Lei do Divórcio

A separação ainda pode ser utilizada

Autor

  • Gilberto Schäfer

    é juiz de Direito em Porto Alegre (RS) mestre e doutor em Direito Público pela UFRGS professor de Direito Constitucional na ESM/AJURIS e de Processo Constitucional no UNIRITTER/Canoas.

20 de agosto de 2010, 7h00

A Emenda Constitucional 66 foi saudada com entusiasmo pelos operadores do Direito e pela sociedade como uma possibilidade direta e rápida de se chegar à dissolução do casamento. A maior parte dos que se debruçaram sobre o tema tem-se inclinado no sentido de dar uma efetividade direta à referida emenda, atribuindo efeito revogatório sobre a legislação infraconstitucional. No entanto, pretendo fazer algumas ponderações para demonstrar que a emenda, na parte que contém a regra do divórcio, tem efetividade mediata, ou seja, depende de uma mediação infraconstitucional do Direito Civil e do Direito Processual Civil.

Antes, é necessário compreender o motivo pelo qual a matéria disposta na EC foi constitucionalizada. Por que a matéria foi constitucionalizada?

No Império, o casamento era regulado no Código Canônico em que o vínculo válido — para o inválido, havia a possibilidade de anulação — era indissolúvel, porém havia algo intermediário entre uma separação de corpos e uma separação (judicial). Essa forma, que se denominou divórcio quod thorum et cohabitationem, uma espécie de separação, porque não dissolvia o casamento, grassou no Decreto 1.144/1861.

No Código Civil de 1916 houve a inserção de uma possibilidade de ampliação da dissolução: o desquite (amigável ou judicial), palavra esta que, devido ao preconceito religioso e social da época, se tornou pejorativa.

O medo de que esta forma de dissolução da sociedade conjugal — o desquite — evoluísse para o divórcio fez com que na Constituição de 1934[1] a matéria fosse constitucionalizada para que este grau de hierarquia e de rigidez dificultasse a introdução da dissolução do casamento. Temia-se que a eleição de um Parlamento com certo grau de independência em relação a pressões religiosas pudesse aprovar o divórcio.

Esta redação de 1934, com pequenas mudanças, foi repetida pelas Constituições de 1937[2], 1946[3] e 1967[4] (mantida pela EC de 1969).

A pressão social — pelos motivos que conhecemos bem, apesar da resistência e das hipocrisias da época, retratadas na Literatura por Josué Guimarães, em sua obra Dona Anja — fez com que, em 1977, fosse aprovada e promulgada a EC, admitindo a possibilidade da dissolução conjugal:

Artigo 1 º: O §1º do artigo 175 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: o casamento somente poderá ser dissolvido nos casos previstos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos.

Artigo 2: A separação, de que trata o §1º do artigo 175 da Constituição Federal poderá ser de fato, devidamente provada em juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior a data dessa emenda.

Traço interessante desta EC é que ela não usava o termo divórcio, ou seja, a Emenda do Divórcio não usava a própria palavra. A Emenda foi regulamentada pela Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, que institui o divórcio no Brasil e que utilizou expressamente o termo divórcio. Vale referir que as modificações posteriores da Lei 6.515 consagraram as duas formas de se chegar ao divórcio: direta (que antes era apenas uma regra de transição no texto constitucional) e por conversão.

A palavra divórcio — um instituto de Direito Civil — aparece pela primeira vez em um texto constitucional em 1988, no § 6 º do artigo 226, com as duas formas possível de chegar até ele (direto e por conversão): “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

A redação dada pela Emenda Constitucional 66, de 2010

A EC 66, que reformou § 6º, objeto desta análise, está assim redigida: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. Este texto alberga (1) o princípio de que o casamento é dissolúvel e (2) uma regra, a saber, de que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio.

O princípio (1) não está aqui em questão, porque desde 1977, adotado entre nós. A regra (2), contudo, comporta discussões sobre o seu alcance. Podemos, resumir, a partir do painel feito pela ESM/AJURIS, do qual participei, as posições a respeito da matéria[5]:

O texto contém uma norma com eficácia constitucional mediata e apenas desconstitucionalizou a matéria[6]; (b) O texto contém uma norma com eficácia constitucional imediata, direta e revogou o direito infraconstitucional, incompatível com o divórcio a qualquer tempo, revogando, inclusive, a separação judicial[7]; (c) Formou-se ainda uma corrente mista ou eclética que sustenta que continuam em vigor as regras da separação, que seguem o Código Civil. Quanto ao divórcio há incidência imediata, podendo ser requerido de forma direta a qualquer tempo[8]. Tal posição (c) apresenta uma variante, que podemos expressar em (c1): a separação continua existindo, mas sem qualquer limite temporal.

O nosso texto defende a concepção expressa em (a) de que o texto constitucional tem aplicabilidade mediata e apenas desconstitucionalizou a matéria.

Para este ponto de vista, é fundamental levar em conta que a Constituição continua fazendo referência a um instituto de direito civil: o divórcio. Isto significa que não podemos compreender o texto constitucional sem recorrermos ao Direito Civil, ou seja, é em virtude do direito civil que sabemos o que é o divórcio, quais são as suas modalidades e quais são os seus requisitos. Além de regras de direito material, o instituto possui regras processuais próprias, inserindo-se no conceito de leis especiais que tem regulamentação de direito material e adjetivo.

Conforme explica Humberto Ávila[9]:A previsão de conceitos constitucionais pode ser feita de duas formas. De um lado, de modo direto, nos casos em que a Constituição já enuncia expressamente as propriedades conotadas pelos conceitos que utiliza. De outro, de modo indireto, nas situações em que o Poder Constituinte, ao escolher expressões cujas propriedades já eram conotadas em conceitos elaborados pelo legislador infraconstitucional à época da promulgação da Constituição opta por incorporá-los ao ordenamento constitucional. Em qualquer hipótese, a Constituição fixa balizas que não podem ser ultrapassadas pelo legislador ordinário sob a sua vigência. Quanto se utiliza uma palavra, em um instituto não se pode desprezar, em consequência este conteúdo.

Mesmo que se admita tratar-se de uma norma de eficácia contida ou restringível[10], o emprego de um conceito geral, como é o caso do divórcio, enunciado na Constituição, permite a atuação do legislador que pode adaptar o instituto a novas conformações sociais, de acordo com a realidade política e social[11]. Note-se, no entanto, que o legislador já tinha atuado, motivo pelo qual a cláusula de contenção já funcionou antecipadamente e não pode ser ignorada pelos intérpretes.

O fato de eliminar requisitos, portanto, não significa a revogação do direito infraconstitucional[12]. Mais do que nunca, a EC 66 significa uma grande mudança: não há mais requisitos constitucionais para o divórcio, ou seja, há a liberdade de o legislador dispor sobre o assunto.

Pode-se objetar com o argumento à Duns Scott (argumentatio ad absurdum[13]) de que, se esta tese fosse verdadeira, então, o legislador poderia colocar como parâmetro, por exemplo, cinco anos de separação de fato para o divórcio poder ser decretado. Realmente não há argumentos que possam ser construídos somente a partir do texto da EC que possa impedir esta escolha do legislador. Entretanto, eu considero que algumas normas constitucionais certamente poderiam barrar esta interpretação, como, por exemplo: a) a razoabilidade das leis; b) a proporcionalidade; c) a proteção à família (leiam-se: famílias); d) a dignidade da pessoa humana; e) a vedação de retrocesso social. Deste modo, esta objeção pode ser eliminada, empregando-se uma interpretação sistemática.


A eliminação de requisitos constitucionais significa liberdade de atuação para o legislador que pode dispor a respeito do término do casamento pelo divórcio, conformando requisitos e procedimentos.

Há outros casos em que houve desconstitucionalização[14] e que continuou sendo aplicado o direito infraconstitucional?

O que estamos dizendo até aqui é que a retirada de parâmetros constitucionais, na matéria de Direito Civil, significa desconstitucionalização, ou seja, ocorre a perda de hierarquia constitucional para que a matéria seja regulada em plano infraconstitucional. Retirar do texto constitucional não significa revogação, especialmente quando a matéria está regulada no plano ordinário. E este é justamente o ponto pelo qual não se demonstra a existência de uma revogação. Exemplo deste fenômeno ocorreu, em relação ao próprio casamento, pois a Constituição de 1937 retirou do seu texto o recurso ex officio, previsto no artigo 144 da Constituição de 1934[15], para os casos de desquite e de anulação de casamento.

Pontes de Miranda analisa justamente este caso de desconstitucionalização para afastar efeito revogatório: “A Constituição de 1937 entendeu que seria impróprio do texto constitucional conter regra jurídica processual de tal pormenor; e riscou dos seus artigos o parágrafo único do artigo 144 da Constituição anterior. Isso não quer dizer que, desde 10 de novembro de 1937, revogado ficasse o direito correspondente. A regra jurídica continuou, como de direito ordinário, suscetível, portanto, de derrogação e ab-rogação pelos legisladores ordinários. O que lhe cessou foi a força de princípio jurídico constitucional”[16].

E a vontade do “legislador constituinte”?

Um dos focos da argumentação em prol da posição (b) reside na chamada vontade do constituinte. O legislador constituinte, por meio da mídia, veiculou a concepção de facilidade e de rapidez para atingir o divórcio.

É certo que já se amainaram as críticas ao processo de valorização da gênese legislativa, aí incluídos os chamados trabalhos parlamentares (travaux parlamentaire), mas não há a possibilidade de se ultrapassar os limites da linguagem, sob pena de perder qualquer objetividade na interpretação[17]. E o perigo de não equilibrar subjetividade/objetividade é a possibilidade do arbítrio e da falta de controle e até mesmo em um excesso de voluntarismo que não pode mais ser aceito. É a linguagem do texto expresso na EC que deve nos dar a justa medida para a sua interpretação.

Talvez em uma questão em que nossa tábua moral esteja de acordo — sou favorável à medida — seja sempre um bom teste para a forma como lidamos com a lei, aqui concebida em sentido lato. O texto constitucional não permite esta aplicação, a não ser naqueles casos em que o próprio direito infraconstitucional permitia a conversão antecipada, como o decurso de prazo de separação de fato ou de corpos no decorrer do processo judicial. Isto é especificação da separação de poderes, preceito fundamental, em que as tarefas do juiz não se confundem com as do legislador.

Não haveria qualquer discussão caso a EC estivesse redigida nos seguintes termos: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio que será requerido de forma direta a qualquer tempo, por um ou ambos ou cônjuges”.

Outros princípios constitucionais de interpretação não podem socorrer a hipótese que não esteja em (a), seja pela presunção relativa de constitucionalidade — as normas infraconstitucionais não podem ser descartadas sem uma avaliação rigorosa —, seja porque o legislador deve dar a medida da dissolução do casamento, como tarefa sua, inerente à separação de poderes. Tampouco se pode argumentar que se olvida o princípio da máxima efetividade constitucional, porquanto se trata aqui de estabelecer o campo de aplicação normativo[18], cuja eficácia é mediata e plena, porque o instituto não é novo, já está regrado.

Há quem defenda que o “o direito de estar ou não casados não pertence mais ao Estado, mas sim às pessoas envolvidas nessa relação de afeto[19]”. É bem verdade que existe um grande espaço de liberdade individual na vida afetiva, mas o casamento é exercido conforme as prescrições legais: é, pois, um ato estatal[20]. E como ato estatal, tem a regulamentação na forma da lei, seja para casar, seja para “descasar”.

Vamos analisar ainda outras questões:

Aceita a tese do divórcio direto (sem conversão), isso significa que acabou a separação judicial ou extrajudicial?

Parece-me que aceitar a eficácia direta da dissolução do casamento pelo divórcio, sem qualquer requisito, não significa aceitar que a separação — judicial ou extrajudicial — foi abolida. Portanto, não se pode aceitar (b). A separação, enquanto não abolida pelo legislador, pode ser utilizada por todas as pessoas que não queiram se divorciar por motivos religiosos, por esperança de voltar a conviver juntos, porque ela admite restabelecimento da sociedade conjugal.

No entanto, (c) também apresenta problemas, pois, aceita a tese da aplicabilidade direta do divórcio, sem prazo, não haveria a necessidade de prazo para a separação. Então a única possibilidade a se admitir, para não se chegar a resultados incongruentes, é (c1).

Há um instrumento constitucional que permita resolver a questão?

No caso de se apresentar uma divergência relevante a respeito da aplicabilidade da EC 66, é possível propor, por meio dos legitimados do artigo 103 da CF, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A arguição serviria justamente para tutelar o preceito fundamental da segurança jurídica, em que um dos vetores é a previsibilidade, que atingirá diretamente os interesses da cidadania. Assim, de acordo com o entendimento firmado pelo STF na ADPF 33 e 130, é possível antecipar de forma direta e geral o alcance deste texto constitucional.

A segurança jurídica deve ser aqui um vetor indispensável para resolver os casos, pois na hipótese de que viesse a ser reconhecida a tese (a), os casos decididos conforme (b), (c) e (c1) ficam sujeitos às regras de preclusão e não podem ser declarados nulos, sob pena de gerar grave insegurança jurídica[21].

De qualquer forma, há que se registrar que do ponto de vista político se espera que o Congresso Nacional faça o que anunciou: facilitar a dissolução do casamento pelo divórcio, mudando o Código Civil.


[1] Artigo 144 — A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Parágrafo único — A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio , com efeito suspensivo.

[2] Artigo 124 — A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção dos seus encargos.

[3] Artifo 163 — A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado. § 1º — O casamento será civil, e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público.  § 2º — O casamento religioso, celebrado sem as formalidades deste artigo, terá efeitos civis, se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente.


[4] Artigo 167 — A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. § 1º — O casamento é indissolúvel. § 2º — O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público. § 3º — O casamento religioso celebrado sem as formalidades deste artigo terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público mediante prévia habilitação perante, a autoridade competente.

[5] João Pedro Lamana Paiva foi o mediador do debate. Os painelistas foram Luiz Felipe Brasil Santos, Maria Berenice Dias, Ney Paulo de Azambuja e Gilberto Schäfer que debateram as vantagens e as desvantagens acerca das alterações da Emenda 66 bem como as suas repercussões no âmbito do Direito de Família, Notarial e Registral. A sistematização segue a proposta apresentada no encontro pelo desembargador Luiz Felipe Brasil Santos.

[6] Neste sentido a posição de Luiz Felipe Brasil Santos, Emenda do divórcio: cedo para comemorar. Disponível em: < http://magrs.net/?p=14055#more-14055>. Daniel André Köhler Berthold, O divórcio ficou mais rápido?, disponível em http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=19644. Registra dúvida a respeito da matéria Sérgio Gischkow Pereira: “b) A Constituição, ao nela constar que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, não especifica requisitos, com o que sustentável que continuem regidos pelo Código Civil (não concordo, mas vários assim pensam). As dúvidas se multiplicam em um tema que atinge milhões de pessoas” , in Calma com a separação e o divórcio!, disponível em http://magrs.net/?p=13910.

[7] Ver: DIAS, Maria Berenice. Enfim, o fim da separação! Disponível em:< http://magrs.net/?p=13907> .

[8] Esta parece ser a posição do Colégio dos Notários, expresso em seu site, na nota Divórcio, disponível em: em que consta: "Tomando por base a Emenda Constitucional 66 de 13/07/2010 e respeitando os requisitos da Lei 11.441/07, na lavratura de escritura pública de divórcio direto não é mais necessário exigir comprovação de lapso temporal nem a presença de testemunhas. Já para lavratura de escritura pública de separação consensual, nada muda, sendo necessário observar o prazo referido no artigo 1.574 do Código Civil Brasileiro" . Recebeu também o apoio de Sérgio Gischkow Pereira, em Calma com a separação e o divórcio!, em , mas que não se pronuncia no que diz respeito às formulações (c) e (c1).

[9] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. p. 112.

[10] O termo restringível é de TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

[11] Ver SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, Malheiros Editores, p. 116.

[12] A revogação é um passo não-demonstrado pelos que formulam (a) ou (c), ou seja, não levam em consideração a existência de planos diferentes neste caso (plano constitucional e infraconstitucional).

[13] A redutio ad absurdum recebeu esse denominação por Duns Scott na Idade Média. Conforme explica Wesley C Salmon, ela “constitui uma forma válida de argumento, largamente empregada e sumamente eficaz. É usada, algumas vezes, para estabelecer uma conclusão positiva; a ela recorre-se com frequência para refutar a tese defendida pelo oponente. A ideia que motiva esta forma de argumento é muito simples. Suponha-se que desejemos provar que um enunciado p é verdadeiro. Começamos por supor que p é falso; ou seja, admitimos não-p. Com base nesta suposição, deduzimos uma conclusão que se sabe ser falsa. Como a conclusão falsa decorre da nossa suposição de não-p, em virtude de um argumento dedutivo válido, segue-se que a suposição deve ter sido falsa. Ora, se não-p é falsa, então p deve ser verdadeira — e era justamente o enunciado que desde o começo pretendíamos provar” Eis um exemplo: ´Quem não tem deveres não tem direitos; os bebês não têm deveres; logo, não têm direitos; mas os bebês têm direitos; logo, é falso que direitos; os bebês não têm deveres; logo, não têm direitos; mas os bebês têm direitos; logo, é falso que quem não tem deveres não tem direitos’. Quando se chega a uma contradição num sistema axiomático, pode-se negar qualquer uma das fórmulas anteriores”. Ver: SALMON, Wesley, Lógica. Editora Prentice-Hall do Brasil Ltda, p. 16. Para Atienza, esse tipo de argumento no Direito “tem, em princípio, uma forma dedutiva, mas, tal e qual a utilizam os juristas, a redução ao absurdo costuma ir além de uma simples dedução, por duas razões: em primeiro lugar porque, com freqüênucia, é preciso entender que determinadas premissas estão simplesmente implícitas (e sem elas não teríamos a forma dedutiva do argumento); e em segundo lugar porque a noção de “absurdo” utilizada pelas juristas não coincide exatamente com a de “contradição lógica” e sim com a de consequência inaceitável”. Ver: ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: teorias da argumentação jurídica: Perelman, Toulmin, MacCormick, Alexy e outros. São Paulo: Landy Editora, p. 48.

[14] Há outro sentido em se falar em desconstitucionalização que não é o deste texto, quanto se sustenta que matérias apenas formalmente constitucionais, quando não mais reproduzidas no texto constitucional, passam a valer como leis ordinárias. Ver Carré de Malberg, Contribution à la théorie génerale de l´Etat, Paris: Sirey, 1922.

[15] Artigo 144 — A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Parágrafo único — A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio , com efeito suspensivo.

[16] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967: com a Emenda 1 de 1969. t .6, artigos 160-200, Forense, p. 320.

[17] Sobre a discussão, ver MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique, Presses Universitaires de France e LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, especialmente p. 380e ss.

[18] Conforme Maria Cláudia Cachapuz, “A tarefa da interpretação é encontrar o resultado constitucionalmente ‘exato’ em um procedimento racional e controlável, fundamentar esse resultado racional e controlavelmente e, deste modo, criar certeza e previsibilidade — não, por exemplo, somente decidir por causa da decisão”. Ver: CACHAPUZ, Maria Cláudia. Intimidade e vida privada no novo Código Civil brasileiro: uma leitura orientada no discurso jurídico, p. 13.

[19] Neste sentido, ver: NEIVA, Gerivaldo. A quem pertence o direito de estar ou não casados: ao Estado ou às pessoas?. Disponível em: .

[20] As pessoas que optam pelo casamento civil optam por um ato estatal. Para casar, preenchem requisitos e, no nosso sistema, não podem casar, de forma concomitante, duas vezes. Portanto, a relação de afeto encontra vários obstáculos na lei. Neste sentido, Luís Roberto Barroso assevera: “O casamento tem, como se sabe, natureza consensual — sua celebração depende da vontade das partes —, mas os deveres do casamento não são por elas determinados, decorrendo cogentemente da lei. Não é possível um pacto dispensando formalmente os cônjuges do dever de fidelidade ou da assistência aos filhos”. Ver: BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, p. 58.

[21] A expressão grave insegurança jurídica é utilizada no artigo 103-A da CF.

 

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    é juiz de Direito em Porto Alegre (RS), mestre e doutor em Direito Público pela UFRGS, professor de Direito Constitucional na ESM/AJURIS e de Processo Constitucional no UNIRITTER/Canoas.

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