RETROSPECTIVA 2009

Ano termina com carga tributária alta e sem reforma

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2 de janeiro de 2010, 3h09

Este texto sobre Política Fiscal faz parte da Retrospectiva 2009, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

Fazer uma retrospectiva na área tributária é quase impossível, pois o que aconteceu neste ato é mera repetição do que vem ocorrendo há muitos anos: excesso de tributos e exagero de normas fiscais, enquanto os direitos do contribuinte vão se extinguindo paulatinamente, sob a cantilena de que a sonegação cresce, a fraude floresce, a ganância de quem trabalha e produz é imensa.

O ano de 2009 termina sem que o Congresso tenha promovido a reforma tributária que o presidente da República anunciou há tempos como sendo uma “questão de honra” para seu governo. Pior: Lula declarou recentemente que não pretende patrocinar uma redução de impostos, pois é necessário que o governo seja forte.

Neste ano, tivemos várias demonstrações de que União, estados e municípios tudo fizeram e farão para tornar a vida dos contribuintes mais complicada. Há quem diga que os contribuintes estão sendo “promovidos” a escravos. Vejamos os principais pontos que merecem destaque neste ano que está terminando.

O grande irmão
Aos poucos vem se instalando uma série de mecanismos que rompem com qualquer possibilidade de privacidade quando isto se relaciona com a vida econômica e fiscal do contribuinte. Foram criados diversos instrumentos, tanto no âmbito federal quanto estadual e municipal, destinados a cruzar informações tributárias que acabam por limitar e ainda poderão eliminar de vez a garantia do artigo 5º, inciso X, da Constituição. Tal é o caso das informações que administradoras de cartões de crédito enviam ao fisco e, mais recentemente, a que obriga os planos de saúde a informar os valores pagos pelas pessoas físicas. A continuar nesse ritmo, pode-se no futuro pretender que os médicos informem o que receberam de seus pacientes. O sigilo bancário, ao que tudo indica, está em fase de extinção.

É dando que se recebe
Uma das mais relevantes medidas adotadas em 2009 pelo Congresso foi a aprovação da Lei 11.941, que possibilitou o parcelamento de débitos tributários em até 180 meses, com redução de acréscimos. Na verdade, essa anistia parcial acrescida de moratória criou condições para que muitos contribuintes inadimplentes se regularizassem. Em muitos casos, os contribuintes estavam discutindo os débitos por entender que seus direitos não estavam sendo respeitados. Com a Lei 11.941, muitos desses contribuintes desistiram das discussões. Assim, o ingresso de recursos para os cofres públicos se tornou mais factível, ainda que a longo prazo. Com a situação regularizada, muitos desses contribuintes poderão obter certidões negativas ou positivas com efeito de negativas, abrindo-se-lhes possibilidades de participar de concorrências e incentivando-se a realização de novos investimentos.

Cobrando menos para receber mais
Vários segmentos da indústria tiveram seus produtos beneficiados por redução do IPI , cuja alíquota em alguns casos foi reduzida a zero. Isso aconteceu com a indústria automotiva, os móveis, materiais de construção, etc.. O objetivo declarado foi incentivar o consumo, proteger os empregos e reduzir os efeitos da crise financeira internacional. O fato de que 47% do IPI devem ser repassados pela União aos estados e municípios (CF, art. 159) não provocou qualquer queixa por parte de governadores e prefeitos, o que pode explicar muita coisa. A posição do IPI no quadro geral da arrecadação federal vem se tornando cada vez menos importante. Trata-se de um imposto que jamais deveria ter sido criado, pois onera o consumo, que já sofre o ônus do ICMS. Numa reforma tributária digna desse nome, o IPI deverá simplesmente ser extinto. A redução temporária do imposto estimula o consumo e assim geram-se novos tributos. Reduzir impostos costuma aumentar a arrecadação ainda que de forma indireta.

Tsunami normativo
A absurda quantidade de leis, decretos, portarias, instruções, etc., que os contribuintes devem observar transformou em verdadeiro inferno o cotidiano de contribuintes, especialmente dos funcionários encarregados da contabilidade e da escrituração fiscal. Para que se tenha uma ideia desse verdadeiro tsunami de normas, basta dizer que só a Receita Federal baixou mais de mil normas neste ano, inclusive as Instruções Normativas, Portarias, etc.. Em São Paulo, município e estado também fizeram engrossar o fenômeno, ainda que em doses menores. Já está na hora de se procurar um mínimo de segurança jurídica para o contribuinte, reduzindo a quantidade de normas a que ele deva se sujeitar.

Imposto de Renda
As pessoas físicas, especialmente os assalariados, continuam sofrendo confisco, em consequência da não correção da tabela de incidência. O limite de isenção de pouco menos de R$ 1,5 mil deveria estar na faixa de R$ 3 mil. Com isso, um trabalhador que ganhe R$ 3 mil paga anualmente cerca de R$ 1 mil além do que deveria. Aquele que recebe R$ 5 mil terá uma perda anual de cerca de R$ 3 mil. Essas diferenças, se permanecessem em poder dos trabalhadores em lugar de se transformar em imposto, certamente seriam utilizadas no consumo, podendo gerar um saudável crescimento da economia. Também precisam ser reajustados os valores relacionados com educação e dependentes. A tabela atual é ridícula e desonesta ao pretender que menos de R$ 200 por mês sejam suficientes para educar ou alimentar uma pessoa. Além disso, ao não atualizar os valores da tabela, o Fisco aumenta o numero de pessoas que devem receber restituição. Não a devolvendo com a rapidez necessária, cria-se verdadeiro empréstimo compulsório, que a lei não autoriza. Milhares de pessoas aguardam a restituição do que não deveriam ter pago, algumas há mais de um ano. Trata-se de prejuízo para os contribuintes e para a sociedade, pois as restituições são acrescidas da taxa Selic.

Sem reforma
Embora a necessidade de uma verdadeira reforma tributária seja a mais unânime de todas as unanimidades nacionais, o Congresso parece preocupar-se apenas com a distribuição de verbas, a criação de cargos e outras futilidades proveitosas, enquanto o Executivo cuida do marketing. A carga tributária está insuportável e impede o crescimento de que o país necessita. Portanto, alguns tributos devem ser eliminados ou reduzidos. Já não tem sentido, por exemplo, a existência do IPI, um tributo praticamente igual ao ICMS. A extinção do IPI além de aliviar o setor produtivo, reduziria a burocracia e a perda de sua arrecadação seria compensada com o aumento no Imposto de Renda e nas demais receitas da União e dos estados. De igual forma, o IPVA também deve acabar, por não possuir nenhuma função, já que os combustíveis estão arrecadando o que é preciso. Finalmente, nenhum país pode crescer sem que haja uma estabilidade razoável nas regras fiscais. Ninguém se dispõe a investir , a médio e longo prazo, num lugar em que não se sabe hoje o imposto que se deve pagar amanhã cedo.

Conclusão
Em matéria de tributação, temos uma carga tributária abominável aliada a uma burocracia execrável. Segurança jurídica nesse campo não existe, pois em assuntos tributários neste país até o passado é imprevisível. Tudo isso se agrava mais ainda com a inexistência de retorno, em serviços como justiça, segurança, saúde e educação, que são, afinal de contas, as únicas coisas que justificam os impostos e o próprio Estado.

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