Análise crítica

É preciso revisar prazo de recolhimento de tributos

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5 de janeiro de 2010, 13h58

É assente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que a alteração do prazo de vencimento dos tributos pode se dar por norma infralegal. Podemos citar a respeito os seguintes precedentes exemplificativamente: no STJ o Recurso Especial 55.207 e o 55.537; no STF, a quem incumbiu dar a última palavra acerca dessa discussão, o Recurso Extraordinário 203.684, 173.294, 140.669 e 195.218.

A pergunta colocada nos casos concretos apreciados por ambos os Tribunais Superiores foi: o prazo de recolhimento (data de vencimento) de tributo é elemento da norma que institui o tributo? A resposta foi negativa por terem concluído, aquelas cortes, que não é necessária lei para tratar desse assunto. Essa dedução é autorizada, uma vez que na relação jurídica entre Fisco e Contribuinte impera o princípio da estrita legalidade, segundo o qual os critérios mínimos da regra de tributação devem ser introduzidos no ordenamento jurídico por meio do instrumento normativo lei em sentido estrito (produzida pelo Poder Legislativo). Ao manifestarem-se pela possibilidade de o prazo de vencimento ser veiculado em ato normativo infralegal tiveram que partir da premissa de que esse elemento não é essencial na composição da regra de incidência tributária.

A ideia desse trabalho surgiu da intenção de analisar criticamente essa orientação firmada nos referidos tribunais superiores, especialmente um julgado do STJ, resolvendo-a com o instrumental da regra-matriz de incidência tributária proposto pelo professor Paulo de Barros Carvalho.

Bem, a questão sobre a possibilidade de alteração, por ato infralegal, da data do vencimento para recolhimento do tributo se deu em período de inflação galopante, sustentando os contribuintes que essa (i) modificação implicava uma majoração indireta do tributo, bem como (ii) a necessidade de esse elemento (vencimento) ser veiculado por meio de Lei, em sentido formal, por ser compositivo da regra-matriz de incidência tributária. Mantendo-se o tema atual com a chegada crise, ocasião em que o prazo de alguns tributos arrecadados pela Receita Federal do Brasil foi alterado por Medida Provisória, instrumento normativo equiparado a Lei em sentido formal.

O contribuinte afirmava a impossibilidade de o prazo de vencimento ser alterado por instrumento infralegal sustentando a violação dos seguintes dispositivos normativos:

Artigo 97, II do CTN

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;”

Artigo 150, I da CF de 1988

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

Como mencionado, tanto na orientação do STJ, como na do STF, restou fixada posição de que a alteração da data do vencimento dos tributos não precisa ser promovida por meio de Lei, sendo suficiente um ato infralegal para tanto (um Decreto, por exemplo). Esse entendimento fundou-se basicamente nos seguintes argumentos:

O artigo 97 do CTN relaciona taxativamente as matérias submetidas a reserva legal, não fazendo menção à data de vencimento; e

A fixação do prazo de recolhimento do tributo não afeta o seu fato gerador, a sua base de cálculo ou a alíquota aplicável, de modo que não há necessidade de Lei para dispor a esse respeito.

Nos acórdãos do STF são identificados votos-vencidos dos ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence manifestando-se pela ilegalidade das disposições infralegais que tratam do prazo de vencimento de tributos. Segundo eles, o tempo do cumprimento da obrigação tributária é matéria reservada a lei em sentido formal, justamente porque trata de obrigação tributária.

Para o regular desenvolvimento do raciocínio desse trabalho é preciso fixar algumas premissas.

Dentre essas premissas está aquela da qual necessariamente temos que partir: a norma jurídica, em sentido estrito, conforma-se em um juízo hipotético-condicional, estruturada bipolarmente em um antecedente e um consequente. No antecedente está descrito um evento do mundo fenomênico (social) de possível ocorrência e no consequente a relação jurídica que irá se instaurar se aquele fato social descrito na hipótese vier a se consumar e for vertido na linguagem que o direito positivo reconhece como competente para constituí-lo como fato jurídico.

Bem, a norma jurídica que trata da configuração do tributo, ou regra-matriz de incidência tributária, descreve em seu antecedente um ato, um estado ou um fato da vida de cunho econômico que, se ocorrido concretamente, ensejará a instauração da relação jurídica entre o sujeito passivo e o Fisco, identificada no consequente dessa norma. Na regra-matriz de incidência tributária, consoante preleciona Paulo de Barros Carvalho, são identificados os seguintes critérios: o material, o espacial, o temporal, o pessoal e o quantitativo (outra premissa).

O critério material da regra-matriz descreve abstratamente a situação de fato ou estado de fato de cunho econômico (evento) que implicará o cabimento da aplicação, pelo ente competente, dessa norma e a produção de seu efeito jurídico-tributário que é a instauração do vínculo entre sujeito ativo e passivo “alocado” no que denominamos de obrigação tributária.

O critério espacial, por sua vez, aponta o local em que o evento do mundo fenomênico deve ocorrer para ensejar a constituição do fato jurídico tributário (linguagem que constitui o fato e descreve o evento). Já o critério temporal identifica o momento da ocorrência do evento, hábil para que o sujeito ativo possa reputar-se imbuído do direito subjetivo de exigir a prestação tributária. No critério pessoal podem ser distinguidos os sujeitos da relação, aquele a quem incumbe adimplir a prestação tributária, o sujeito passivo, e aquele dotado do direito subjetivo de exigi-la, denominado sujeito ativo. Por fim, no critério quantitativo encontram-se conjugadas a base de cálculo e a alíquota que terão o condão de dimensionar o fato jurídico tributário delimitando o quantum de tributo deverá ser suportado pelo sujeito passivo.

Reputando-se o vencimento do tributo como elemento essencial da regra-matriz ao fixar o instante até o qual o seu adimplemento deve ser promovido, instaura-se o nó górdio dessa discussão.

Como mencionado, obrigação tributária é elemento identificado no consequente da regra-matriz de incidência tributária que compreende o vínculo abstrato que se instaura entre os sujeitos que compõem essa relação jurídica de cunho patrimonial que é a tributária, em que a um deles (sujeito passivo) é acometido o dever de cumprir o objeto (a prestação tributária) e ao outro o direito subjetivo de vê-la cumprida (sujeito ativo).

Se afirmarmos que o prazo de vencimento do tributo é elemento que compõe a obrigação tributária, fazendo parte, portanto, desse vínculo porque delimita até que momento o dever de um dos sujeitos deve ser cumprido, bem como a partir de que instante o direito subjetivo do outro poderá ser exercido (pretensão) em função do descumprimento do dever jurídico contraposto, somos forçados a concluir que, por força do princípio da estrita legalidade previsto no artigo 150, I da Constituição Federal de 1988 (“Artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”) é inválida qualquer disposição infralegal que fixe o prazo de vencimento de tributos.

Por sua vez, entender em sentido contrário, ou seja, no sentido de que o vencimento do tributo não é elemento da obrigação tributária, autoriza a conclusão de que instrumento normativo que não seja Lei em sentido estrito é hábil para estatuir data do vencimento das diversas espécies tributárias.

A atenção para o tema foi despertada, tendo em vista a existência de precedente do STJ que, muito embora tenha concluído, assim como todos os demais julgados, que o prazo de vencimento não é matéria de Lei em sentido estrito, afirma textualmente que o vencimento é elemento da obrigação tributária. Trata-se do Recurso Especial 87.828/SP:

“TRIBUTARIO. ICMS. ANTECIPAÇÃO DO PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. LEI ESTADUAL.

1 – NÃO HA QUALQUER ILEGALIDADE NO ATO LEGISLATIVO ESTADUAL QUE ANTECIPA A DATA DO PAGAMENTO DO ICMS.

2 – A FIXAÇÃO DE PRAZO PARA SOLVER OBRIGAÇÃO TRIBUTARIA NÃO E MATERIA RESERVADA A LEI. NÃO ESTA, ASSIM, CARACTERIZADA QUALQUER VINCULAÇÃO AO PRINCIPIO DA LEGALIDADE TRIBUTARIA.

3 – O PRAZO PARA PAGAMENTO DO TRIBUTO É UM DOS ELEMENTOS COMPONENTES DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA.

4 – RECURSO IMPROVIDO.” (j. 27/05/1996, DJ 17/06/1996)

Ora, constata-se uma contradição neste julgado, pois, jamais poderia afirmar que o prazo de pagamento é elemento componente da obrigação tributária e, ao mesmo tempo, concluir que para sua fixação não é preciso de Lei.

Isto porque, consoante as premissas desenvolvidas acima, a obrigação tributária é um dos elementos essenciais da regra-matriz de incidência tributária e por força do art. 150, I da Constituição Federal de 1988 deve ser instituída exclusivamente por Lei, de modo que a única conclusão possível seria a de que ato normativo infralegal não é instrumento hábil para fixar o prazo de pagamento do tributo. Trata-se de um silogismo lógico:

Premissa maior: Toda obrigação tributária deve ser veiculada por Lei;

Premissa menor: O prazo para pagamento do tributo é um dos elementos da obrigação tributária;

Conclusão: Logo, o prazo para pagamento do tributo deve ser veiculado por Lei.

Assim, concluímos que merecem ser revisitadas as premissas abordadas nos julgados dos Tribunais Superiores acerca da conclusão de que o prazo de recolhimento do tributo pode ser fixado por ato normativo infralegal, a fim de manter-se intacta a coerência do raciocínio.

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