Atos públicos

Juiz usa internet para divulgar sentenças

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25 de dezembro de 2010, 8h17

A Constituição determina, no inciso IX do artigo 93, que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário devem ser públicos, com exceção dos casos em que é pedida a preservação do direito à intimidade das partes, quando não há prejuízos para o interesse público à informação. Alguns juízes levaram essa determinação ao pé da letra e passaram a publicar suas decisões na rede mundial de computadores. É o caso do juiz Luiz Augusto Barrichello Neto, da 2ª Vara Criminal de Limeira, que, em sua página na internet, presta conta de seus atos, mesmo que informalmente, e também oferece um serviço à comunidade.

"O site não tem a pretensão de ser uma fonte de conteúdo, mas sim de prestar um serviço, em primeiro lugar, transmitindo informações que julgo interessante para juízes, advogados e também para a comunidade", destacou o juiz, que também considera importante a magistratura dar publicidade a seus atos. "Isto é uma determinação da Constituição que dá transparência ao Judiciário."

Barrichello se inspirou na iniciativa do desembargador Ivan Sartori, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, e do juiz José Tadeu Picolo Zanoni, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco, precursores no uso de ferramentas da internet para a publicação de informações sobre o Judiciário. Ao ingressar no mundo virtual, Zanoni teve a intenção de divulgar as notícias da vara para os advogados que atuam na área. Sartori quis informar os juízes de todo o estado sobre o que acontece no Órgão Especial.

No endereço http://limeira2cr.com, Barrichello faz uma mescla de prestação de contas com prestação de serviço, utilizando também outras ferramentas, aliadas ao site, como o Twitter. O juiz de Limeira também inovou ao transmitir algumas audiências por meio do internet, medida que ainda é feita em caráter experimental. "O meio digital sempre apresenta novas ferramentas. Conforme elas vão aparecendo, vou melhorarando o site. Tenho algum conhecimento na área, mas também estou aprendendo", diz ele.

O início
Os tribunais dos estados e os superiores já colocam à disposição informações referentes à Justiça e decisões em seus sites institucionais. No entanto, como a informatização do Judiciário é uma medida relativamente nova e que ainda está em processo de implantação, nem sempre é fácil para os jurisdicionados encontrar a informação que precisa na rede.

Nesse sentido, o site de Barrichello complementa essas informações, na medida em que coloca à disposição não só as decisões, mas também o expediente do juiz e informações sobre a magistratura e a Justiça. De acordo com Barrichello, se hoje ainda é difícil ter acesso a algumas informações, em sua época de faculdade era muito mais. E esse foi um dos pontos que o motivou para criar a página na internet.

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 1995, Barrichelo contou que tinha dificuldades em encontrar julgados, principalmente os recentes. "Quando tinha acesso à sentença, era dos tribunais superiores. Dos Tribunais de Justiça era mais difícil, devido à falta de estrutura." Quando atuou como estagiário ou mesmo como advogado, as fontes de pesquisa de Barrichello eram as revistas do Supremo Tribunal Federal e uma do Tribunal de Justiça de São Paulo. No entanto, quando o juiz precisava de um dado atualizado, o jeito era ir até o TJ e tirar cópias dos documentos.

Nesta época, a internet comercial no Brasil ainda não havia decolado, sendo mais usada em universidades. O crescimento da rede só aconteceu em 1996, devido aos investimentos no mercado de telecomunicações.

Ao ingressar na magistratura, em 1997, Barrichello continuou sentindo dificuldades para acessar o banco de dados das decisões. Por outro lado, também havia a procura dos advogados pelos processos. "Conheço bem as dificuldades que muitos advogados têm de ter acesso aos casos que defenderam. Percebi que inúmeras informações a respeito do andamento de feitos, pauta de audiências, decisões em geral só eram obtidas se o interessado fosse até o Fórum, o que demanda muito tempo."

Barrichello também supriu um anseio pessoal de contribuir para a divulgação de informações que considera importante. "A publicidade e a transparência são deveres do Estado e dos poderes constituídos, além de ser um direito do cidadão, principalmente depois da época de ‘atos secretos’ de uma das instituições mais importantes da República. Acho indispensável, necessário e obrigatório o respeito à publicidade dos atos dos poderes estatais e isso pode ser feito com uso, também, dessas novas ferramentas de internet e web 2.0."

Facilidades
A internet possui várias ferramentas para a publicação de conteúdos fáceis de serem utilizadas, pois não demandam conhecimento específico, e também são gratuitas. Como o juiz já possuía as informações que queria divulgar, só faltava pensar na plataforma para colocá-las à disposição. Antes de criar um endereço na internet, o juiz foi se interou das ferramentas disponíveis e também perguntou ao tribunal se haveria algum conflito em divulgar suas sentenças. "Não houve nenhum problema, mesmo porque, o site é mantido com os meus próprios recursos e todas as informações são publicadas por mim, e não por um servidor do tribunal."

Barrichello iniciou a publicação de sentenças de forma tímida, por meio de um blog, criado em maio de 2007. Com o tempo, o juiz percebeu que atualizar o site era fácil e não demandava muito tempo. Hoje, ele possui dois domínios e contratou um servidor, com recursos próprios, para publicar suas sentenças, sua agenda de julgamentos e também notícias que considera pertinentes em sua área. "É possível acompanhar pelo site do Tribunal o julgamento dos processos, mas não o expediente dos juízes. Muitas vezes, os advogados chegavam ao meu gabinete pedindo uma cópia da pauta. Agora, também economizam recursos."

O conteúdo
Praticamente todas as sentenças do juiz de Limeira são publicadas, com exceção dos casos de estupros e crimes sexuais. Barrichello também toma cuidado de omitir o nome completo dos envolvidos na causa, principalmente das vítimas.

Em alguns casos, o juiz publica a decisão. Porém, o post só pode ser acessado por meio de uma senha. Os interessados devem mandar um e-mail para que o juiz envie o código do post. A medida é necessária para que o magistrado tenha controle sobre quem está acessando as decisões com segredo de Justiça decretado e, principalmente, preservar a intimidade da vítima.

As informações do site não são endereçadas apenas para juízes e magistrados. Durante as eleições, o juiz publicou posts voltados para os eleitores e mesários, com informações sobre os documentos necessários para votar, os procedimentos para justificar a falta às eleições e os locais de votação. Barrichello também publica notícias de outras fontes de informação, como jornais e sites de associações de magistrados, sempre com autorização.

Por meio do Twitter (@JuizBarrichello), Barrichello divulga seu dia a dia a seus seguidores e também informações curtas que chegam até ele. Recentemente, o juiz publicou o encaminhamento de 80 tornozeleiras eletrônicas para o uso de presos na saída temporária no Natal, informação conseguida por ele na Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo. No dia seguinte, o assunto virou notícia na Folha de S.Paulo.

Sugestões e críticas
Nos três anos de site, o juiz de Limeira só recebeu uma crítica de um réu que considerou injusto publicar a decisão que o condenou. Os primeiros elogios partiram dos advogados. Depois, jornalistas, estudantes e outros pesquisadores da área, que utilizam o site como fonte de informação também aprovaram a iniciativa do juiz. “Sei de pessoas que prestaram concursos e que não faziam a menor ideia de como era formatada uma sentença”.

Alguns colegas magistrados também se manifestaram positivamente em relação ao blog. O sucesso do site pode ser comprovado pelo número de acessos. Segundo Barrichello, o endereço possui de 1.500 a 1.700 acessos diariamente, de segunda a sexta. No fim de semana, a média cai para 500 acessos por dia.

Divulgação dos atos
Para Barrichello, a postura dos juízes com relação a divulgação dos atos da Justiça está mudando. "Alguns julgadores não gostam de falar sobre suas decisões, pois não querem que isso afete a sua imparcialidade ou mesmo para manter uma equidistante da sociedade. Mas a publicação das sentenças não é prejudicial. O problema é falar sobre o caso antes do julgamento, o que pode gerar um impedimento, uma suspeição. É preciso divulgar as informações, mas com critério."

O juiz de Limeira, que não se considera comentarista ou colunista. Ele destacou que nunca enfrentou esse tipo de problema. "Quando faço algum comentário no blog ou no Twitter, é sobre alguma questão que afeta a magistratura, mas procuro apenas informar, mencionando casos já decididos."

Enquanto alguns juízes possuem receio do pré-julgamento, outros alegam também falta de tempo ou mesmo falta de "intimidade" com as ferramentas da internet. "É normal os juízes e advogados mais novos estarem mais familiarizados com a internet. Mas a idade não é um impedimento." Além de atuar na 2ª Vara Criminal de Limeira, atualizar o blog e trocar informações no Twitter, Barrichello também divide seu tempo dando aulas de Processo Penal na Associação Limeirense de Educação uma vez por semana.

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