RETROSPECTIVA 2010

Ministério Público não é apenas um órgão de acusação

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17 de dezembro de 2010, 12h00

 

Este texto sobre o Ministério Público faz parte da Retrospectiva 2010, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

 

André Luís Alves de Melo - SpaccaSpacca" data-GUID="andre_luis_alves_melo.jpeg">

O Ministério Público passou a ocupar um lugar de destaque na imprensa e no meio jurídico após a Constituição Federal de 1988. Hoje tem sido a carreira mais procurada nos concursos jurídicos e a que tem se saído melhor nas pesquisas de reconhecimento pela sociedade. Mas, nem tudo são flores!

Nesse sentido, muitos ainda acham que o Ministério Público é um Mistério Público. Explicar as atribuições do Ministério Público e diferenciar das da advocacia e da magistratura é algo bem complexo. Em geral, pode-se simplificar dizendo que o Ministério Público é uma espécie de fiscal, que pode exercer suas funções ajuizando ações ou atuando extrajudicialmente, além de fiscalizar até mesmo o Judiciário. Também não é um advogado, pois não é assistente jurídico da parte, afinal exerce uma função de controle estatal e não de assessoria.

Outrossim, a atividade extrajudicial não é bem vista pelo conservadorismo jurídico, ainda focado em uma visão “forumcêntrica”, pois assim é o inconsciente coletivo e acadêmico no Brasil: focado no fórum judicial.

Embora a sociedade conheça o trabalho do Ministério Público, ainda não consegue entender bem o que seria Ministério Público. A própria nomenclatura dos cargos do Ministério Público já provoca grande confusão na população: procurador de Justiça, promotor de Justiça, procurador da República e o chefe tem o nome de Procurador-Geral. Outra dificuldade interna é a definição de quais atividades podem ser delegadas para servidores, o que ainda não foi resolvido e tende a provocar gargalos e conflitos a médio prazo.

Isso decorre da própria falta de comunicação que imperou por muito tempo no meio jurídico. As pessoas tendem a achar que o meio jurídico cria as normas, em vez de cumprir as normas feitas pelo Legislativo. Ou seja, quanto ao Legislativo, o trabalho de elaboração de leis tende a aparecer menos que a atividade de liberação de verbas para construção de praças, quadras, escolas e outros, o que não é uma atividade típica legislativa.

Em geral, o meio jurídico não consegue diferenciar o conceito de marketing do conceito de jornalismo. Porém, este divulga fatos, e o primeiro explica o que é a instituição e os seus serviços. No entanto, marketing é mais caro, pois tem que ser pago, pois não é a notícia apenas. Em razão disso, as pessoas sabem o que o MP faz em casos concretos, mas não entendem muito bem o que é Ministério Público, o que é agravado quando a instituição não tem sede própria e funciona nos fóruns.

Observa-se nesses mais de 20 anos do Novo Ministério Público que o seu trabalho trouxe muita transformação social e muita polêmica. De um lado, o apoio amplo da sociedade e da imprensa, mas por outro lado gerou ódio e ciúme em outras carreiras jurídicas e também nos setores privilegiados da sociedade que se sentiram prejudicados, inclusive, políticos e seus financiadores de campanhas.

O Ministério Público não é apenas um órgão de acusação como muitos acham, mas sim uma Instituição de Defesa da Ordem Jurídica e do Regime Democrático. Logo, o seu papel não é apenas punitivo. Deveria ajuizar mais ações declaratórias e medidas de inclusão social, atuando preventivamente, e não apenas punitivas.

Este debate é forte internamente, inclusive com mudança no papel do Promotor Criminal, o qual não pode ser mais um mero despachante de denúncias e deve atuar na segurança pública como um todo, visando mais resultados e até mesmo a disponibilidade da Ação Penal em delitos cometidos sem violência, além de se ampliar as hipóteses de delação premiada e estender para a confissão. Em suma, um Ministério Público mais deliberativo e menos requerente judicial.

Sem dúvida, ocorreram alguns desvios individuais e também estrelismos, mas esta situação tem sido repudiada internamente e diminuiu bastante atualmente. No entanto, mudanças estruturais ainda precisam ser feitas, mas estão sendo implementadas lentamente, pois as Instituições Jurídicas são em geral conservadoras e toda mudança estrutural implica em troca do eixo de poder. A simples informatização de processos pode expor alguma ilha de improdutividade ou até mesmo extinguir a função de quem “fura, junta e numera folhas”. Logo, as resistências existem.

A participação popular ainda é insipiente, mas tem aumentado a quantidade de audiências públicas, preocupação com prestação de contas e outras medidas similares. Mas uma das maiores dificuldades é a falta de interesse do brasileiro no direito coletivo, pois apenas quer direito individual e que os deveres sejam coletivos e dos outros. Esta é uma questão social.

Contudo, pode-se verificar que o Ministério Público está seguindo o caminho certo e tanto é assim que se vê outras carreiras jurídicas querendo exercer as funções do Ministério Público, as quais, em geral, são realmente pró-ativas e instigantes.

Por outro lado, é preciso repensar a forma de seleção dos concursos e dos cursos, para evitar a mera memorização e valorizar mais a experiência, capacidade de trabalho e titulação, além de se exigir o aperfeiçoamento permanente. Isso tem sido discutido, mas não se consegue implantar por pressão interna.

O Ministério Público é uma Instituição que existe em todos os países democráticos do mundo e até mesmo na China, Rússia e outros países em desenvolvimento da democracia.

Mas, no Brasil, ainda é preciso que o Ministério Público avance muito, pois a parte de gestão ainda é feita de forma amadora, sem planejamento estratégico, sem análise de dados, sem mensuração de resultados, ausência de discussão sobre a segunda instância ministerial e muitas vezes acaba administrando na base do “achismo”. Este é um problema do meio jurídico, pois nunca teve que se preocupar com isto e nas faculdades de Direito não se foca nesta importante atividade. O Conselho Nacional do Ministério Público já iniciou estudo para reverter este quadro.

O Ministério Público, conhecido como MP, é uma instituição que tem amadurecido e o seu futuro depende da sua articulação com a sociedade e com as demais instituições políticas ampliando o diálogo, a prestação de contas e rompendo com os mitos. Isto tem sido acelerado ultimamente, embora não esteja ainda na velocidade ideal.

Como a atuação do Ministério Público é ampla e lida com temas que jamais são vistos em cursos de Direito como educação, saúde pública, alimentação e transporte escolar e outros temas, isto acaba demandando uma atuação integrada e mais lenta, porém, de efeitos amplos, os quais são realmente de natureza política e não apenas jurídica, o que implica até mesmo em atuar junto ao Legislativo para mudar ou implantar leis.

Por fim, é fato indubitável que o Ministério Público inovou em 1981 e 1985 ao conseguir a aprovação da Lei Ambiental e da Lei de Ação Civil Pública. E hoje, o MP inova ao discutir temas de relevância social e rompendo com a visão jurídica meramente patrimonialista que ainda prevalece, a qual associa justiça, propriedade e dinheiro (reparação).

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