Dignidade humana

Direitos de personalidade valem mesmo na vida privada

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29 de agosto de 2010, 13h21

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7.202/2010, que inclui o assédio moral como acidente de trabalho. Caso o PL seja aprovado, o trabalhador que adoeça por ter sido vítima de assédio moral receberá o benefício previdenciário durante o período de seu afastamento do emprego, a indenização decorrente de acidente de trabalho e poderá como gozar de estabilidade durante um ano após retomar suas atividades normais. É o que prevê a Lei 8.213 de 1991, conhecida como Plano de Benefícios Previdenciários, nos casos dos acidentes de trabalho. O projeto também prevê a não exigência da Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT) para a concessão do benefício.

Trata-se de iniciativa legislativa extremamente justa e adequada, visto que o assédio moral, seja por ação ou omissão, traduz conduta abusiva e lesiva, praticada de forma repetitiva e prolongada e que interfere diretamente no ambiente de trabalho. Pretender a exclusão do trabalhador ou de um superior hierárquico do emprego é um objetivo bastante comum neste tipo de prática. O assédio mina a auto-estima do trabalhador, atenta contra a sua dignidade moral, física e psíquica e o expõe a situações de humilhação, isolamento e constrangimento.

No passado, conceituar o assédio moral era extremamente difícil por conta da confusão estabelecida com certos conflitos pontuais como estresse, excesso de trabalho, exigências no cumprimento de metas, falta de segurança e situações de risco ou ergonomicamente desfavoráveis. Hoje, a doutrina tem sido praticamente unânime quando exige que, para a caracterização do assédio moral, sejam atingidos o âmago e a dignidade das pessoas envolvidas, gerando a perda da confiança depositada na empresa, na hierarquia ou nos próprios colegas.

A falta de comunicação direta no trabalho, a desqualificação, o descrédito, o isolamento, a obrigatoriedade ao ócio, o vexame, a indução ao erro, a mentira, o desprezo, o abuso de poder, a rivalidade, a omissão da empresa em resolver o problema ou o estímulo de métodos de trabalho perversos são atos que podem configurar a prática de assédio moral. Na atualidade, existem inclusive estudos sobre a utilização do assédio como forma de gestão de Recursos Humanos incentivadora do individualismo e da intensificação do trabalho.

O assédio moral pode ser individual ou coletivo. Este último ocorre quando atinge toda a coletividade. Práticas anti-sindicais e intimidações para que os trabalhadores aceitem condições de trabalho consideradas prejudiciais, são os melhores exemplos de assédio moral coletivo.

A dor, a humilhação e a ausência de harmonia no ambiente de trabalho conduzem o trabalhador ao adoecimento e ao isolamento, podendo resultar no seu afastamento em definitivo do trabalho. Os trabalhadores, independente de sexo, passam a conviver com depressão, distúrbios do sono, hipertensão, distúrbios digestivos, tremores, palpitações, dores generalizadas, alteração da libido e pensamentos ou tentativas de suicídios. Recentemente tivemos notícia do caso de um bancário, no Rio de Janeiro, que sofreu um infarto e morreu após ter sido descomissionado pelo banco sem qualquer justificativa. É exatamente no adoecimento proveniente do assédio moral, incapacitando o empregado ao trabalho, que se justifica a proposta de lei que passa a incluí-lo no rol de doenças equiparáveis aos acidentes de trabalho, previstos no Plano de Previdência Social.

Lamentavelmente, ao lado do assédio moral aparece o assédio sexual que, no entanto, não se confunde com o primeiro, mas produz os mesmos efeitos indenizatórios e punitivos. A Constituição Federal assegurou de forma imperiosa a inviolabilidade da intimidade, da honra e da vida privada do cidadão, sendo que na hipótese do assédio sexual há, ainda, a tipificação de crime. Chantagens, como prometer a manutenção do emprego, a promoção no cargo ou função ou a concessão de privilégios trabalhistas em troca de favores de natureza sexual, caracterizam esta modalidade de assédio. Será tida, também, como assédio sexual a permissão de atos ofensivos e brincadeiras com conotação sexual, gerando constrangimento no local de trabalho.

Em decisão inédita, o Tribunal Superior do Trabalho condenou uma empresa a indenizar uma funcionária que alegou ter sido assediada sexualmente no trabalho pelo gerente da agência onde trabalhava. A relatora do processo, a Ministra Dora Maria da Costa, se baseou no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal e no artigo 932, inciso III, do Código Civil. Para a ministra, “a relação de ascendência profissional era inconteste, tendo em vista o cargo de gerente ostentado pelo assediador e a prestação de serviços de vigilância bancária, por meio de um contrato de terceirização de serviços”.

Os direitos da personalidade, inseridos na ampla definição de direitos de natureza extra-patrimonial, são direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal e decorrem de princípios constantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Trata-se, antes de tudo, de proteção da dignidade do ser humano. O Estado e os cidadãos, mesmo nas relações privadas, devem respeitá-los.

As denúncias sobre práticas de assédio moral e sexual deram conhecimento à sociedade sobre a perversidade do ato e da necessidade de se coibir a prática do terrorismo psicológico. As decisões judiciais sobre o tema passaram a se constituir em elementos inibidores do assédio moral e sexual. Existem vários projetos de lei sobre a matéria, sendo, portanto, extremamente pertinente o PL que transforma a doença provocada pelo assédio moral como acidente de trabalho.

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