Ataques no Rio

Juiz diz que cabe a juízo de Bangu julgar advogados

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15 de dezembro de 2010, 16h41

O juiz Rubens Casara, da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, decidiu suscitar conflito negativo de competência ao Tribunal de Justiça, em relação ao caso dos três advogados acusados de participação nos ataques sofridos pela cidade do Rio de Janeiro, em novembro. O caso foi distribuído automaticamente para a 43ª Vara, depois que o juiz da 1ª Vara Criminal de Bangu, bairro da zona oeste do Rio, declarou-se incompetente para continuar com a Ação Penal, mesmo depois de decretar a prisão dos acusados. Para Casara, a competência é do juiz de Bangu.

A defesa dos três advogados tentam conseguir um contramandado de prisão no Tribunal de Justiça para não serem presos. Desde que o juiz de Bangu decretou a prisão, os três não se apresentaram e são considerados foragidos. Antes da decisão do juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira declinar da competência, a defesa não havia conseguido liminar junto à relatora do Habeas Corpus no TJ, desembargadora Maria Helena Salcedo. No próximo sábado, o Tribunal entrará em recesso.

Na decisão desta quarta-feira (15/12), o juiz Rubens Casara explicou que a investigação que deu origem à Ação Penal contra os advogados Beatriz da Silva Costa de Souza, Flávia Pinheiro Fróes e Luiz Fernando da Costa tem como um de seus principais sustentáculos interceptações telefônicas autorizadas pela 1ª Vara Criminal de Bangu. Segundo dados do processo, foi no complexo de penitenciárias de Bangu que se obteve a informação de que uma das advogadas acusadas havia difundido as ordens dos ataques.

"A denúncia não indica a data em que se iniciou a organização criminosa, embora não exista dúvida de que as pessoas que acabaram denunciadas são as mesmas que já eram investigadas a partir da atuação do Ministério Público e do Juízo da 1ª Vara Criminal de Bangu", diz.

O juiz Rubens Casara cita o artigo 71, do Código de Processo Penal, para demonstrar que a 43ª Vara não é competente para julgar o caso. De acordo com o dispositivo, "tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção". Citando o professor Aury Lopes Jr., diz que "será competente o juiz que tiver antecedido os demais na prática de algum ato decisório, como o recebimento da denúncia" ou algum ato decisório na fase pré-processual como homologação da prisão em flagrante, decretação da prisão preventiva ou busca e apreensão.

No caso, o juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, de Bangu, havia recebido, no dia 26 de novembro, a denúncia contra os três advogados, além dos traficantes conhecidos como Marcinho VP e Elias Maluco. Ele também decretou a prisão dos advogados e a transferência deles a um presídio federal. Embora tenha declinado a competência na última semana, o juiz não se manifestou sobre os mandados de prisão contra os três, que são considerados foragidos.

O juiz da 43ª Vara Criminal do Rio lembrou que o fato de o juiz de Bangu ter afirmado sua competência para julgar o caso, além de determinar a prisão dos réus. "Todavia, em 6 de dezembro de 2010, de forma surpreendente, o Ministério Público em atuação junto ao juízo criminal da 1ª Vara Criminal de Bangu manifestou-se pela incompetência do respectivo Juízo", disse Casara na decisão.

"Por se tratar de crime permanente, em que a sua consumação se estende no tempo, o correto seria a aplicação do artigo 71 do Código de Processo Penal para fixação do juízo competente", explicou. O juiz disse, ainda, que, enquanto as pessoas estão associadas para o fim de praticar qualquer dos crimes relacionados ao tráfico de drogas, o delito encontra-se em plena consumação. "Qualquer dos lugares por onde passem é foro competente para a apuração do ocorrido", diz.

Nesta semana, a Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativa (Cdap) da OAB do Rio de Janeiro entrou com pedido para atuar como amicus curiae na Ação Penal. "Tendo em vista que a matéria versada nos autos diz respeito às limitações de sigilo das comunicações entre advogados e seus constituintes (artigo 7º, inciso III, da Lei 8.906/94), bem como a interpretação que se possa dar ao conteúdo de tais comunicações, é de suma importância o acompanhamento, pela Ordem dos Advogados do Brasil — seccional Rio de Janeiro, do presente feito", diz, na petição, a presidente da Cdap, Fernanda Tórtima.

O pedido não foi analisado pelo juiz Rubens Casara. No conflito negativo em que diz que a competência é do juízo de Bangu, o juiz diz que qualquer decisão proferida pela 43ª Vara Criminal no caso seria nula. "Aliás, pensar o contrário significaria reconhecer a incompetência absoluta do juízo da 1ª Vara de Bangu para todos os atos já praticados desde a fase de investigação preliminar", concluiu.

Leia a decisão

Decisão

Na forma do artigo 116 do Código de Processo Penal, suscito o presente CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA, nos próprios autos do processo em epígrafe, em razão dos argumentos expostos nos tópicos abaixo.

TÓPICOS:
I- Apresentação da questão (Breve relatório);
II- Do caso concreto;
III- Da competência pela prevenção;
IV- Conclusão.

I – Apresentação da questão (breve relatório).
O presente conflito se origina em ação penal proposta em face de BEATRIZ DA SILVA COSTA DE SOUZA, FLAVIA PINHEIRO FRÓES, LUIZ FERNANDO COSTA, MARCIO SANTOS NEPOMUCENO e ELIAS PEREIRA DA SILVA pela incidência comportamental no tipo do artigo 35 da Lei nº 11.343/06, em relação a todos os denunciados, e pela incidência comportamental no tipo penal do artigo 37 da Lei nº 11.343/06, na forma do artigo 69, do Código Penal, em relação ao primeiro, segundo e terceiro denunciados. Em atenção às normas de competência, a denúncia foi oferecida à 1ª Vara Criminal de Bangu. Registre-se que, nesse momento processual, o ilustre juiz titular do órgão jurisdicional da regional de Bangu não só afirmou sua competência como também determinou a notificação/citação e a prisão dos réus (e as respectivas transferências para presídios federais). Todavia, em 06 de dezembro de 2010, de forma surpreendente, o Ministério Público em atuação junto ao juízo criminal da 1ª Vara Criminal de Bangu manifestou-se pela incompetência do respectivo Juízo. Em 09/12/2010, o ilustre juiz titular da 1ª Vara Criminal da Regional de Bangu proferiu a decisão de fls. 240/246, na qual decidiu pelo declínio da competência em favor de uma das varas criminais da Comarca da Capital (fls. 240/246). O Ministério Público manifestou-se novamente às fls. 258/261.

II – O caso concreto
No caso em exame, o fato imputado, ou seja, o acontecimento naturalístico descrito na denúncia (a saber: Beatriz, Flavia, Luiz Fernando, Marcio e Elias terem se associado, ´de forma estruturada, com divisão de funções e evidente intenção de permanência´, em data não indicada na denúncia, para ´darem início a ações de caráter criminoso, práticas de violência contra cidadãos materializadas em verdadeiros atos de barbarismo´ – fls. 02-B/02-C), é crime permanente. E, nos termos da própria decisão de fls. 29/38, a associação criminosa, mais precisamente, ´alguns dos envolvidos (muito embora hoje afastados para outro Estado da Federação) já eram alvo de investigações dos Órgãos atrelados ao Ministério Público com atribuição nesta Regional justamente porque iniciaram as práticas criminosas no Complexo prisional de Bangu (Gecirinó), mantendo até a presente data contatos com muitos dos integrantes destes presídios em razão da fidelidade para com as respectivas facções´ (fl. 29).

Em apertada síntese: segundo a denúncia (´os denunciados ‘Marcinho VP’ e ‘Elias Maluco’ transferidos do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, (…) com o firme propósito de garantirem a continuidade de suas atividades criminosas´ – fl. 02-A) e diante do que se observa dos autos, a quadrilha que o Ministério Público afirma existir também atuava em Bangu. Frise-se, por oportuno, que a investigação preliminar que deu origem à ação penal tem como um de seus principais sustentáculos interceptações telefônicas autorizadas (e prorrogadas – fls. 176/177) pelo juízo da 1ª Vara Criminal de Bangu, em razão das pessoas investigadas agirem naquele bairro (note-se a informação ´reservada´ entranhada à fl. 175, na qual se afirma que, no Complexo de Penitenciárias de Gericinó, se obteve informação de que uma das acusadas, que é também advogada, ´difundiria ordens de líderes de facções criminosas´). Note-se: a) a quadrilha descrita na denúncia e a investigada em Bangu é a mesma; b) a quadrilha, por evidente, não passou a existir a partir dos recentes acontecimentos que antecederam a ocupação policial/militar no Complexo do Alemão e deram visibilidade midiática aos fatos; c) a denúncia não indica a data em que se iniciou a organização criminosa, embora não exista dúvida de que as pessoas que acabaram denunciadas são as mesmas que já eram investigadas a partir da atuação do Ministério Público e do Juízo da 1ª Vara Criminal de Bangu.

III – Da competência pela prevenção
O artigo 71 do CPP dispõe que: ´Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção´. AURY LOPES JR. destaca que: ´é importante não esquecer do artigo 71 do CPP. Quando forem vários os crimes, praticados em diferentes cidades, mas que pelas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, constituam uma continuidade delitiva (artigo 71 do Código Penal), a competência pelo lugar da infração será definida a partir da prevenção. A mesma regra também se aplica quando for um crime permanente, praticado em território de duas ou mais jurisdições. Nesses dois casos, será competente o juiz que tiver antecedido os demais na prática de algum ato decisório, como o recebimento da denúncia´. Prossegue o autor: ´Mas também será competente, em razão da prevenção, aquele que tiver praticado, na fase pré-processual, algum ato decisório, como a homologação da prisão em flagrante, a decretação da prisão preventiva ou temporária, ou, ainda, tiver decidido sobre alguma medida assecuratória ou mesmo busca e apreensão´.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro corrobora a aplicação do critério da prevenção para fixação da competência na hipótese de crime permanente:

HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO TEMPORÁRIA, POSTERIORMENTE CONVOLADA EM PREVENTIVA. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA OU POR INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO OU, AINDA, DE REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR, AO ARGUMENTO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECISUM E DE FALTA DOS PRESSUPOSTOS PARA A IMPOSIÇÃO DA MEDIDA. ARGUMENTAÇÃO INCONSISTENTE. EXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO PARA O OFERECIMENTO E RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. JUÍZO COMPETENTE. IMPOSSIBILIDADE DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INVIABILIDADE DA SOLTURA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM QUE SE DENEGA.1. Estando a denúncia ancorada em provas admitidas pela legislação processual penal, inclusive em gravações telefônicas interceptadas com autorização judicial e em declarações prestadas em sede inquisitorial por inúmeras testemunhas, não há que se falar em ausência de suporte probatório mínimo para o oferecimento e recebimento da denúncia, sendo descabido, portanto, o almejado trancamento da ação penal.2. Havendo suficientes indícios de que a quadrilha tinha como escopo a prática reiterada de crimes de tráfico de entorpecentes envolvendo as cidades de Muriaé-MG e Porciúncula-RJ, igualmente incabível se revela o pleito de trancamento da ação penal com fundamento em incompetência do juízo, porquanto, cuidando-se de infração permanente com desdobramento em dois ou mais locais diferentes, a competência firma-se pela prevenção, consoante inteligência do art. 71 do Código de Processo Penal.3. Achando-se bem fundamentado o decreto de prisão preventiva, e encontrando-se presentes os pressupostos legais para a sua efetivação, não só para a garantia da ordem pública – por se tratar de condutas extremamente graves, que colocam em risco o meio social, e para obstar que os envolvidos prossigam na empreitada delituosa, mantendo os quatro núcleos associativos voltados para a prática de ilícitos penais, mormente aqueles previstos na Lei de Drogas -, mas também por conveniência da instrução criminal – a fim de evitar que os réus, em liberdade, alterem a prova documental e influam no ânimo das testemunhas, resguardando-se, assim, a veracidade de seus depoimentos -, incabível se revela o acolhimento do pedido de revogação da custódia provisória dos pacientes.4. O fato de o paciente, segundo se alega, ser primário, ostentar bons antecedentes, possuir residência fixa e exercer ocupação lícita não lhe garante, por si só, o direito de responder ao processo em liberdade, se presentes os pressupostos para a imposição da custódia provisória, como ocorre no presente caso. 5. Ordem denegada (0041993-43.2008.8.19.0000 – 2008.059.08324 – HABEAS CORPUS – DES. JOSE AUGUSTO DE ARAUJO NETO – Julgamento: 22/01/2009 – SEGUNDA CAMARA CRIMINAL).

IV – Conclusão
Diante do exposto, não assiste razão nem ao Promotor de Justiça nem ao ilustre signatário da decisão de fls. 240/246. O Juiz prolator da decisão de declínio de fls. 240/246, s.m.j., equivocou-se ao aplicar a regra prevista no ´artigo 74 do Código de Processo Penal´ (fl. 246 – provavelmente a citação desse dispositivo legal se deu por erro material) e decidir pelo declínio de competência.

Isso porque, por se tratar de crime permanente, em que a sua consumação se estende no tempo, o correto seria a aplicação do artigo 71 do Código de Processo Penal para fixação do juízo competente. Vale dizer que, enquanto as pessoas estão associadas para o fim de praticar qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, ´caput´ e §1º e 34 da Lei nº 11.343/06, encontra-se o delito em plena consumação, e qualquer dos lugares por onde passem é foro competente para a apuração do ocorrido. Firma-se, então, a competência pela regra da prevenção.

Vale explicitar que, conforme afirma o próprio signatário da decisão de fls. 240/246, as práticas criminosas teriam se iniciado ´no Complexo Prisional de Bangu´ (fl. 29). Registre-se que dois dos acusados, após o início da empreitada criminosa, estiveram presos em Bangu e que todos foram investigados por atuarem, dentre outros locais, naquela região.

Assim, independente do local em que seria a ´base territorial da organização criminosa´, certo que os acusados já eram alvo de investigação pelo Ministério Público com atribuição na Regional de Bangu (porque teriam iniciado as práticas criminosas no Complexo Prisional de Bangu, conforme se depreende da decisão de interceptação telefônica deferida pelo i. Juiz daquela regional, em 28 de abril de 2010, nos autos do processo nº 0004257-24.2009.8.19.0204), prevento está o Juízo da 1ª Vara Criminal daquela Regional que, na fase preliminar, autorizou interceptações telefônicas e, na fase judicial, determinou a notificação/citação e decretou a prisão dos réus.

Diante da normatividade aplicável ao presente caso, qualquer decisão proferida por este Juízo nos autos do processo em epígrafe estaria contaminada por insanável vício de nulidade, posto que proferida por juiz absolutamente incompetente, uma vez que se trata de critério absoluto. Aliás, pensar o contrário significaria reconhecer a incompetência absoluta do juízo da 1ª Vara de Bangu para todos os atos já praticados desde a fase de investigação preliminar.

Evitando atrasar a prestação jurisdicional, só resta suscitar o necessário CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA, para que o Egrégio Tribunal de Justiça solucione o incidente. Subam os autos à superior instância.

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