Legitimidade em jogo

Roberto Haddad toma posse à frente do TRF-3

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19 de fevereiro de 2010, 23h13

Para quem é supersticioso, a cerimônia de posse do novo presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, desembargador Roberto Haddad, nesta sexta-feira (19/2), esteve marcada por maus presságios. Se eventos incomuns juntos podem ser maus agouros, o auditório da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, presenciou a relutância do destino em aceitar, no comando do maior TRF do país, um nome envolvido em desvios disciplinares. 

A ex-presidente da corte de 2005 a 2007, Diva Malerbi, foi vítima de uma inexplicável queda ao cumprimentar a desembargadora Marli Ferreira, que acabara de ler seu discurso de entrega do cargo. Ao tentar abraçar a última presidente, Diva despencou do degrau que separava a primeira fileira de cadeiras dos desembargadores da mesa de honra. Foi ajudada pela equipe do cerimonial e sentou-se novamente para assistir o restante da solenidade. Foi o primeiro ai.

Roberto Haddad, após a reprodução de Chariots of Fire, tema do filme Carruagens de Fogo, assumiu a palavra como novo presidente. Afirmou que a corte precisa manter a segurança jurídica e que, para isso, os juízes teriam de ser previsíveis. Mal terminada a frase, a mesa repleta de copos de vidro atrás do palco, de forma imprevisível, desabou, levando consigo boa parte da vidraria e desviando a atenção das cerca de mil pessoas que acompanhavam o discurso. Mais um sinal, para quem gosta de acreditar em qualquer coisa, claro.

“Estamos aqui para fazer justiça a um homem injustiçado”, disse o deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTD-SP), um dos parlamentares mais enfronhados na vida forense paulista.

A injustiça cometida contra Roberto Haddad ainda está sendo esclarecida. A última acusação, de porte ilegal de arma, que gerou uma Ação Penal no TRF-3, caiu apenas liminarmente, devido a uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Em janeiro, o ministro suspendeu o processo até o julgamento de mérito por falhas grosseiras na acusação em torno de uma caneta-revólver encontrada na casa do desembargador, que é colecionador de artefatos militares.

De outro petardo Haddad já se livrou. A acusação — e não ação, como mencionou esta revista no dia 20 — que apontava envolvimento com quadrilha que vendia sentenças e agilizava processos na Receita Federal, investigada na Operação Têmis, da Polícia Federal, caiu por decisão do Superior Tribunal de Justiça, que recusou a denúncia do Ministério Público Federal. Juntamente com outros colegas, Haddad foi investigado em 2007 como suposto integrante de uma quadrilha que favorecia empresas envolvidas no jogo ilegal. O STJ rejeitou a denúncia. Restou, para o STF, o caso da caneta. 

A relação próxima de Haddad com o Ministério Público Federal, pelo menos nas denúncias dos procuradores, afastou figuras importantes da cerimônia de posse. A chefe da Procuradoria-Regional da República da 3ª Região, Luiza Cristina Frischeisen, preferiu enviar em seu lugar a procuradora Laura Noeme dos Santos, que está longe da divisão criminal do MPF da 3ª Região e atua no setor tributário. Janice Ascari e Ana Lúcia Amaral, nomes conhecidos da área criminal da Procuradoria, também não apareceram.

Figuras importantes, contudo, não faltaram ao dever. O ministro Massami Uyeda, do Superior Tribunal de Justiça, e os ex-ministros da mesma corte Jorge Scartezzini e Edson Vidigal estavam na galeria de honra, assim como os presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, Viana Santos; do TRF-4, Vilson Darós; e do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, Walter de Almeida Guilherme. Ricardo Nascimento, presidente da Ajufesp, também compareceu. A Universidade de São Paulo prestigiou Haddad com seu novo reitor, João Grandino Rodas.

Sentaram-se à mesa de honra Luiz Antônio Marrey, secretário de Justiça de São Paulo, que representou o governo paulista; o deputado federal Arnaldo Faria de Sá, em nome da Câmara dos Deputados; o deputado estadual Fernando Capez (PSDB); o presidente do TJ-SP, Viana Santos; André Puccinelli (PMDB), governador de Mato Grosso do Sul; o senador Romeu Tuma (PTB-SP); o secretário municipal de Negócios Jurídico de São Paulo e ex-reitor da Universidade Mackenzie, Cláudio Lembo, em nome do prefeito da cidade; e o presidente da secccional paulista da OAB, Luiz Flávio Borges D’Urso.

ConJur
Suzana Camargo e André Nabarrete participam da posse de Roberto Haddad na presidência do TRF3 - ConJur

Quem não apareceu mandou representantes, como as Procuradorias-Gerais da República, da Fazenda Nacional e a de Justiça de São Paulo. O advogado Marcelo Nobre trouxe a bandeira do Conselho Nacional de Justiça e o advogado Guilherme Octavio Batochio, do Conselho Federal da OAB. Os advogados Celso Antônio Bandeira de Mello e Nabor Bulhões também estiveram presentes, mas por conta própria. Foram empossados Roberto Haddad como presidente, André Nabarrete como vice e Suzana Camargo como corregedora. (Na foto acima, o vice e a corregedora.)

Incerteza judicial
O clima de boas vindas, claro, foi temperado com pitadas de desconforto. Entrevistados pela ConJur preferiam se esquivar de examinar as desventuras do novo titular do TRF. Para o novo presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), Paulo Dimas Mascaretti, as questões disciplinares foram superadas para que Haddad fosse escolhido. “Mas haverá mais cobrança, a responsabilidade é maior”, afirmou. Também empossado recentemente para o terceiro mandato à frente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Flávio Borges D’Urso colocou o tema de lado. “Processos disciplinares não contam. O importante é a expertise na administração e o histórico de bons serviços à Justiça”, disse.

Conhecido de Haddad desde que trabalhavam como servidores na antiga Vara da Fazenda Nacional em São Paulo, o deputado federal Regis de Oliveira (PSC-SP) defendeu o amigo. “Ele já era rico antes. Íamos ao trabalho em seu carro”, disse, fazendo menção ao inquérito — e não acusação, como informou a ConJur na última sexta-feira — do Ministério Público Federal de enriquecimento ilícito e improbidade administrativa, arquivado por decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Aos jornalistas, Haddad garantiu que teve a inocência provada. Seu discurso foi o de empenho para acelerar a tramitação dos processos. Porém, ao ser questionado pelo não cumprimento da Meta 2, determinada pelo CNJ para que os tribunais julgassem, até o fim do ano passado, todos os processos iniciados em 2005, ele evitou promessas. “Nós temos que cumprir as metas. Talvez nesse ano consigamos”, disse. Quanto à administração da corte, ele afirmou não ser necessário pedir mais dinheiro ao Poder Executivo, apesar de reconhecer precisar de mais verba, principalmente para informatização.

Sabor de vitória
É à nova corregedora do TRF-3 que Haddad deve agradecer por seu cargo. A desembargadora Suzana Camargo foi o pivô da discussão que levou o Supremo Tribunal Federal a anular a eleição que tinha levado à Presidência o desembargador Baptista Pereira e a ordenar outro pleito. Suzana alegou que Pereira já tinha ocupado cargo de direção no tribunal por dois mandatos e que, de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), não poderia concorrer a um terceiro. Ela perdeu novamente a eleição para presidente, mas se diz satisfeita com o cargo de corregedora. “Magistrados têm que cumprir a lei e pela primeira vez conseguimos fazer cumprir a Loman”, afirmou. “Não podemos ficar discutindo política. Temos processos para julgar.”

Esse é o mote para os planos da nova corregedora. Na próxima semana, ela começa a colocar em prática o que chamou de “conclamação de juízes” para organizar os procedimentos jurisdicionais. “Vou visitar cada fórum para ouvir o que o juiz tem a dizer. Será um trabalho de união”, afirmou. Na sua opinião, essa é a saída para desatolar varas com processos antigos e sem solução.

As reuniões também devem servir para chamar a atenção quanto à atuação de juízes que trabalham em parceria com promotores públicos e a Polícia e esquecem a imparcialidade nos processos criminais. “O juiz deve ser como o ator. Sentir o drama das partes, mas não perder sua identidade e se sobrecarregar com funções que não são suas”, explicou. Para ela, os julgadores não podem receber os processos de acusação com pré-julgamentos formados.

Ficha comprida
Em 2003, o Ministério Público Federal requereu a instauração de inquérito, acusando-o, no Superior Tribunal de Justiça, de enriquecimento ilícito no exercício do cargo de juiz federal. Por unanimidade, a Corte Especial o afastou do cargo, acolhendo a denúncia contra ele, sua ex-mulher, a advogada Maria Cristina Figueiredo e um funcionário da Receita Federal paulista por uso de documento falso. A Receita apurou a existência de rendimentos tributáveis não lançados na declaração do ano-calendário de 1994. Haddad comunicou à Receita Federal que havia retificado a declaração de 1994 e apresentou cópia do recibo de entrega do documento, que o Instituto Nacional de Criminalística concluiu ser falso. Em 2004, o STF rejeitou o pedido de trancamento da ação. Em 2006, porém, como não foi informado na reportagem original, a corte aceitou o pedido de trancamento, e Haddad pôde voltar ao tribunal. Os ministros entenderam ter havido apenas uma infração tributária. 

Em decorrência do processo, Haddad também respondeu por improbidade administrativa — que fez parte do mesmo inquérito, e não gerou uma nova ação, como noticiado. O caso teve início na década de 1990, depois que o jornal Folha de S.Paulo publicou reportagem afirmando que Haddad e seu colega Paulo Theotônio Costa — afastado do TRF-3 — ostentavam sinais de riqueza que contrastavam com o padrão comum dos demais juízes. A Folha foi condenada em 2001 a pagar indenização a Haddad por danos morais.

[Notícia e título alterados em 24 de fevereiro de 2010 para correção de informações.]

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