Contribuições técnicas

Reformas do Judiciário efetivam direitos da cidadania

Autor

  • Rogerio Favreto

    é advogado procurador de carreira ex-procurador-geral do município de Porto Alegre (1997/2004) e ex-secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2007/2010).

25 de agosto de 2010, 19h30

A Secretaria de Reforma do Judiciário, criada pelo Presidente Lula, em 2003, depois de cumprir a missão de induzir e agilizar a reforma constitucional, efetivada pela Emenda Constitucional 45, de 2004, avançou no estabelecimento de um novo patamar de diálogo e cooperação com as diversas instituições que compõem o sistema de Justiça brasileiro. Constitui-se como o grande órgão de articulação e pactuação para a continuidade das reformas normativas e a promoção de políticas públicas de efetivação de direitos da cidadania.

A prioridade da democratização do acesso à Justiça não poderia ser conduzida sem a participação efetiva e propositiva da Ordem dos Advogados do Brasil. Essa foi a primeira repactuação da nossa gestão, conferindo papel de destaque à tradicional e representativa entidade dos advogados e da sociedade civil, em especial nas lutas históricas desde o combate à ditadura, passando pela redemocratização do país até as mais recentes batalhas de impeachment de Presidente da República e aprovação do Projeto Ficha Limpa.

A presença da OAB nas reformas normativas deu-se pela atuação concreta nos projetos de leis e pela participação nos momentos de sanção e veto, por meio de suas contribuições técnicas em pareceres ou negociações políticas. Com o propósito de prevenir conflitos futuros e melhor harmonizar as propostas de reformas constitucionais e legais, em todas as comissões técnicas e de juristas coordenadas pelo Ministério da Justiça, a OAB teve assento, colaborando com significativas proposições, ao lado dos representantes da magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública. Como exemplos, registramos as Comissões de Juristas dos Recursos no CPP (2007), para aperfeiçoamento da Lei das Interceptações Telefônicas (2008), da revisão da Lei de Abuso de Autoridade (2009), da Nova Lei da Ação Civil Pública (2008/09) e do Direto do Trabalho (2008/10).

Uma das provas mais evidentes da cooperação e respeito à classe profissional da advocacia, foi a edição da Lei da Inviolabilidade do Direito de Defesa, que perpassa a tradicional proteção aos escritórios de advocacia de eventuais atos de autoritarismo, abuso de autoridade e até o simples erro de ação do Estado. A Lei 11.767/08 foi aprovada após intenso debate público no Congresso Nacional e reflete a evolução da humanidade, assegurando o livre direito de defesa consignado no texto constitucional como expressão do novo tempo de avanço civilizatório, revogando as ações autoritárias de um passado recente, já extirpadas pelo Brasil democrático. Mesmo os pontuais vetos, decorrentes de ajustada negociação política entre o Governo Federal e a OAB, onde tive oportunidade de contribuir na intermediação e pactuação, não afetaram a essência da lei e permitiram a melhor compreensão e aceitação dos demais operadores do Direito[1].

A mais recente vitória da cidadania brasileira também teve a liderança forte da OAB, juntamente coma CNBB e outras entidades de classe, além da sociedade civil organizada e milhões de brasileiros anônimos, na apresentação do Projeto Ficha Limpa. A iniciativa popular com o expressivo número de mais de quatro milhões de cidadãos diretamente empenhados nessa mudança permitiu a aprovação no próprio ano eleitoral, forçando a classe política cortar na própria carne em função dos apelos populares. Assim, a Lei Complementar 135/10, denominada Ficha Limpa

“é uma continuidade da exitosa experiência da Lei 9.840/99, também de iniciativa popular, que introduziu um novo marco na política brasileira e fundamentou importantes decisões da Justiça Eleitoral para afastar de seus cargos governadores, prefeitos e vereadores envolvidos em práticas de abusos – sejam políticos ou econômicos”.[2]

Esperamos, assim, construir um futuro mais digno para nossas instituições e formar uma classe política primada pela ética e pelo prestígio do interesse social e público.

Em pouco mais de um ano de execução do II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais Acessível, Ágil e Eficiente, assinado em 13 de abril de 2009 pelos chefes dos Poderes, possibilitou priorizar diversas proposições legislativas tendentes a assegurar maior efetividade ao reconhecimento dos direitos, democratização do acesso à Justiça e à rapidez da prestação jurisdicional.

Como conquistas pontuais reivindicadas há muito tempo pela OAB, anotamos as alterações processuais pontuais da possibilidade de carga rápida aos advogados pela alteração do artigo 40 do CPC (Lei 11.969/09) e a autenticação de cópias pelos próprios advogados no processo trabalhista (a nova redação do artigo 830 da CLT foi conferida pela Lei 11.925/09). Esses avanços específicos, mas de grande funcionalidade processual, somente foram viabilizados pela priorização dos projetos de leis no II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo, que consignou dentre seus compromissos estruturais “fortalecer o exercício do direito fundamental à ampla defesa e da advocacia”[3].

Outra frente de atuação conjunta do Ministério da Justiça e a OAB foi o apoio ao fortalecimento da Defensoria Pública, numa dimensão ampliada da composição da entidade por todas as carreiras públicas e privadas de exercício da atividade de advocacia, onde os defensores públicos são, antes de tudo, advogados habilitados pela inscrição profissional. O apoio e compromisso da OAB com a defesa e assistência jurídica gratuita às pessoas carentes foi fundamental na aprovação da nova Lei Orgânica da Defensoria Pública, a LC 132/09, em mais uma ação convergente com as políticas do Ministério da Justiça. Tanto que defendemos o veto do parágrafo 2º do artigo 26 do Projeto de Lei, por excluir a exigência de inscrição dos defensores públicos junto à OAB. Cabe sublinhar a evolução desse estatuto, por conferir e exigir um elevado padrão de atuação da instituição da Defensoria Pública, com fiscalização social por ouvidorias e priorização de atendimento nas regiões do país com Índice de Desenvolvimento Humano mais baixo.

Já no plano das políticas públicas, singular foi a parceria da OAB, por meio da Escola Nacional da Advocacia com a Secretaria de Reforma do Judiciário na capacitação dos advogados em técnicas de mediação e composição de conflitos, objetivando incorporar novos conhecimentos técnicos de preparação para atuação extrajudicial e na conciliação judicial. O curso nacional que contemplou advogados, professores e dirigentes das Escolas Superiores de Advocacia de quase vinte estados, lançou uma semente de replicação, já contando com recursos para investimentos permanentes do Ministério da Justiça nessa linha de promoção da continuada qualificação profissional.

Ao par disso, já nasceram outros projetos complementares, como a Casa de Mediação desenvolvida pela OAB gaúcha e que recebeu significativos investimentos do Ministério da Justiça, prevendo a capacitação gratuita de advogados em técnicas autocompositivas e formação em mediação e arbitragem, para utilização na sua atividade profissional cotidiana, complementado com a contrapartida social de atuação como mediadores de conflitos para a população carente.

Outra contribuição da OAB deu-se no Projeto Pacificar lançado em 2008 pela Secretaria de Reforma do Judiciário, por meio de representantes da Comissão Nacional de Ensino Jurídico, na formulação de critérios técnicos e de seleção pública das Faculdades de Direito para apoio e desenvolvimento de ações dos Núcleos de Práticas Jurídicas voltados à mediação, arbitragem e meios alternativos de composição de conflitos. Em dois anos de execução já foram investidos mais R$ 2,2 milhões, contemplando 25 instituições de ensino e beneficiando milhares de estudantes de Direito.

O instituto da arbitragem também tem recebido atenção do Ministério da Justiça, em especial com edição da cartilha “Arbitragem: o que você precisa saber”, objetivando melhor informar sobre a correta e legal utilização desse instituto, evitando os eventuais desvios na função dos árbitros. Esta cartilha já recebeu a acolhida de parcerias com as seccionais da OAB do Distrito Federal, Goiás e Rio Grande do Sul, por meio da disponibilização de milhares de exemplares da cartilha para distribuição aos profissionais interessados e à população em geral.

Todas essas ações buscam enfrentar a atual formação jurídica conflitiva, convergindo para a constituição de um novo paradigma cultural, voltado à pacificação dos conflitos. Associe-se a isso a batalha travada pela OAB, em conjunto com o Ministério da Educação no efetivo controle e fiscalização da qualidade de ensino dos cursos de Direito, que permitiu pela primeira vez o fechamento de mais cem turmas, exigindo um novo padrão de formação jurídica e diminuindo a proliferação descontrolada de novas instituições e maior qualidade e perspectiva profissional aos futuros bacharéis de Direito.

Outra ação de prestígio dos advogados foi a proposição da Secretaria de Reforma do Judiciário ao Conselho Diretor do Prêmio Innovare para inclusão da OAB como co-promotora a partir de 2008, a fim de conformar o ciclo de premiação das boas práticas jurídicas com todos os demais operadores do Direito, já que o Poder Judiciário, Ministério Público e seus agentes estavam contemplados. O acerto do ingresso da OAB nesse prêmio já permitiu a premiação e identificação de inúmeras práticas inovadoras, sendo que na sexta edição deste ano, do total de 340 inscrições, a advocacia apresentou 113, representando um terço das iniciativas.

Esses são os registros de inúmeros avanços normativos e de parcerias alinhados em conjunto para a ampliação do acesso à Justiça e aperfeiçoamento da sua gestão, conferindo maior qualidade e efetividade na prestação jurisdicional. Outro tanto poderia se falar pelos inúmeros eventos promovidos conjuntamente ou em parceria, além da participação permanente da Secretaria de Reforma do Judiciário nas atividades da OAB, reuniões dos Conselhos Federais e Seccionais, Colégio de Presidentes e conferências, a fim de colher as sugestões e priorizar as futuras pautas legislativas e ações políticas em prol da afirmação e respeito da advocacia.

Também não podem passar sem registro as contribuições da OAB pelo procedimento de ouvida da instituição nacional e seccionais, por seus dirigentes e conselheiros, nas listas tríplices de nomeações de advogados para compor os ribunais, especialmente os Tribunais Regionais Eleitorais, já que este processo não prevê a participação formal da Ordem na elaboração prévia. A opinião de dirigentes e lideranças da entidade permite colher avaliação mais técnica e profissional nessa importante representação social junto a um órgão de Justiça, contribuindo para a melhor nomeação pelo Poder Executivo Federal.

Avançamos muito. Precisamos continuar lutando em novas frentes e concluir alguns projetos em curso e que já lograram passos legislativos nos últimos tempos. É o caso da redefinição das férias anuais, individuais e coletivas, prevista na PEC 48/09, em tramitação no Senado Federal, disciplinando um período de trinta dias de escolha livre pelos magistrados e membros do Ministério Público e outro período igual de forma coletiva, para contemplar também os advogados no seu desejado e merecido repouso anual.

No plano processual, fundamental será a conclusão do Projeto de Lei 4328/08, que veda a compensação dos honorários advocatícios. Ele já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, no sentido de evitar a apropriação indevida da remuneração dos advogados pelo critério do balanceamento proporcional nas ações com procedência parcial, em especial quando houve diversos pleitos numa mesma causa.

Por fim, outra bandeira que não devemos desistir é a reversão da malsinada aprovação e promulgação da Emenda Constitucional 62/09, decorrente da PEC do Calote, com o intuito de recompor mais esta deturpação do sistema de precatórios, mormente porque visa a recomposição de direitos do cidadão decorrentes de falhas, omissões ou má prestação do serviço público pelo Estado.


[1] Britto, Cezar e Marcus Vinicius Furtado Coelho. A Inviolabilidade do Direito de Defesa- Comentários históricos e doutrinários sobre a Li nº 11.767 de agosto de 2008. Belo Horizonte – Del Rey, 2009. P. 35/6.

[2] Cavalcanti Junior, Ophir e Marcus Vinicius Furtados Coêlho. Ficha Limpa꞉ a Vitória da Sociedade. Comentários à Lei Complementar º 135/2010. Brasília꞉ OAB, Conselho Federal, 2010. p. 09.

[3] Revista do II Pacto Republicano de Estado. Secretaria de Reforma do Judiciário/Ministério da Justiça. Brasil, 2009, p. 59.

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    é advogado, procurador de carreira, ex-procurador-geral do município de Porto Alegre (1997/2004) e ex-secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2007/2010).

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