Recurso incompleto

Ação Penal contra juiz Fernando Rocha é suspensa

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1 de dezembro de 2010, 19h18

As peças do Agravo de Instrumento essenciais para provar a controvérsia devem ser apresentadas no momento da interposição do recurso. Caso contrário, o Agravo não pode ser aceito. O entendimento é do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que, reconsiderando decisão anterior, suspendeu liminarmente a Ação Penal contra o juiz Fernando Miranda Rocha, acusado de venda de sentença. O ministro também afirmou que o ônus de fiscalizar a correta formação do Agravo é do agravante, no caso, o Ministério Público de Mato Grosso.

A defesa do juiz pediu reconsideração de um Habeas Corpus enviado ao Supremo, e analisado pelo ministro Gilmar Mendes, que foi indeferido. No HC, o advogado do juiz Fernando Miranda, Alberto Zacharias Toron, do escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados, afirmou que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, contrariando a jurisprudência dominante, acolheu Agravo do Ministério Público de Mato Grosso que não trazia a denúncia contra o juiz.

Pelas regras atuais, o Agravo tem de ser acompanhado de cópias de diversos documentos. Decisões anteriores do STJ afirmam que a falta de qualquer peça obrigatória deve levar ao não conhecimento do recurso. No pedido de reconsideração, a defesa do juiz alegou que houve ilegalidade no procedimento, pois a denúncia que se queria ver recebida não foi juntada pelo MP na formação do Agravo. Isso só aconteceu quando o recurso já estava no STJ, após o ministro Og Fernandes, relator do caso, recebê-la por de e-mail enviados pelo desembargador Jurandir Castilho, relator da Ação Penal no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

"O que se aponta na impetração (…) é que só se alcançou tal suficiência documental com a juntada da denúncia quando o Agravo já estava no STJ. Portanto, a destempo e de forma anômala, para não dizer insólita, uma vez que a ‘operação cirúrgica’ da juntada foi feita por desembargador que votara vencido no TJ-MT e não pelo órgão recorrente, como se poderia esperar", afirma o advogado no pedido de reconsideração.

A defesa apontou ainda que o próprio ministro Og Fernandes, em outros julgados do STJ, tem decidido que "a regular formação do instrumento é ônus exclusivo do agravante, que deve zelar pela fiscalização e pelo correto processamento do Agravo, instruindo-o com cópias íntegras das peças elencadas no artigo 544, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil". Logo, não caberia ao desembargador vencido do TJ-MT enviar a peça ao relator do caso no STJ. "A decisão que transformou o Agravo de Instrumento em Recurso Especial, quando lhe faltava peça essencial, é, data venia, ilegal e fere de morte a garantia do devido processo legal", destacou a defesa.

Em sua decisão, o ministro Gilmar Mendes afirma que "as peças do instrumento, necessárias ao deslinde da controvérsia, devem ser apresentadas no momento da interposição do Agravo, conforme preceitua o artigo 544, parágrafo 1º, do CPC. A sua ausência implica o não conhecimento do recurso". O ministro também citou a jurisprudência firmada pelo STF no sentido de que o "ônus de fiscalizar a correta formação do instrumento é exclusivo do agravante". "A possibilidade de juntada extemporânea da denúncia, determinada pelo relator do Recurso Especial, deverá ser analisada pelo Colegiado do Supremo Tribunal Federal."

O caso
O juiz Fernando Miranda Rocha foi denunciado pelo MP de Mato Grosso pela prática de crime de corrupção. O órgão acusou o magistrado de violar regras de competência judiciária ao proferir sentença desfavorável a um menor. A denúncia também afirmou que o juiz estava impedido de atuar na ação, uma vez que sua mulher seria advogada na causa.

A representação foi feita pelo procurador de Justiça Paulo Ferreira Rocha ao TJ-MT em 2005. De acordo com o MP, o juiz participou de um esquema para garantir a permuta de um apartamento, no bairro Jardim das Américas, em Cuiabá, que estava em nome de um menor de idade. O caso envolve a mulher do juiz, a advogada Elizabete Lima Miranda Rocha. A denúncia relata que a mãe do menor, Alcione Caso Zeferino, representada por Elizabete, tentou, sem sucesso, trocar o imóvel que estava no nome do filho por uma casa do comerciante Renato de Freitas Santana, localizada no bairro Shangri-la.

As investigações apontaram que Alcione era dependente química e queria fazer a permuta com o imóvel de menor valor para usar o dinheiro para comprar drogas. Depois de não conseguir posicionamento favorável do promotor de Justiça de Cuiabá, os denunciados forjaram um endereço falso para Alcione, em Várzea Grande, segundo o MP. A partir daí, tentaram conseguir a decisão favorável na comarca da cidade, onde atua o juiz Fernando Rocha. Em outra representação assinada pelo advogado Elarmin Miranda que, segundo o procurador de Justiça, seria "compradre" do juiz, eles protocolaram o pedido na Comarca de Várzea Grande.

Depois disso, acusa o MP, o juiz distribuiu o processo para si mesmo e determinou que o Ministério Público Estadual se manifestasse sobre o pedido. Desta vez, o então promotor José Zuquetti deu parecer favorável aos acusados. De acordo com a denúncia, a permuta dos imóveis teria rendido a Alcione R$ 40 mil. Desse valor, R$ 20 mil teriam sido repassados à mulher do juiz, a título de honorários advocatícios, mesmo que a peça protocolada na Justiça de Várzea Grande tenha sido assinada por outro advogado.

Por maioria de votos, o TJ-MT rejeitou a denúncia, ao considerar que não há prova sobre vantagem ilícita obtida pelo juiz no caso. O MP de Mato Grosso entrou com Recurso Especial, sob o argumento de que foi negada vigência ao artigo 43, inciso I, do Código de Processo Penal. Pelo pedido envolver reexame de provas, o vice-presidente do TJ-MT, desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, negou o recurso.

Inconformado com a decisão, o MP interpôs Agravo de Instrumento no Superior Tribunal de Justiça, aceito pela 6ª Turma e convertido em Recurso Especial. Pórém, segundo a defesa, faltou uma peça essencial no recurso, sobre a qual recaía toda a controvérsia recursal: a denúncia oferecida contra o juiz.

Limites do Recurso Especial
No HC, a defesa afirmou que o juiz sofreu constrangimento ilegal pela 6ª Turma do STJ, que, ignorando a Súmula 288 do STF e transpondo os limites constitucionais do recurso de natureza extraordinária, revolvendo provas, proveu Recurso Especial do Ministério Público de Mato Grosso contra acórdão do TJ-MT.

A defesa alegou ainda que houve violação aos limites constitucionais do Recurso Especial. Isso porque a denúncia foi rejeitada pelo TJ-TM após análise do despacho que autorizou a permuta, que teve por base a concordância do representante do Ministério Público e o Recurso Especial não comporta o revolvimento de provas.

O MP afirmou que é de duvidosa licitude a forma como os valores foram auferidos pela mulher do juiz. Mas o tribunal entendeu que o exame dessa "duvidosa licitude" só poderia ser feito com o revolvimento de provas, o que é vetado pela Súmula 7 do STJ. "Era visível o intuito de se rediscutir provas. (…) porque para o v. acórdão do TJMT o recebimento dos honorários, no contexto da prova, tal como ali discutida, foi lícito."

Clique aqui para ler a decisão do ministro Gilmar Mendes.
Veja também o Habeas Corpus enviado ao STF e o pedido de reconsideração.

HC 105.948

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