Honorários voadores

Juiz de execução anula decisão de segunda instância

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18 de fevereiro de 2010, 15h59

Depois de sete anos de idas e vindas pelos tribunais, um advogado terceirizado que prestou serviços ao Banco do Brasil viu extinta sua ação de execução na primeira instância do Judiciário. O advogado quer receber do banco mais de R$ 10 milhões de honorários advocatícios. O juiz Mauro Penna Macedo Guita, da 2ª Vara Cível de Teresópolis (RJ), julgou a liquidação improcedente e ainda condenou o advogado a arcar com custas e honorários de sucumbência. Guita decidiu anular decisão de segunda instância que condenou o banco a pagar os honorários, isso ainda na fase de conhecimento.

O advogado já recorreu ao Tribunal de Justiça fluminense e o desembargador Edson Scisinio, da 14ª Câmara Cível, concedeu liminar para conferir efeito suspensivo ao recurso do advogado e enquanto aguarda informações das partes.

O caso começou em 2002, quando o advogado propôs ação contra o Banco do Brasil, cobrando honorários conforme contrato assinado. O advogado atuou em parte de uma causa que, posteriormente, foi julgada improcedente e livrou o banco de indenizar duas empresas, que o acusaram de negativar de forma abusiva o nome delas. Ao cobrar honorários, obteve ganho de causa na segunda instância e a decisão transitou o julgado. O problema começou na fase de execução, quando o advogado fez o cálculo e concluiu que teria de receber R$ 10 milhões. Entre idas e vindas, preliminares foram discutidas inclusive no STJ, até voltar para as mãos do juiz de execução de primeira instância para decidir.

A sentença de mérito de primeira instância, que saiu há pouco tempo, entendeu que o advogado não tem direito de receber qualquer coisa. Para o juiz da execução, o contrato não pode levar à ruína uma das partes que o assinou. “Se uma ação de perdas e danos, em virtude de suposta inscrição negativa no Serasa, ainda que julgada procedente, jamais levaria a instituição financeira ao pagamento de mais de R$ 11 milhões àquele consumidor, então mostra-se inteiramente ofensivo à função social do contrato admitir que, em virtude de contrato de prestação de serviços advocatícios, o banco, livre de pagar tal indenização, teria de pagar soma ainda maior ao seu ex-advogado.” O fundamento — que serve para descaracterizar o contrato e proteger as partes que o assinaram — já chegou a ser utilizado por desembargadores do Órgão Especial do TJ fluminense quando a corte julgou um pedido de Mandado de Segurança feito pelo banco.

Ao analisar o contrato, o juiz da execução afirmou que os honorários estavam vinculados ao resultado que o advogado teria na ação movida pelas empresas contra o banco. Se a ação fosse julgada improcedente, o banco pagaria um percentual do valor do pedido inicial ao advogado. Caso fosse julgado parcialmente procedente, esse percentual incidiria sobre a diferença entre os valores do pedido e da condenação.

As empresas que moviam a ação contra o banco pediram 100 vezes o valor que gerou a negativação. Segundo o juiz, o pedido não foi formulado com um valor exato e continha um “juízo hipotético”. Para o juiz, só haveria um valor financeiro se e quando fosse verificado o abuso na conduta do banco.

Ele também afirmou que, mesmo se a empresa pedisse, expressamente, R$ 220 milhões por causa da inscrição na Serasa, a improcedência da ação não dependeria da atuação do advogado. Isso porque, disse, ainda que o Judiciário constatasse o abuso, jamais o valor da indenização chegaria a tal patamar nesses casos.

Na hora de calcular o que seria devido, o juiz chegou à conclusão de que a liquidação era igual a zero, citando decisões do STJ que admitem tal situação. Para o juiz, se o valor dos pedidos era zero, os honorários também são, já foram que baseados nele.

Nulidade insanável
Um dos motivos para o juiz Mauro Guita negar a ação de execução e não executar decisão transitada em julgado foi o de que houve falhas que tornaram o processo nulo. Em primeira instância, a ação de cobrança do advogado foi julgada improcedente. O advogado recorreu ao TJ, que negou o recurso. Foram, então, apresentados Embargos de Declaração com efeitos modificativos no próprio TJ. “Tais embargos foram providos, modificando o teor do acórdão proferido na apelação, para prover o apelo e assim condenar a instituição financeira ao pagamento de honorários ao autor”, escreveu o juiz da execução, ao relatar a trajetória da ação.

Fazendo todas as reverências possíveis aos juízes, desembargadores e ministros que já lidaram com o caso, Mauro Guita disse que tal decisão que condenou o banco “padece de nulidade insanável”. Guita explica que o juiz, que julgou improcedente a ação de cobrança, considerou que se tratavam, de fato, de honorários contratuais e não de arbitramento de honorários, como o TJ entendeu que o juiz havia decidido. Para o juiz da execução, os desembargadores partiram de uma premissa equivocada.

O juiz Mauro Guita também explicou que a ação de cobrança foi julgada improcedente por faltar, no processo, cópia do pedido inicial da ação em que o advogado defendia o banco. Como o contrato foi elaborado com base no pedido da ação movida contra o banco pelas duas empresas, para saber de que forma o contrato teria de ser cumprido, era preciso ter o pedido dos autores da ação contra a instituição bancária. Não se verificou, na decisão que confirmou a improcedência da ação de cobrança, qualquer omissão sobre ponto juridicamente relevante, disse o juiz, que justificasse conhecer e prover os embargos com efeitos modificativos. Ou seja, para o juiz, que analisava apenas uma ação de execução, os desembargadores erraram ao modificar decisão a partir de Embargos de Declaração.

O juiz apontou, ainda, outro fator para que a decisão do TJ seja nula. Ele disse que a União não foi intimada. “Ao proferir-se julgamento de procedência do pedido condenatório, que poderia contemplar soma tão vultuosa (como acabou contemplando a presente execução), far-se-ia mister, primeiramente, assegurar à União a faculdade, prevista em lei, de intervir no processo”, disse.

O próprio juiz, na decisão, admite que declarar a nulidade de uma decisão de outra instância pode gerar grandes controvérsias. Ele entende que tal declaração de nulidade é possível e deixa claro que sua decisão não “desrespeita ou desprestigia” as instâncias superiores. Mauro Guita explicou que o caso não é de “erro de cálculo aritmético” e se valeu da lógica para chegar à conclusão de que o advogado fez um contrato de risco, confiando nos resultados da ação em que atuava a favor do banco.

Trajetória da ação
Na fase de execução da ação de cobrança, depois de o tribunal ter reformado a sentença, que havia julgado improcedente a cobrança de honorários, a ação voltou à primeira instância, momento em que o advogado apresentou a planilha apontando a dívida do banco em R$ 8,9 milhões. O banco reclamou do valor e depositou o que entendia ser devido, cerca de R$ 7 mil. O juiz determinou que novo cálculo fosse elaborado pelo advogado. Contra essa decisão, o advogado entrou com recurso no TJ fluminense. O relator do recurso, desembargador Scisinio, entendeu que o advogado não precisava apresentar novos cálculos e determinou a indisponibilidade de títulos públicos de propriedade do banco.

O banco pediu Mandado de Segurança e o Órgão Especial do tribunal suspendeu a decisão até que o mérito do recurso fosse julgado pela 14ª Câmara. Isso foi feito. Por maioria, os desembargadores entenderam que o advogado não precisava fazer novos cálculos e manteve a indisponibilidade do valor, que ficaria à disposição da Vara. Também determinou que a conta fosse refeita por contador judicial.

Os desembargadores entenderam que ação de cobrança foi julgada procedente em 2004 e o banco não apresentou recursos contra ela. Disseram, ainda, que não compete aos juízes e desembargadores se preocuparem com o valor dos honorários nos conflitos que julgam. O importante, entenderam, é garantir o cumprimento do contrato acertado entre partes e advogados.

O banco apresentou recurso. A 3ª Vice-Presidência do TJ-RJ concedeu liminar para suspender a ordem da Câmara. O STJ também concedeu efeito suspensivo ao Recurso Especial do banco. Nesta corte, os ministros analisaram o recurso e afastaram a alegação de que haveria coisa julgada em relação aos valores dos honorários.

“A conclusão do acórdão recorrido, de ocorrência de coisa julgada, deve ser afastada, à ausência de expresso e precípuo julgamento da matéria atinente aos valores envolvidos, especialmente à fixação da cifra objeto da execução, a qual, inclusive porque extremamente elevada, necessitava de clara e insofismável enfoque na motivação de julgado, não podendo ser chancelada de forma indireta, extraída, por interpretação de decisões que não enfocaram especificamente a relevante matéria atinente ao elevado valor reclamado”, entenderam os ministros. Por isso, a ação voltou para ser julgada em primeira instância e daí partiu a decisão que negou os honorários ao advogado.

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