Crimes virtuais

Provedores devem fazer monitoramento preventivo

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25 de agosto de 2010, 14h00

O presente ensaio tem por objetivo tecer algumas considerações perfunctórias sobre o assunto em destaque, sem, por óbvio, pretender esgotá-lo, até porque trata-se de tema complexo e controvertido, sem disciplina legal específica no ordenamento jurídico pátrio, o que dificulta um aprofundamento maior neste espaço gráfico.

A Responsabilidade Civil, segundo a doutrina pátria, consiste na obrigação de reparar ou ressarcir o dano causado, injustamente, a outrem. Decorre, pois, da ofensa ou da violação de direito, que resulta em dano ou prejuízo a alguém, podendo ser contratual ou extracontratual, esta decorrente de conduta ilícita a qual se apura para que se possa exigir a reparação civil, que é a sanção imposta ao agente ou responsável pelo ato ilícito praticado.

No que diz respeito à responsabilidade civil dos provedores de internet, para compreendermos melhor essa temática faz-se necessário, primeiramente, entender a definição e distinção entre o que seja provedor de acesso, provedor de conteúdo e os denominados provedores hospedeiros, haja vista que eles não se misturam nem se confundem por prestarem serviço de natureza distinta, classificação essa elaborada pelo advogado e professor de direito Luiz Fernando Kazmierczak.

Nesse ponto, de forma precisa e objetiva, conceituando e demonstrando as diferenças existentes entre os provedores de internet supracitados, com exemplos de situações concretas de cada caso, prelecionou esse docente que o Provedor de Acesso consiste em uma atividade-meio, ou seja, um serviço de intermediação entre o usuário e a rede, definindo-o como sendo “aquele que presta o serviço de conectar o usuário à Internet”, configurando “o típico contrato de prestação de serviços onde por um lado o usuário se responsabiliza pelo conteúdo de suas mensagens e pelo uso propriamente dito, enquanto por outro o provedor oferece serviços de conexão à rede de forma individualizada e intransferível e até mesmo o uso por mais de um usuário”, a exemplo do contrato para uso de uma linha telefônica, “onde o usuário é exclusivo responsável pelo uso que faz dela, não se podendo imputar à empresa de telecomunicações responsabilidades civis pelas consequências do mau uso.

Com relação aos Provedores de Conteúdo, extrai-se das lições do referido mestre, serem aqueles que têm por objetivo colher, prover e estabelecer as bases de informações para ingresso on line (na linha) através da Internet, isto é, aqueles que disponibilizam informação por meio de uma página ou sitio, podendo ser responsabilizados pelos atos ilícitos cometidos, já que, neste caso, são eles os próprios autores do conteúdo disponível ou estão contribuindo de alguma forma para sua geração.

Por derradeiro, demonstra o causídico sobredito que os Provedores Hospedeiros, são aqueles “que têm a função principal de hospedar páginas ou sites de terceiros possibilitando seu acesso pelos demais internautas.” Segundo o magistério do citado autor, esta modalidade de provedor não exerce influência no conteúdo dos sites ou páginas que abriga, apenas os assiste, tecnicamente, para que os mesmos possam ser acessados por aqueles que usam esse serviço, concluindo ser bastante controvertida a sua responsabilidade no cenário jurídico, mas com o entendimento de ser inaplicável a teoria objetiva, nessa hipótese, por ser contrária aos aspectos gerais da responsabilidade civil e dos princípios contidos no novo Código Civil.

Dito isso, não obstante os preciosos argumentos alinhavados pelo professor de direito retro destacado, concessa máxima vênia, ouso dele discordar em certo tópico ou, devido à permanente evolução do direito, quiçá apenas acrescentar algum ponto faltante.

Nesse sentido, devo dizer que, ante a ausência de legislação específica sobre o texto em estudo, a meu ver, sem descurar dos princípios legais já existentes no ordenamento jurídico vigente, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) — Lei 8.078/90, em tese, é plenamente aplicável a todas as espécies de provedores acima delineadas, tendo em vista cuidar-se de fornecedoras de serviços, a teor do que dispõe o artigo 3° desse diploma legal, in verbis:
“Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

É cediço que a despeito da ausência de legislação própria, alguns tribunais pátrios vinham aplicando às relações travadas na rede mundial de computadores as normas referentes à lei de imprensa (Lei 5.250/67). Todavia, o entendimento prevalente no âmbito do TJDFT e outros tribunais do país, consiste na aplicação do CDC a casos desse jaez, porquanto o Supremo Tribunal Federal, há pouco, declarou ser a Lei de Imprensa incompatível com a atual ordem constitucional.

Com efeito, no que concerne à responsabilidade civil dos Provedores de Internet, em que pese a controvérsia existente na seara jurídica, a sua natureza e o tipo de serviço por eles prestado é que vão delinear as suas responsabilidades, que poderão estar estribadas na responsabilidade contratual ou extracontratual, subjetiva ou objetiva, com aplicação plena ou não do CDC, uma vez que ainda não é pacífica a classificação solitária supra transcrita, pois, em muitos casos é difícil o enquadramento de somente uma dessas espécies na atividade empreendida.

Entretanto, com referência à responsabilidade civil dos Provedores Hospedeiros, respeitando as doutas opiniões em sentido contrário, entendo que a sua responsabilidade deve ser objetiva, considerando que desenvolvem uma atividade de risco, tendo, portanto, o dever de fiscalizar tudo quanto seja veiculado pela mídia sob sua responsabilidade, sob pena de suportarem o ônus de sua negligência, em face da sua culpa presumida, aplicando-se-lhes, por consequência, à luz da teoria do risco do empreendimento, o disposto no artigo 14 do CDC, que, de forma cogente, dispõe in litteris:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I — o modo de seu fornecimento;
II — o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III — a época em que foi colocado em circulação.”

Referindo-se, precisamente, sobre a qualidade de produtos e serviços, prevenção e reparação dos danos (capítulo IV), práticas comerciais e disposições gerais (capítulo IV), o CDC dispõe ainda que:
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

A despeito de considerarmos que os Provedores de Internet, ditos hospedeiros, desenvolvem uma atividade de risco, a eles deve ser aplicado, supletivamente, o artigo 927 do Código Civil, que reza:
Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Por conseguinte, não obstante as respeitáveis opiniões doutrinárias e decisões judiciais em sentido contrário, entendemos que toda empresa provedora que tem por finalidade acomodar sites na rede mundial de computadores deve promover uma censura preventiva do conteúdo das páginas da Internet que estejam sob seu comando, a fim de evitar que sites mal-intencionados utilizados por internautas inescrupulosos de mentes vazias ou criminosas atinjam a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, a dignidade e a reputação, a paz interior e os sentimentos afetivos das pessoas de bem, consagrados em nossa Carta Magna, a ponto de podermos considerar como uma violação ao próprio direito de felicidade, bem soberano e necessário a todo ser humano. Como disse recentemente a escritora Lya Luf em determinada revista de grande circulação: "É bem triste que um meio de comunicação, pesquisa, lazer e descobertas como a Internet seja usado tantas vezes para fins tão negativos.” E finaliza dizendo que: “Dois defeitos são inatos e incorrigíveis no ser humano, e de ambos nos livre o destino: burrice e mau caráter. O Uso doentio de um instrumento tão fantástico quanto a Internet, quando não é psicopatia, é uma conjunção desses dois melancólicos atributos. (Revista Veja. Edição 2109 — 22 de abril de 2009 – Internet, o bem e o mal).

Em conclusão, cremos que tais provedores devem dispor de condições técnicas aptas a realizar um monitoramento preventivo de páginas (sites) que hospedam na Internet, retirando incontinenti, de ofício ou por provocação, quaisquer conteúdos ofensivos às pessoas porventura atingidas, sob pena de incorrerem em prestação de um serviço defeituoso, em violação frontal às normas consumeristas e à própria Constituição Federal.

A matéria, como dito, é complexa e controvertida, ensejando, de lege ferenda, maior preocupação por parte do legislador ordinário.

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