Luto na imprensa

Jornal do Brasil circula em papel pela última vez

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31 de agosto de 2010, 18h26

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Jornal do Brasil - Reprodução

Circula nesta terça-feira (31/8) pela última vez a edição impressa do Jornal do Brasil, fundado há 119 anos, no Rio de Janeiro. De agora em diante, o JB terá apenas a versão online, uma forma de superar os problemas financeiros da empresa. O passivo acumulado chega a R$ 800 milhões, em dívidas trabalhistas e fiscais, de acordo com notícia do O Estado de S.Paulo.

A crise financeira se agravou na década de 1990 até que, em 2001, a família Nascimento Brito arrendou a marca JB para a Docasnet, empresa de Nelson Tanure. No ano passado, outra marca de jornal arrendada pelo empresário, a Gazeta Mercantil, deixou de circular.

Na sua página na internet, o JB — que chegou a tirar 230 mil exemplares aos domingos no fim dos anos 60 — lista 50 pontos sobre a nova fase do jornal. Num deles, se vangloria de ser o primeiro jornal 100% digital, garante que 150 pessoas estarão envolvidas no processo digital e que "o Jornal do Brasil está caminhando para uma nova e melhor fase". Mas, na redação, o clima era de luto. Dos 50 jornalistas que trabalham na casa, só 10 devem ficar na versão digital. Procurado pela reportagem do Estadão, o empresário Nélson Tanure não quis falar.

Pedro Grossi, que presidia o jornal, foi contra a decisão de acabar com o jornal em papel. "Não posso avaliar nem fazer juízo sobre a opinião do dono. Ele acha que o tecnológico será mais lucrativo", lamentou. Segundo Grossi, o jornal estava com tiragem de 30 mil exemplares (desde 2008, o JB não era auditado pelo Instituto Verificador de Circulação, IVC).

Vanguarda
Em reportagem publicada pela Agência Brasil, o jornalista Israel Tabak destacou a importância do JB durante a ditadura militar pós-64, quando o jornal adotou uma posição independente do governo. “A saída de circulação do Jornal do Brasil é uma tragédia para a imprensa brasileira. O JB foi o primeiro a valorizar a reportagem e a qualidade da informação. Mesmo na ditadura, conseguimos driblar a censura, fazendo matérias com denúncias sociais, que mostravam os problemas do Brasil, mesmo numa época triste como aquela. Eu conseguia fazer denúncias, mas não era preso, porque a direção do jornal dava respaldo”, contou Tabak.

O JB detinha tanta confiança de seus leitores, que servia como referência política e cultural, segundo lembrou o jornalista José Antônio Gerheim, que trabalhou no jornal na década de 80. “O grande valor do Jornal do Brasil era a credibilidade. Uma manchete do JB tinha a confiança irrestrita dos leitores. Se alguém dissesse: deu no Jornal do Brasil, encerrava a discussão”, lembrou Gerheim.

O colunista do jornal O Globo, Ancelmo Gois, que trabalhou seis anos no JB, lamentou a perda da versão impressa. “O JB foi, durante um tempo, o jornal mais influente, o mais vanguardista, o mais inquieto e o mais polêmico jornal brasileiro. Reunia uma redação de grandes jornalistas. Muitos deles viraram nomes de ruas, como Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, João Saldanha, Carlos Drummond de Andrade”, disse Gois.

Na última edição impressa, a empresa justifica a migração para o formato digital como resultado da evolução da mídia, para conter custos econômicos e até por questões ecológicas, ao se evitar a derrubada de árvores, usadas na fabricação do papel. Nos primeiros 15 dias, o acesso ao conteúdo do jornal digital será gratuito. Após este período, será cobrada uma mensalidade de R$ 9,90 para se ter acesso às informações.

O diretor de Administração e Tecnologia do JB, Humberto Tanure, prometeu que não haverá demissões de jornalistas e que a redação deverá ser mantida com 70 profissionais, podendo crescer no futuro, com a incorporação de novas plataformas, como leitores digitais, chamados de tabletes, e os telefones celulares com acesso à banda larga, os smartphones.

“A empresa sempre apostou na modernidade. A inovação está no DNA do JB e esta é mais uma etapa em que estamos acompanhando o que acontece na imprensa brasileira e mundial. A tendência de migrar do papel para os bits e bytes é irreversível e nós tomamos a iniciativa de ir na frente”, afirmou Tanure.

Segundo ele, o conteúdo do JB estará acessível em tabletes dentro de um mês e nos smartphones até o final do ano.

Protesto
Jornalistas promoveram nesta terça um protesto contra o fim da edição impressa do Jornal do Brasil. A manifestação organizada na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, reuniu cerca de 200 pessoas. A presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, Suzana Blass, lamentou a decisão da empresa e demonstrou preocupação com as prováveis demissões de funcionários.

“A empresa afirmou que aproveitaria 65 jornalistas, mas nós fizemos uma conta e concluímos que são 33 profissionais, entre estagiários e jornalistas formados que serão aproveitados. Para o mercado, o fim da edição impressa significa menos uma fonte de informação e de opinião. Para a história do jornalismo no país é como jogar nossa memória no lixo, pois o JB sempre teve uma grande importância cultural e política no cenário nacional”, afirmou Suzana.

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