Cade 2010

Decisão envolvendo bancos é maior questão de 2010

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4 de janeiro de 2010, 10h13

O presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Arthur Badin, comenta em entrevista ao jornal DCI, a urgência da aprovação do Projeto de Lei que deve viabilizar a reforma do órgão e os principais desafios e fusões previstos para 2010. Entre as maiores preocupações de Badin está o julgamento que definirá se é do Cade ou do Banco Central a competência para apreciar a aquisição de um banco.

O presidente também faz um balanço da atuação do Cade nos últimos anos e informa que 87% das decisões do órgão questionadas judicialmente foram mantidas em sentença pelo Poder Judiciário. Segundo Badin, as discussões mais importantes de 2010 envolvem fusões das empresas Sadia e Perdigão, Oi e Brasil Telecom, TVA e Telefônica, Grupo Pão de Açúcar e o Ponto Frio.

Leia a entrevista:

O senhor completou um ano como presidente do Cade. Algo mudou desde quando assumiu o cargo? E o que o senhor considera como ponto forte da sua gestão?
Minha gestão esteve e está focada em alguns pilares fundamentais. O primeiro é a reforma institucional do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, mediante a aprovação do Projeto de Lei na Câmara 06/09. Com a aprovação, haverá a unificação das estruturas e funções dos três órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) em um só, eliminando sobreposições e redundâncias; a ampliação dos quadros técnicos; a instituição da análise prévia de atos de concentração, com prazos fixos e céleres para decisão final e o aprimoramento e racionalização dos procedimentos administrativos. O segundo pilar é enfocado no aumento da eficácia da política de defesa da concorrência no Brasil. Nesse sentido, implementamos e regulamentamos os instrumentos de solução alternativa e negociada de processos administrativos e judiciais (os chamados TCC), tendo sido firmado em 2009 o acordo que envolveu o pagamento da maior multa da história, no valor de R$ 100 milhões.

A crise econômica provocou muitas fusões ao redor do mundo. Como isso se refletiu no mercado brasileiro?
A crise econômica não pode ser usada como pretexto para se afastarem as leis de defesa da concorrência no Brasil e no mundo, mas pode ser que em algumas situações o ganho de escala mediante grandes fusões se justifique. Em 2007, por exemplo, o Cade aprovou a criação de um duopólio da segunda geração da indústria petroquímica nacional, reconhecendo que o mercado cada vez mais internacional justificava a redução dos players, sem necessariamente comprometer o consumidor brasileiro. Este é o desafio dos novos tempos: balancear os ganhos competitivos da indústria nacional no mercado internacional sem diminuir a concorrência no mercado interno, o que leva, no longo prazo, a preços maiores e, consequentemente, redução do emprego, da renda e do crescimento econômico.

Há queixas da demora do Cade em se posicionar sobre as fusões e aquisições?
Só tenho recebido elogios a respeito das iniciativas adotadas em 2009 para racionalização dos trâmites processuais, com vistas à eliminação de redundâncias e redução do prazo de análise. Fizemos ajustes em harmonia com os demais órgãos do SBDC que vêm proporcionando maior agilização dos trâmites processuais. A reclamação que se faz é no tempo de investigações na Secretaria de Direito Econômico nos casos de elevada complexidade. Isso se deve à evidente desproporção entre trabalho e capital humano naquele órgão: apenas 17 técnicos são responsáveis pela investigação de cartéis e outros ilícitos contra a ordem econômica no Brasil inteiro. Para se ter uma ideia da insuficiência desses recursos, basta mencionar que uma operação de busca e apreensão envolve pelo menos 12 técnicos, desfalcando mais de 70% da força de trabalho. Acredito que a única forma de resolver esse problema é a aprovação do PLC 06/09.

Por que há demora na definição sobre a competência da fusão de bancos?
O Superior Tribunal de Justiça iniciou em setembro o julgamento da questão. Atualmente apenas três, dos sete ministros que compõem a sessão, proferiram voto. O julgamento foi suspenso em razão de pedido de vista do ministro Herman Benjamin. A palavra final é sempre do Poder Judiciário.

Essa briga interfere no futuro das agências reguladoras?
O que está em jogo é o modelo de organização dos mercados regulados através de agências reguladoras técnicas e independentes. A lei confere a essas entidades independência decisória, garantida pela irrevisibilidade de suas decisões no âmbito do Poder Executivo e a existência de mandato a seus membros. Se o STJ disser que o presidente da República pode eliminar ou determinar se e como as agências reguladoras deverão decidir, acabou-se a independência decisória. Não me parece ter sido essa a vontade do Congresso Nacional. É importante discernir entre políticas de Estado e de governo. Essa visão de que toda a administração pública não passa de mera desconcentração dos poderes do presidente da República, que a qualquer tempo pode avocá-los, é do século XIX e não mais se coaduna com as complexidades do Estado contemporâneo, no Brasil e no mundo.

Se for definido que a competência é do Banco Central, o Cade pode perder sua força?
Melhor um fim horroroso do que um horror sem fim. A indefinição gera incerteza jurídica para os administrados e imobiliza a administração pública. O Cade hoje é responsável por proferir decisões em casos complexos que envolvem instituições financeiras, sem contudo dispor dos estudos dos órgãos técnicos competentes, cujas mãos estão amarradas. Ou seja, temos nas mãos o abacaxi, mas não a faca para descascá-lo. O ministro Guido Mantega disse que a concorrência no mercado financeiro é incipiente e insatisfatória. Esta é grande a contribuição desse imbróglio jurídico para o País.

A decisão do Cade de condenar a AmBev por conduta anticoncorrencial (e pagar multa de R$ 352 milhões) representa amadurecimento do órgão antitruste? Como o senhor avalia a receptividade do mercado com essa decisão?
O ex-governador de São Paulo e professor Cláudio Lembo, em artigo publicado em 27 de julho de 2009, dá conta da receptividade da decisão na sociedade, ao dizer que "é alvissareira a decisão do Cade. Indica que uma nova era está surgindo. Os interesses empresariais de todos merecem proteção. Não só aos grandes conglomerados é permitido agir. A todos deve ser assegurado espaço".

E o acordo com empresas envolvidas com o cartel? Como o mercado recepciona isso, na sua opinião? Existem casos em estudos depois do que envolveu o acordo com a Whirpool?
A Whirpool assinou um acordo com o Cade no valor de R$ 100 milhões. A empresa era suspeita de participar de um cartel no setor de fabricantes de compressores de refrigeração, mas antes de receber qualquer punição resolveu fechar o acordo como forma de colaboração com as investigações. Com isso, a empresa conseguiu sair da lista de suspeitos do Cade e não será investigada pela SDE. O valor negociado pela companhia é o maior já oferecido por uma empresa acusada de cartel. Oito funcionários da Whirpool também participaram da negociação e se comprometeram a pagar R$ 3 milhões para verem os seus nomes fora da lista dos investigados. Antes dessa negociação, o maior acordo feito pelo Cade e uma empresa suspeita de prática anticoncorrenciais havia sido realizado com a fabricante de cimentos Lafarge, que pagou a quantia de R$ 40 milhões para se ver livre de um processo no ano de 2007. Outras empresas também estão sendo investigadas pelo Cade sob a acusação de colaborarem para a formação de um cartel no segmento de refrigeração. São elas: Danfoss Tecumseh, ACC e Panasonic.

O caso Nestlé/Garoto é uma pedra no sapato para a independência do Cade?
Muito pelo contrário. A decisão do Cade no caso Nestlé/Garoto é um marco na história da defesa da concorrência no Brasil. Representou passo importante no sentido do fortalecimento técnico e institucional da autoridade antitruste brasileira. O fortalecimento técnico é revelado pela profunda e sofisticada análise realizada pelo Cade, depois de um processo administrativo com mais de 70 volumes e 10 mil páginas, fruto do trabalho de dezenas de técnicos. A decisão do Cade foi aclamada por todos os especialistas da área pelo primor da técnica empregada: basta ler o voto do Conselheiro Relator Thompson Andrade para constatar o elevado grau de sofisticação alcançado. Por outro lado, a decisão demonstrou que o Cade e seus conselheiros, mesmo sofrendo toda a sorte de pressão política, foram capazes de manter sua imparcialidade e independência, atributos indispensáveis para uma instituição consagrada à garantia dos interesses difusos e coletivos.

Comentando a compra da Garoto, James Amoroso, analista econômico do banco suíço Helvea e por duas vezes considerado "o melhor analista europeu sobre a Nestlé", ponderou que a "Nestlé jamais teria se arriscado a idêntico tipo de compra na Europa e nos Estados Unidos quando já tinha 26% do mercado. Ela acreditou que seu peso no Brasil podia fazer as coisas serem diferentes". Ora, o "peso" da Nestlé no Brasil não a coloca acima ou além do alcance da lei e dos interesses da sociedade brasileira.

Das decisões do Cade contestadas pelas empresas, quantas são aprovadas pela Justiça?
Estudo de 2007 mostra que 87% das decisões do Cade questionadas judicialmente são mantidas em sentença pelo Poder Judiciário. O problema é a prodigalidade da concessão de liminares no início do processo, sem qualquer análise da verossimilhança das alegações. O juiz suspende liminarmente a decisão para poder analisar os argumentos com calma depois. O problema é que o Poder Judiciário demora em média 14 anos, segundo o Conselho Nacional de Justiça, a proferir a decisão final. A demora da implementação de uma decisão do Cade pode gerar danos irreversíveis ao mercado e aos consumidores, extraindo-lhe completamente a eficácia.

Houve aumento das aprovações de fusão e aquisição em 2009? Qual é a expectativa para 2010?
Em 2008, até o mês de outubro, o Cade havia julgado 538 Atos de Concentração; 468 foram aprovados sem restrições, 48 foram aprovados com restrições e um foi reprovado. Outros 12 casos não foram conhecidos e em nove casos houve desistência. Já em 2009, até outubro, foram julgados 400 AC: 364 aprovados sem restrições, 19 com restrições e um reprovado. Foram 11 os casos não conhecidos e em cinco casos houve desistência. O Cade rejeitou a operação Hospital de Santa Maria/Unimed. As duas empresas dividiam os mercados de serviço hospitalar e o de plano de saúde em Santa Maria. Em 2009, elas entabularam uma operação segundo a qual cada uma delas dominaria integralmente um dos mercados. O Cade rejeitou a operação integralmente.

Na sua história o Cade havia rejeitado integralmente apenas três outras operações: Gerdau/Pains, Nestlé/Garoto e Owens Corning/Saint Gobain. Os casos DGB/Chinaglia e Mate Leão/Coca-Cola se destacam pela sofisticação e excelência dos resultados alcançados. Ambos os casos se inscreverão na história da defesa da concorrência do Brasil como paradigmas de remédios estruturais e comportamentais impostos pelo Cade para adequar operações de fusãoe aquisição à lei de defesa da concorrência. Em 2010 deverão ser julgados Oi/BrT, Itaú/Unibanco, BB/NCNB, Sadia/Perdigão, Pão de Açúcar/Ponto Frio, Sanofi-Aventis/Medley, TVA/Telefonica, Telefônica/Telecom Italia e o também Mercado de Carne para exportação.

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