fundamento de insuficiência de provas e atipicidade de conduta. O recurso caiu na 9ª Câmara Criminal, mas só foi julgado um ano depois que E. já estava solto.

A garota contou em depoimento à Justiça que aos 11 anos foi violentada pelo pai. Disse que E. a ameaçava com um revólver e que mataria a família inteira se ela não cedesse a sua vontade. O réu era casado com M. e esta contou que jamais desconfiou da relação entre pai e filha. Afirmou que não percebeu que a filha estava grávida e imaginou que as transformações no corpo da menina eram decorrentes da idade. Disse que depois que a filha deu à luz expulsou o marido de casa.

O exame de DNA realizado pelo Instituto de Medicina Social e Criminologia de São Paulo (Imesc) prejudicou a negativa sustentada pelo acusado. A perícia concluiu que o réu não poderia ser excluído como o pai biológico da criança P., uma vez que a probabilidade de paternidade foi de 99,99%.

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