Fiel da balança

AGU experimenta na prática vantagens da conciliação

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6 de fevereiro de 2010, 8h45

Mesmo com um desempenho judicial consistente, a Advocacia-Geral da União investe agora em evitar os embates forenses. Pelo menos, quando o governo está dos dois lados da mesa. É na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal que a AGU aposta suas fichas para impedir que órgãos federais se digladiem solenemente nas cortes. Responsável por defender ambos os lados, a AGU conseguiu pôr fim em conflitos que envolviam nada menos que R$ 3 bilhões, graças à atuação da câmara só em 2009, segundo números de seu balanço anual publicado no fim de janeiro.

Instalada há apenas três anos para evitar litígios entre órgãos e entidades da administração federal, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal já é indispensável para a União. Entre 2007 e 2008, foram 200 acordos. Só no ano passado, 165 reuniões solucionaram 32 conflitos antes que pudessem se transformar em longevas ações judiciais. O Judiciário também agradece, já que, quando se confrontam, governo federal, entes da federação e órgãos da administração pública não recolhem um tostão em custas processuais.

Uma disputa entre o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) e os Correios pacificada em dezembro mostrou o poder de fogo — ou de apagá-lo — que a câmara se especializa em manejar. A Procuradoria Federal que atua em favor do órgão previdenciário cobrou, durante dez anos, diferenças no recolhimento das contribuições sobre contratos de prestação de serviços firmados entre 1992 e 1998. O saldo devedor chegou a R$ 3 milhões, mas a empresa estatal e a Previdência discordavam quanto à prescrição e o cálculo dos juros e correções. Um incêndio na sede do INSS, em Brasília, em 2005, complicou ainda mais a situação, ao destruir boa parte dos contratos.

Em novembro do ano passado, o fim do desentendimento. Representantes jurídicos e de áreas técnicas das duas partes chegaram ao acordo de atualizar os valores pela Selic, já que o índice é frequentemente usado por ambas em contratos desse tipo. Com o aval dos respectivos presidentes, o acordo foi firmado em 1º de dezembro, depois de 11 exaustivas reuniões conciliatórias. No dia 10 de dezembro, após a homologação do acordo pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, os Correios depositaram R$ 21,8 milhões na conta do INSS.

Em outra disputa no ano passado, entre a Caixa Econômica Federal e o governo de Alagoas, a câmara foi além da esfera federal. A primeira conciliação envolvendo um ente da federação garantiu o direito de o estado tomar um empréstimo sem que a Caixa verificasse sua regularidade fiscal junto aos cadastros do governo federal. A administração estadual estava com problemas em relação à sua Companhia de Água e Abastecimento de Alagoas, irregular no Cadastro Único de Convênio do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), espécie de controle de regularidade de administrações públicas. Por esse motivo, a Caixa se negava a abrir o crédito. Foi na câmara que as partes chegaram a um acordo. O banco concordou que não precisava consultar a regularidade da companhia de saneamento e concedeu o empréstimo.

O caso estimulou a AGU a resolver outros conflitos entre entes da federação pela via conciliatória. No Paraná, os municípios de Bandeirantes e Andirá puderam receber, por cessão, imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal. As propriedades foram transferidas ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional que, depois das conversas, pôde cedê-las às prefeituras. Foi o primeiro acordo entre municípios intermediado pela AGU. No Rio de Janeiro, negociações entre a Petrobrás, a União e o governo fluminense acertaram valores a serem pagos pela estatal pela participação do estado na exploração do Campo Petrolífero de Martim, na Bacia de Campos.

Em maio, uma encruzilhada opôs a Marinha, o Ministério dos Transportes, o estado do Amazonas, o Instituto Nacional Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No meio da sopa de letrinhas, a construção de uma ponte sobre o Rio Negro, em Manaus. Paralisada na metade da obra por passar sobre um assentamento e um sítio arqueológico de índios, a ponte encurtaria uma viagem de duas horas que a população de Iranduba levava de barco para chegar à capital amazonense.

Depois de três meses de negociação e muitas posições cedidas, as partes chegaram a um acordo. Os órgãos ambientais aliviaram as exigências, a construtora se comprometeu a restituir a União pelos danos causados e o governo estadual garantiu proteção ao patrimônio arqueológico e agilidade na concessão de licenças ambientais.

Ponto de convergência
No cargo desde outubro, o advogado-geral da União é adepto das soluções negociadas. “Eu prestigio a conciliação, que faz com que as partes se falem. Quando se comunicam, elas às vezes se entendem”, disse Adams em entrevista à Consultor Jurídico, publicada em janeiro. “O contraditório não resolve nada, só eventualmente acalma um problema que vai estourar mais adiante. O processo de resolução de conflitos não pode simplesmente ser jogado na mão do Judiciário, até porque o juiz é um generalista, não um especialista”, defende. “O excelente contraditório é o que consegue achar equilíbrio.”

O próximo desafio de Adams é usar a conciliação para resolver conflitos tributários. Só no ano passado, R$ 85,6 bilhões em débitos foram inscritos na dívida ativa da União, valores que vão para a fila de execuções fiscais na Justiça. A ideia precisa passar antes pelo Congresso Nacional, onde tramita o Projeto da Lei de Transação Fiscal. Se aprovada, a nova norma permitirá que o fisco negocie dívidas com contribuintes em câmaras de arbitragem. 

Antes, a proposta terá que derrubar paradigmas. Tributaristas e administrativistas insistem que créditos tributários são patrimônio público e o Estado não pode dispôr deles. Por isso, parcelamentos como o Refis, que perdoam multas e juros, são sempre alvos de críticas. Há quem aponte esse tipo de medida como responsável pela má educação fiscal dos contribuintes, que não pagam tributos esperando pelo próximo parcelamento. 

Adams diz que as críticas são preconceituosas e vêm de quem não entende o projeto. “A corrosão no cumprimento voluntário das obrigações é natural mesmo sem os programas. O índice de casos que vão à Justiça é grande. Das causas que a União enfrenta, 50% são tributárias."

Segundo ele, a Lei de Transação Fiscal permitiria que o fisco negociasse apenas os acréscimos, e não os valores principais dos tributos. “Indisponibilidade do crédito não quer dizer que o Estado não possa abrir mão do que lhe pertence. Questões que envolvem choques entre interesses públicos mostram isso”, afirma. “A transação já está prevista no Código Tributário e a discricionaridade do advogado público está limitada a ela. Não é absoluta.”

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