Renovação da Infraestura

Burocracia da Justiça emperra investimentos no Brasil

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13 de fevereiro de 2010, 5h21

A intensificação de obras que promovam a renovação da infraestrutura brasileira – portos, aeroportos, rodovias etc. – apresenta-se como essencial para conferir sustentabilidade ao processo de crescimento econômico que atravessamos. Nesse contexto, os “estudos, investigações, levantamentos, projetos” que antecedem à outorga da concessão são considerados um dos principais dos gargalos jurídicos a impedir os investimentos necessários à recuperação(1) da infra-estrutura brasileira.

Pode-se mesmo dizer que as reclamações e pendengas judiciais consubstanciadas por medidas liminares impeditivas da implementação de obras e concessões públicas  se transformaram nos vilões do Programa de Aceleração do Crescimento (2). Por isso, faz-se necessários eliminar os gargalos jurídicos que constituem impedimentos a celeridade dos projetos de infraestrutura. Gargalos que vêm a ser, segundo Egon Bockmann Moreira, “dificuldades estruturais em setores cujo não-desenvolvimento impede a fluidez e/ou a instalação de atividades econômicas. O incentivo e a produtividade exigem não só a ausência de óbices ao fluxo de mercadorias, mas também a preexistência de bases que permitam assegurar o resultado econômico da produção”.

Instrumento jurídico que tem grande poder para eliminação de tais gargalos que implicam em atrasos na implementação de projetos de infraestrutura pode ser encontrado na faculdade prevista no artigo 21 da Lei 8.987/95 que permite que autores autorizados, pelo Poder Concedente, a realizarem estudos, investigações, levantamentos e projetos – interessados ou não em participarem do certame licitatório -, uma vez aproveitados na concessão, tenham os dispêndios efetuados ressarcidos pelo vencedor da licitação, conforme especificado no edital.

A possibilidade de Autorização para Realização de Estudos Técnicos de forma prévia à concessão de prestação de serviços públicos encontra-se prevista no artigo 21, da Lei 8.987/95, que dispõe: “os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação, realizados pelo poder concedente ou com a sua amortização, estarão à disposição dos interessados, devendo o vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no edital.”

Tais estudos referenciados no artigo 21 em epígrafe poderão ser realizados/desenvolvidos por terceiro não interessado em sua execução, ou seja, que não irá participar do certame licitatório que tem por objeto a outorga do empreendimento projetado, o que tem o condão de reduzir a possibilidade de acesso privilegiado de informações em detrimento dos demais participantes do certame (assimetrias de informações). Outrossim, a utilização do dispositivo resulta em atendimento ao princípio da eficiência e economicidade administrativa, vez que reduz os dispêndios que seriam realizados na realização direta do projeto básico e executivo que antecedem à concessão.

A elaboração de projeto relacionado à modelagem do futuro contrato de concessão será, a um só tempo, o motivo e o limite para o ressarcimento a ser feito à empresa autora. Nesse sentido, o comentário de Justen Filho(3): “sob a permissão do artigo 21, pode impor-se ao contratado o dever de ressarcir todos os dispêndios correspondentes às despesas vinculadas à concessão, de utilidade para licitação. São condições cumulativas e não alternativas. Abrangem todas as informações relacionadas com o objeto licitado, cujo conhecimento seja relevante para a elaboração das propostas. Mais ainda, outras informações que, embora não relacionadas com as propostas, possam ter sido necessárias ou úteis para a realização da licitação”.

Na mesma linha, caminhou o entendimento da Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes, consubstanciado nos autos do processo 50000.044305-2008-67: “a elaboração do projeto relacionado à modelagem da futura concessão ser (sic), a um só tempo, o fundamento e o limite para o ressarcimento. Noutras palavras, do mesmo modo que o legislador permite que o Poder Público autorize particulares a desenvolver, por sua conta e risco, estudos e projetos, com possibilidade de eventual ressarcimento, tem-se que estes trabalhos deverão ter pertinência com o objeto da futura concessão”.


Logo, fica patente que o ressarcimento dos trabalhos desenvolvidos para a modelagem da concessão constitui álea assumida pela empresa interessada, uma vez que sua ocorrência será uma eventualidade dependente da necessária adoção do mesmo pelo Poder Público concedente.

Explicando melhor, se ocorrer a hipótese de três empresas, com base no artigo 21 da Lei 8.987/95, desenvolverem projetos distintos para o mesmo empreendimento, tem a circunstância de que somente o autor do projeto utilizado pelo poder público ser passível de ressarcimento pelo vencedor do certame.

Além disso, torna-se mesmo possível a hipótese não ressarcimento a nenhum dos autores do projeto, circunstância que sói ocorrer quando não for utilizado nenhum dos projetos apresentados, posto que não se demonstram úteis para a elaboração da futura licitação. Logo, nesta hipótese, o autores dos projetos deverão suportar o ônus dos dispêndios realizados na elaboração do projeto.

Por fim, com relação aos valores indicados como devidos à título de ressarcimento, recomenda-se que a empresa interessada apresente proposta financeira, contendo descrição pormenorizada dos custos previstos para elaboração dos estudos, discriminados de forma a permitir, caso sejam aproveitados, análise por parte do poder concedente com vistas a seu futuro ressarcimento que deverá estar previamente consignado no futuro edital de concessão.

Recomendações

À guisa de preservação da isonomia do processo e garantia de transparência administrativa, aconselha-se que as autorizações porventura concedidas para realização de estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos vinculados à concessão, de utilidade para a licitação utilizem, mesmo quando não se tratar de hipótese de modelagem de  Parceria Pública Privada, utilizem, no que for aplicável, as especificações contidas no Decreto 5.977, de 1˚ de dezembro de 2006.

Nesse sentido, sugere-se alguns requisitos e condições mínimos para deferimento de autorização para realização de estudos, os seguintes:

Requisitos para Solicitação:

I – delimitar o escopo dos projetos, estudos, levantamentos ou investigações, podendo restringir-se a indicar tão-somente o problema que se busca resolver com a parceria, deixando à iniciativa privada a possibilidade de sugerir diferentes meios para sua solução;

II – indicar prazo máximo para apresentação dos projetos, estudos, levantamentos ou investigações  e o valor nominal máximo para eventual ressarcimento;

III – indicar o valor máximo da contraprestação pública admitida para a parceria público-privada, sob a forma de percentual do valor das receitas totais do eventual parceiro privado; e

IV – ser objeto de ampla publicidade, mediante publicação no Diário Oficial da União e, quando se entender conveniente, na internet e em jornais de ampla circulação.

V – qualificação completa do interessado, especialmente nome, identificação (cargo, profissão ou ramo de atividade), endereço físico e eletrônico, números de telefone, fax e CPF/CNPJ, a fim de permitir o posterior envio de eventuais notificações, informações, erratas e respostas a pedidos de esclarecimentos;

VI – demonstração da experiência do interessado na realização de projetos, estudos, levantamentos ou investigações similares aos solicitados;

VII – indicação da solicitação do CGP que baseou o requerimento;

VIII – detalhamento das atividades que pretendem realizar, considerando o escopo dos projetos, estudos, levantamentos ou investigações definidos na solicitação, inclusive com a apresentação de cronograma que indique as datas de conclusão de cada etapa e a data final para a entrega dos trabalhos.

IX – O valor máximo para eventual ressarcimento pelo conjunto de projetos, estudos, levantamentos ou investigações não poderá ultrapassar dois e meio por cento do valor total estimado dos investimentos necessários à implementação da respectiva parceria público-privada.


X – O prazo para apresentação de projetos, estudos, levantamentos ou investigações, dever-se-á considerar a complexidade, as articulações e as licenças necessárias para sua implementação.

Requisitos para Autorização:

I – será conferida sempre sem exclusividade;

II – não gerará direito de preferência para a outorga da concessão;

III – não obrigará o Poder Público a realizar a licitação;

IV – não criará por si só qualquer direito ao ressarcimento dos valores envolvidos na sua elaboração;

V – será pessoal e intransferível.

VI – Deverá consignar que a autorização para a realização de projetos, estudos, levantamentos ou investigações não implica, em hipótese alguma, co-responsabilidade da União perante terceiros pelos atos praticados pela pessoa autorizada.

Condições que autorizam a revogação das autorizações:

I – descumprimento dos termos da autorização;

II – superveniência de dispositivo legal que, por qualquer motivo, impeça o recebimento dos projetos, estudos, levantamentos ou investigações, ou incompatibilidade com a legislação aplicável;

III – ordem judicial;

IV – outros motivos previstos em direito.

V – Determinação de que as autorizações revogadas ou anuladas não geram direito de ressarcimento dos valores envolvidos na elaboração de projetos, estudos, levantamentos ou investigações.

VI – A comunicação da revogação ou anulação da autorização será efetuada por escrito, mediante correspondência com aviso de recebimento.

Condições para Avaliação e seleção dos estudos e projetos:

I – A avaliação e a seleção dos projetos, estudos, levantamentos e investigações apresentados serão realizadas por comissão integrada pelos membros designados pela Diretoria da ANAC.

II – A avaliação e a seleção dos projetos, estudos, levantamentos ou investigações a serem utilizados, parcial ou integralmente, na eventual licitação, serão realizadas conforme os seguintes critérios:

a)     consistência das informações que subsidiaram sua realização;

b)    adoção das melhores técnicas de elaboração, segundo normas e procedimentos científicos pertinentes, utilizando, sempre que possível, equipamentos e processos recomendados pela melhor tecnologia aplicada ao setor;

c)     compatibilidade com as normas técnicas emitidas pelos órgãos setoriais da Agência;

d)    razoabilidade dos valores apresentados para eventual ressarcimento, considerando projetos, estudos, levantamentos ou investigações similares;

e)     compatibilidade com a legislação aplicável ao setor;

f)     impacto do empreendimento no desenvolvimento sócio-econômico da região e sua contribuição para a integração nacional, se aplicável;

g)     demonstração comparativa de custo e benefício do empreendimento em relação a opções funcionalmente equivalentes, se existentes.

III – A avaliação e a seleção dos projetos, estudos, levantamentos e investigações no âmbito da comissão não se sujeitam a recursos na esfera administrativa quanto ao seu mérito.

Por fim, o reconhecimento da viabilidade jurídica das autorizações para realização de estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação como instrumento jurídico hábil e eficiente a serem utilizados no processo de modelagem das concessões de infra-estrutura, nos termos do artigo 21, da Lei 8.987, constitui, se bem utilizado, importante instrumento a conferir celeridade e eficiência à Administração Pública sem prejuízo aos princípios da transparência e controle dos atos administrativos.

(1)Rogério Emilio de Andrade, advogado da União e Professor universitário.
(2)  O Estado de São Paulo, 13 de maio de 2007.
(3) Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003. Pág. 282/283.

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