Cerco ao Judiciário

Pretexto é usado para restringir acesso à Justiça

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26 de fevereiro de 2010, 14h39

Presente na maioria dos países, a inafastabilidade do controle jurisdicional consta do artigo 5º da Constituição brasileira: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O acesso à Justiça pressupõe que as questões que lhe forem submetidas sejam livremente apreciadas. Do contrário, na melhor das hipóteses o cidadão hesitaria em bater-lhe às portas, ou, na pior delas, iria procurar fazê-la pelas próprias mãos.

Apesar de simples e formidável, o princípio vem levando chumbo grosso de tudo quanto é lado.

Do palácio do Planalto surgiu a proposta de dificultar que cheguem à Justiça processos decorrentes de invasões de terras, proibindo-se que a vítima a procure para expulsar o invasor sem antes ouvir um “Conselho” no qual se estampará, como de hábito, o rótulo de “representativo do arco da sociedade”.

O pretexto é a “insegurança jurídica” que o vai-e-vem de liminares pode gerar entre os envolvidos nessas disputas, como se a alternativa à essa natural divergência não fosse a aberrante proibição da revisão das decisões judiciais. A propósito, se aspiramos à uma segurança jurídica total é útil prever que a sentença (ou parecer?) dos “senhores conselheiros” seja insuscetível de reforma.

Já da cabeça de um de nossos mais brilhantes economistas, professor Gustavo Franco, veio a idéia de que “levar as políticas públicas para o Judiciário, buscando identificar nelas algum ângulo geralmente fictício de ‘irregularidade’, é questionar as escolhas do eleitor, levando o resultado das urnas para o ‘tapetão’ e criando insegurança jurídica.”(Veja, 1°/9/2004). Assim, o cidadão que se insurgir contra um “pacotão” que bloqueie sua conta corrente, estará investindo contra a vontade soberana das urnas que pôs o empacotador no poder, além de incitando insegurança jurídica. Cria-se a figura do jurisdicionado subversivo, do litigante incendiário.

Ora, a Constituição fala tout court em lesão (ou ameaça de lesão), sendo absolutamente irrelevante que essa resulte da execução de políticas públicas, ou de uma infração de trânsito, ou de uma invasão do MST. Vale a máxima: onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo.

Em meio a tão insólitas manifestações, soma-se a que, por sua origem, se faz a mais surpreendente. A da imprensa. Em editorial de 21/5/2009, o jornal O Estado de São Paulo declarou que a supressão da Lei de Imprensa “dissemina insegurança (olha ela aí de novo!) entre os órgãos de comunicação e no próprio Judiciário, onde tramitam milhares de ações contra jornais e jornalistas”, e segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), para eliminar essa “insegurança” nada melhor do que normas que “imponham limites claros em relação às penalizações financeiras” contra as empresas jornalísticas, que “correm o risco de pagar vultosas quantias, como resultado de ações judiciais por danos morais”.

Um risco que, de resto, correm todas as pessoas físicas e jurídicas, digamos, comuns.

Impor aos juízes uma espécie de tablita indenizatória é ignorar que não há sistema métrico capaz de aferição do dano moral, que deve ser deixado ao livre arbítrio dos tribunais, pois como obviado pelo excelentíssimo ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, a mensuração “depende muito do caso concreto e da sensibilidade do julgador.”. Perfeito: assim como deve depender somente do bom senso da imprensa a publicação de tal ou qual texto jornalístico.

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