Dados sigilosos

CPI estadual e o uso do Mandado de Segurança

Autor

  • Bruno Barata Magalhães

    é advogado consultor em Direito Administrativo e Eleitoral membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

21 de fevereiro de 2010, 7h23

As Comissões Parlamentares de Inquérito, no âmbito das Assembleias Legislativas, são instaladas com os mesmos objetivos que as referidas Comissões no Congresso Nacional. A Constituição Federal, no artigo 58, parágrafo 3º, prevê a criação de CPIs pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, sejam elas separadas ou mistas.

A Lei federal 1.579/52, publicada durante o Segundo Governo Vargas e em vigor até a presente data, regulamenta as Comissões Parlamentares de Inquérito. Nesse diploma, também há apenas a previsão de CPIs no âmbito do Congresso Nacional.

As Comissões Parlamentares de Inquérito estaduais, por sua vez, possuem previsão legal nas Constituições das respectivas unidades federativas.

A falta de uma legislação federal que, ao mínimo, estabeleça regras para a criação de CPIs no âmbito dos Estados gera alguns equívocos. No que se refere à quebra de sigilo bancário, por exemplo, a Lei Complementar 105/01, o parágrafo 1º do artigo 3º, garante o fornecimento de dados bancários sigilosos a “comissão de inquérito administrativo”, porém mediante prévia autorização judicial.

Entretanto, o artigo 4º do mesmo diploma assevera que o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários e as instituições financeiras fornecerão tais dados ao Poder Legislativo Federal, não versando acerca daquelas comissões nos Estados.

Destarte, verifica-se que as Comissões Parlamentares de Inquérito no âmbito das Assembleias Legislativas não possuem amparo legal para requerer a quebra de sigilo. Apesar de a mesma ser votada e aprovada pelos membros da Comissão, ao se requererem os dados sigilosos à determinada autoridade, a mesma não cumpre a ordem, alegando a falta de previsão legal, ou ainda o dispositivo mencionado na Lei Complementar 105/01.

No âmbito do Supremo Tribunal, onde a autorização judicial para quebra de sigilo é, via de regra, requerida, existem duas possibilidades de obtenção da ordem: Ação Cível Originária, prevista no artigo 102, I, f, da Constituição Federal, e Mandado de Segurança, previsto na Lei federal 12.016/09.

É importante ressaltar as duas possibilidades, tendo em vista não ser o Pretório Excelso unânime quanto ao tema. Um exemplo é a Ação Cível Originária 1.390, ajuizada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro em face de ato da Chefe da Superintendência Regional da Receita Federal na 7º Região Fiscal e cuja relatoria coube ao Ministro Marco Aurélio. A referida ação foi reautuada como Mandado de Segurança, tendo recebido o número 28.043 e foi concedida a segurança em sede de medida liminar, o que garantiu o cabimento deste tipo de ação mandamental para o caso de quebra de sigilo.

A própria Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro obteve o primeiro precedente no que se refere à quebra de sigilo por CPI estadual através de uma ação cível originária, de número 730, em 2004, ajuizada em face do Banco Central do Brasil. A segurança foi concedida por maioria, pelo Supremo Tribunal Federal.

A partir do ano de 2004, com a obtenção dos dados protegidos pelo sigilo bancário, as Comissões Parlamentares de Inquérito no âmbito dos Estados conseguiram o precedente judicial necessário para requererem quebra de sigilo, quando aprovada pelos seus membros.

Visto ser cabível o ajuizamento de Ação Cível Originária ou a impetração de Mandado de Segurança por Comissão Parlamentar de Inquérito estadual, surge uma importante questão, sobretudo quanto à segunda hipótese: o cabimento de Mandado de Segurança preventivo para obtenção de dados sigilosos.

É fato notório que uma Comissão Parlamentar de Inquérito é instalada com o objetivo de investigar fatos prejudiciais à sociedade ou ao Estado, havendo ou não danos ao erário. Desta forma, sua atuação deve ser dotada de plenitude, sem ser obstruída por vícios ou falta de previsão na legislação federal.

A impetração de Mandado de Segurança em face de ato de autoridade é garantida tanto pela Constituição Federal quanto, mais especificamente, pela Lei federal 12.016/09. Assim também é o chamado mandado de segurança preventivo, ao qual cabe transcrever o caput do artigo 1º do diploma anteriormente mencionado:

“Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.

A Lei federal que disciplina o mandado de segurança individual e coletivo prevê a impetração de mandado de segurança preventivo, ou seja, anteriormente à violação de direito líquido e certo.

Fato notório também é que, conforme anteriormente mencionado, autorizada a quebra de sigilo pelos membros de determinada Comissão Parlamentar de Inquérito, via de regra, o requerimento de envio dos dados sigilosos não é cumprido de imediato. Quando os dados são bancários, alega-se, sobretudo, a regra da Lei Complementar 105/01, por mencionar apenas o Poder Legislativo Federal. Se a quebra de sigilo é referente à algum dado fiscal, alega-se que Comissão Parlamentar de Inquérito em âmbito estadual não possui o condão de quebrar sigilo dos investigados.

Contudo, observando os precedentes proferidos pelo Pretório Excelso, verifica-se que a quebra de sigilo para aquela espécie de CPI é possível. Ocorre que, a cada negativa de fornecimento dos dados sigilosos, e vindo a necessidade de pleitear a segurança através do Poder Judiciário, há um considerável lapso temporal entre a distribuição da ação e a concessão de liminar, se for concedida. Tal fato acarreta no atraso das investigações da comissão.

Destarte, sendo cabível a regra da impetração do mandado de segurança posteriormente à violação de direito líquido e certo, deve-se entender cabível também a impetração quando houver justo receio de sofrer tal violação. Ainda mais quando se trata de investigação por Comissão Parlamentar de Inquérito estadual e ausência de uma legislação federal sobre o tema.

Assim, uma vez instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito por uma Assembleia Legislativa, dever-se-ia, desde o primeiro instante, impetrar Mandado de Segurança preventivo, com fundamento no artigo 1º da Lei federal 12.016/09 e nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, em face de todas as possíveis autoridades coatoras, que envolvam a proteção dos sigilos fiscal e bancário, no caso, a Receita Federal e o Banco Central do Brasil, respectivamente.

No que se refere ao nome dos investigados, os quais seus sigilos seriam quebrados, bastava requerê-los posteriormente, à autoridade judicial ou diretamente à autoridade coatora, uma vez concedida a segurança.

Desta forma, estar-se-ia assegurando direito líquido e certo de Comissão Parlamentar de Inquérito estadual, já garantida pelo Supremo Tribunal Federal, através da ação mandamental prevista na legislação pátria.
 

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    é advogado, consultor em Direito Administrativo e Eleitoral, membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

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