Babel tributária

Regime fiscal global está longe, dizem especialistas

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19 de agosto de 2010, 11h19

É preciso tributar o capital com mais cuidado do que o trabalho e o consumo porque estes últimos não decidem sair do país por causa de impostos altos. A opinião, unânime entre especialistas em tributação internacional que palestraram nas Faculdades Milton Campos, em Minas Gerais, na quarta-feira (19/8), vem de premissas adotadas em todo o mundo e ditadas por organismos como o Fundo Monetário Internacional e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em busca de consenso, essas entidades tentam padronizar regras tributárias básicas em todos os países. A razão é simples: dar uma margem mais segura de comparação de mercados.

O assunto foi discutido por especialistas de diversos países convidados a participar do XIV Congresso Internacional de Direito Tributário, promovido pela Associação Brasileira de Direito Tributário e que ocorre de 17 a 20 de agosto, em Belo Horizonte. Todos concordaram que as administrações públicas têm mais liberdade em tributar o trabalho e o consumo do que o capital e as empresas porque estes que calculam riscos e podem deixar o país se a corda apertar demais.

“O capital é um covarde, que foge de lugares inseguros”, comparou o professor Alejandro Altamirano, da Universidade Austral, na Argentina. “Os países se vêm obrigados a tributar o que está amarrado, o que não se move”, explicou a professora Allison Christians, da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos.

O motivo da pasteurização das regras tributárias, na opinião do professor da Universidade de São Paulo Luís Eduardo Schoueri, é aplainar o caminho para o fluxo de capital. “O investidor quer comparar, entrar no sistema e entender a linguagem”, disse. “Harmonizar sistemas tributários nos obriga a reduzir juros sobre investidores estrangeiros.”

Segundo ele, é importante ceder às regras gerais não só quando se é mais fraco no cenário internacional, mas também quando se é mais forte. Como exemplo, Schoueri citou cessões feitas pelo Brasil para que o Mercosul tivesse um acordo aduaneiro que funcionasse.

Parte dessa harmonização passa pela proibição de subsídios e pela ponderação quanto a incentivos fiscais, segundo o professor. Por isso, na sua opinião, as últimas decisões do Supremo Tribunal Federal em não permitir imunidade de exportações quanto à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, nem a continuidade do crédito-prêmio do IPI foram fundamentais para que o Brasil permanecesse dentro das regras do jogo internacional. “Imagine o tamanho da indenização com que arcaríamos por subsidiar exportadores”, considera.

Para ele, a decisão do STF quanto à CSLL, tomada há uma semana por seis votos a cinco, impediu que se estendesse a interpretação de imunidade de receitas de exportação também para a renda dos exportadores. No entanto, embora concorde com a decisão final, não compartilha os fundamentos adotados pelo Supremo. “A razão não está na extensão da palavra ‘receita’, mas no intuito da emenda constitucional que imunizou a exportação”, disse. Ele explica que, na mesma época, o governo federal desonerou a exportação e, de outro lado, onerou a importação com a criação do PIS e da Cofins-importação, e do ICMS-importação. “A imunidade da receita de exportação foi a contrapartida do PIS/Cofins-importação.”

Fronteiras fiscais
Apesar dos esforços para se adotar uma regra comum entre os países, há problemas difíceis de se superar. Um deles, segundo o professor Alberto Xavier, da Universidade de Lisboa, é a tributação de juros sobre capital próprio, uma distorção brasileira, em sua opinião. “Por definição, juros envolvem a tomada de crédito, com promessa de devolução, o que não tem nada a ver com esse tipo de operação, que é mais um dividendo”, afirmou. Para ele, no entanto, ajuda o Brasil o fato de “não haver precedentes de tributações brutais ou confiscatórias, o que é provado pelo colosso de investimentos estrangeiros no país, que conduzem até a uma taxa de câmbio com efeitos negativos na economia, mas que é resultado do ‘charme’ brasileiro”.

Luís Eduardo Schoueri também lembrou que já há doutrinadores que pregam um falso consenso internacional sobre tributação no país onde a empresa presta serviços, desde que tenha residência lá. Como exemplo do furo nesse entendimento, ele citou serviços de telemarketing prestados nos EUA a partir da Índia. “Não vão ser tributados então, por não terem residência no local?”, questionou. Segundo ele, os Estados fonte, onde as riquezas são produzidas, precisam se manifestar contra essa tendência.

Imposto virtual
O comércio eletrônico é outra pedra no sapato da harmonização. Responsável por movimentar US$ 1 trilhão entre 2003 e 2005, segundo dados da OCDE, a categoria cresce em importância nesse tipo de negociação, já que envolve apenas bens intangíveis e não se submete aos conceitos comuns de local da operação, origem e destino e estabelecimento permanente, usados com frequência no caso de mercadorias físicas. “Há relatórios da OCDE dizendo até mesmo o que deve ser entendido por download, que é uma expressão controvertida”, disse a professora da PUC-MG Alessandra Teixeira.

Na sua opinião, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), mais adequado para tributar essas operações, não atende a todas as necessidades da missão. É o caso da tributação no destino do serviço, prevista na Lei Complementar 116 brasileira. “Como obrigar que consumidor pessoa física declare e pague o tributo à sua prefeitura?”, pergunta. Além disso, segundo ela, há muitos questionamentos doutrinários a respeito desse conceito, que podem levar a uma declaração de inconstitucionalidade pelo STF.

Além da lei, a jurisprudência também não ajuda, segundo a professora. No STF, ela explica, o conceito de serviço envolve obrigação de fazer, o que não se enquadra perfeitamente ao comércio eletrônico. “Pode ser uma criação de utilidade, e não obrigação de um fazer específico”, diz. Para ela, essa definição deixaria muitos produtos fora do alcance do ISS. Outra posição que não encaixa na atividade é a premissa de local de incidência, levada em conta pelo Superior Tribunal de Justiça. “Isso traz a ideia de estabelecimento fixo, o que não contempla a realidade virtual.”

Para Allison Christians, o caminho para a uniformização depende de trabalhos acadêmicos e de formadores de opinião jurídica, ou seja, os estudiosos do assunto que tenham penetração no Legislativo. Segundo a professora, regras tributárias na China só começaram a funcionar como no resto do mundo depois que nacionais saíram do país para estudar, e voltaram dispostos a implantar o que viram. O mesmo aconteceu na Turquia. Ela chamou esses indivíduos de “globalizadores”. “Precisamos identificar quem são os provocadores, os legisladores profissionais e atores transnacionais”, afirmou.

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