Princípio da publicidade

Processo contra Ari Pargendler não corre em sigilo

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16 de dezembro de 2010, 11h25

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, determinou que o processo penal de um ex-estagiário contra o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ari Pargendler, não corra em segredo de Justiça. "Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República. Nada deve justificar a outorga de tratamento seletivo que vise a dispensar determinados privilégios, ainda que de índole funcional, a certos agentes públicos", afirmou ele. O processo por injúria contra o ministro foi aberto pelo estudante e ex-estagiário do STJ, Marco Paulo dos Santos, de 24 anos.

De acordo com a denúncia, o estudante sofreu agressão nos corredores do tribunal no último dia 19 de outubro. Segundo o estudante, ele estava na fila do caixa eletrônico do Banco do Brasil no STJ para fazer um depósito. Ele tentou usar um dos caixas, mas não conseguiu completar a transação. Informado por um funcionário do banco de que apenas uma máquina estava funcionando, ele se dirigiu para a fila onde o ministro Ari Pargendler usava um dos caixas. Neste momento, o ministro teria olhado para trás e começado a gritar: "Saia daqui, saia daqui, estou fazendo uma transação bancária", segundo relato do estudante.

De acordo com os autos, o ministro alega que dispõe de prerrogativa de foro, ratione muneris, perante o Supremo Tribunal Federal. Além disso, sustenta que cometeu, em tese, infração de menor potencial ofensivo.

Celso de Mello ressaltou que "nada deve justificar, em princípio, a tramitação, em regime de sigilo, de qualquer procedimento que tenha curso em juízo, pois, na matéria, deve prevalecer a cláusula da publicidade". O ministro lembrou que "os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério".

"É por tal razão que o Supremo Tribunal Federal tem conferido visibilidade a procedimentos penais originários em que figuram, como acusados ou como réus, os próprios membros do Poder Judiciário, pois os magistrados, também eles, como convém a uma República fundada em bases democráticas, não dispõem de privilégios nem possuem gama mais extensa de direitos e garantias que os outorgados, em sede de persecução penal, aos cidadãos em geral", assegurou o ministro.

"Na realidade, a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos, em seu artigo 5º, enunciou preceitos básicos cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, um modelo ideal do governo público em público", disse.

"Vale dizer que somente em caráter excepcional os procedimentos penais poderão ser submetidos ao (impropriamente denominado) regime de sigilo (rectius: de publicidade restrita), não devendo tal medida converter-se, por isso mesmo, em prática processual ordinária, sob pena de deslegitimação dos atos a serem realizados no âmbito da causa penal", ponderou o ministro.

Ele destacou o Inq 1.055/AM, também de sua relatoria, no qual entendeu plenamente aplicáveis, aos procedimentos penais originários instaurados perante o Supremo "as medidas de despenalização previstas na Lei 9.099/95, em ordem a viabilizar a ampliação do espaço de consenso em sede penal, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal".

O ministro ressaltou que, muito embora a Lei 9.099/1995 regulamente os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, está se tornando "imperioso observar que as regras legais nela contidas aplicam-se, também, às ações penais originárias, inclusive àquelas ajuizáveis, nos termos do art. 102, I, “b” e “c” da Constituição da República, perante o Supremo Tribunal Federal".

"Essa mesma orientação doutrinária sustenta a possibilidade de sua aplicação também a causas instauradas fora do âmbito do próprio Juizado Especial Criminal. É preciso ter presente que o estatuto disciplinador dos Juizados Especiais, mais do que simples regulamentação normativa desses órgãos, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal", disse ele sobre a Lei 9.099/95. Celso de Mello lembrou que ela gera soluções de índole consensual vocacionadas a permitir a pronta superação do litígio gerado pela prática da infração penal.

Dessa forma, "torna-se relevante considerar a circunstância de que a aplicação das regras contidas na Lei 9.099/95, nos casos de competência originária deste Supremo Tribunal Federal, traduz a concretização de um inequívoco programa estatal de despenalização", disse Celso. Ele completa dizendo que este programa é "compatível, ao menos em seus aspectos essenciais, com o novo paradigma de Justiça Criminal que se busca construir no âmbito de nosso ordenamento positivo, notadamente se se considerarem os fundamentos jurídicos, sociais e éticos que dão suporte ao Direito", finalizou.

O ministro afirmou não ver motivo para que estes autos tramitem em "segredo de justiça". Isso porque "inexiste expectativa de privacidade naquelas situações em que o objeto do litígio penal — amplamente divulgado tanto em edições jornalísticas quanto em publicações veiculadas na Internet — já foi exposto de modo público e ostensivo".

Leia aqui a decisão do ministro Celso de Mello.

Petição 4.848

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