Ecos de um erro

Família de Sean ainda espera por Justiça

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15 de dezembro de 2010, 9h58

Em 24 de dezembro de 2009, véspera de Natal, a família de Sean, em peso, o acompanhou ao Consulado Americano no Rio de Janeiro para, com lágrimas nos olhos e o coração na mão, cumprir a decisão do Ministro Gilmar Mendes, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, que determinara o imediato cumprimento de decisão da 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região no Rio de Janeiro. A decisão do Ministro Gilmar Mendes concedendo liminar para revogar decisão anterior do Ministro Marco Aurélio era questionável, mas tinha que ser cumprida. Sean tinha que ser entregue em território estrangeiro até às 9h da manhã daquela véspera de Natal, sob pena de ser arrastado por força policial, já de prontidão.

O Ministro Marco Aurélio, humana e cautelosamente, havia suspendido a decisão do TRF-2ª Região para que a Turma competente do STF examinasse o Habeas Corpus que objetivava a oitiva de Sean sobre sua vontade, nos exatos termos da Convenção de Haia, lei interna face à sua aprovação pelo Congresso Nacional. O TRF-2ª Região havia dispensado tal oitiva baseando-se, exclusivamente, em laudo inconclusivo elaborado por peritas indicadas pela Justiça Federal, e determinara o cumprimento imediato da entrega de Sean no Consulado, independentemente de qualquer recurso processual.

No dia de hoje continuam pendentes de julgamento os seguintes recursos no STJ e no STF: um Agravo Regimental contra a liminar concedida pelo Ministro Gilmar Mendes, o mérito de dois Habeas Corpus cujo relator é o Ministro Marco Aurélio e os Recursos Especial e Extraordinário interpostos contra a decisão colegiada do TRF-2ª Região. Dessa forma, não é verídica a afirmação de que “depois de 5 anos, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o menino Sean fosse repatriado aos Estados Unidos ”, como vem sendo amplamente propalado na imprensa internacional e constou da fala do Ministro Paulo Vannuchi em recente conclave realizado em Brasília. A matéria ainda está sub judice nos tribunais brasileiros.

Também não é verídica a afirmação de que “Sean foi trazido ao Brasil por sua mãe, sem autorização de seu pai”. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, decidiu, em ação movida pelo pai da criança, que a permanência de Sean no Brasil em companhia de sua mãe era absolutamente legítima. Esta decisão só não transitou em julgado ainda por causa dos diversos incidentes que vêm sendo suscitados no STF, contra a decisão do STJ que inadmitiu o Recurso Extraordinário interposto pelo pai de Sean.

Infelizmente, a questão transbordou os limites de uma questão de família e se transformou num assunto midiático de contornos internacionais. Envolvimento de altos escalões de país estrangeiro se fez presente. E, no Brasil, quem representou judicialmente os interesses do pai biológico de Sean foi a própria União Federal por meio da Advocacia Geral da União.

Alguns fatos ocorridos demonstram o açodamento no cumprimento da decisão do Ministro Gilmar Mendes. O passaporte de Sean, um cidadão brasileiro nato, estava acautelado na Justiça Federal e o menino foi levado a um país estrangeiro sem esse documento comprobatório de sua cidadania. A Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF), órgão da Secretaria da Defesa dos Direitos Humanos que deveria executar no Brasil a decisão judicial, não estava presente ao ato de entrega de Sean, como era de seu dever. Do Consulado Americano, Sean foi levado ao aeroporto e transportado numa aeronave particular arrendada por uma emissora de televisão americana, que se incumbiu de exibir as imagens de Sean como um troféu para o mundo inteiro. Nenhuma autoridade brasileira se sentiu atingida por tal irregularidade.

Desde que foi levado para os Estados Unidos, a Sean não foi permitido ter qualquer encontro ou contato físico com sua família brasileira, especialmente com sua irmã caçula, ambos órfãos de mãe. Houve uns poucos e breves telefonemas que foram se espaçando até desaparecerem de vez. A Justiça de New Jersey, onde hoje Sean reside, não permite sequer a aproximação dos parentes brasileiros. O pai biológico se recusa a receber os representantes consulares brasileiros. Não se sabe de nenhuma providência específica que esteja sendo tomada para coibir tal desrespeito às relações diplomáticas dos dois países. E, nem de longe, as autoridades americanas equivalentes à ACAF brasileira dão reciprocidade à cooperação que dela receberam.

O Brasil foi acusado, injustamente, de desrespeitar a Convenção de Haia. Essa Convenção prevê duas situações: a repatriação de crianças sequestradas e o direito de visitação dos familiares. Ao não permitir, nesse estágio, o exercício do direito de visitação dos parentes brasileiros, são as autoridades constituídas dos Estados Unidos que estão desrespeitando a Convenção.

Roguemos para que todas as autoridades competentes dos dois países tenham a sensibilidade de perceber que duas crianças estão sendo severamente punidas: Sean e sua pequena irmã Chiara. Que, da mesma forma pela qual o mundo civilizado se insurgiu contra a pena de morte por apedrejamento de uma mulher no Irã, levante a voz para confortar duas crianças inocentes, vitimas da intolerância de quem agora cuida de Sean e da indiferença das autoridades que não quiseram, nem querem ouvi-lo.

O dia em que o WikiLeaks der à luz os telegramas em que os diplomatas americanos revelaram suas negociações para tirar do Brasil o jovem Sean, é possível que alguns brasileiros não se orgulhem do que fizeram nem do que seus compatriotas saberão.”

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