Defesa da categoria

Advogados têm de preservar a honra e a dignidade

Autor

  • Eduardo Viana Portela Neves

    é advogado criminalista mestre em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP) professor de pós-graduação secretário adjunto da OAB-BA (Subseção Vitória da Conquista-BA) e professor da Faculdade de Direito de Guanambi.

11 de agosto de 2010, 7h30

Entalhada à altura do capítulo IV, notadamente no artigo 133 da Constituição da República, que cuida das funções essenciais à Justiça, a garantia essencial da libertas conviciandi, cujo texto é o seguinte:

“Artigo 133: O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

O ditame constitucional da inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, traduz significativa garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos pela ordem jurídica a esse indispensável e essencial membro da comunidade jurídica que, como dito e redito, não tem nenhum grau de subordinação com qualquer outro profissional que atue na área das ciência jurídicas, seja ele ministro, desembargador, procurador, juiz ou promotor de Justiça.

Mais ainda, eis o que reza o Código de Ética da categoria:

Artigo 2º: O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
I — preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade;
II — atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé;
III — velar por sua reputação pessoal e profissional;

Como visto, preservar a honra e a dignidade da profissão, agir com destemor, independência e veracidade, velar pela reputação profissional são deveres impostos pela própria categoria a todos os advogados. Logo, corolário lógico, fazem parte do rol de atividades inerentes à advocacia.

Lamentavelmente muitos de nossos pares advogados não se atentam para tais obrigações. Alguns não velam pela boa conduta moral, não são idôneos e não mereceriam exercer tão nobre missão. Outros tantos, atemorizados ante aos representantes do poder constituído e, ignorantes de suas prerrogativas legais, se omitem, cabisbaixos, aos excessos e arbitrariedades cometidos por alguns atores do Estado.

Lado outro, sabença que o advogado, desde que as críticas lançadas estejam dentro do razoáveis limites do exercício da advocacia, está imune, ou seja, não pode as críticas ali existentes ser tomadas na condição de injusto penal, seja ele injúria ou difamação, consoante previsto no § 2º, do artigo 7º da Lei Federal 8.906/94:

Artigo 7º São direitos do advogado:
§ 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.
 

Mesmo estas afirmações, além de juridicamente adequadas, fundamentadas no juízo de bom-senso e razoabilidade, alguns membros da comunidade jurídica, talvez contaminados pela síndrome da mariposa, insistem em desconsiderá-las.

No entanto, acertadamente, o Supremo vem colocando as coisas em seus devidos lugares e, ao mesmo tempo, advertindo àqueles que está vigilante e pronto para coibir os abusos.

É preciso deixar bastante claro que não defendemos a crítica infundada, injuriosa ou maldosa, mas sim aquela que é inerente às relações interpessoais, notadamente quando há espaço para o exercício de uma dialética saudável e positiva, vale dizer, aquela realizadas nos estreitos limites deontológicos que regem a atuação do advogado. Daí que a crítica, além de ser um dever endogenético é, antes de tudo, um direito e, como qualquer outro direito, desde de que legitimamente exercido, serve para concretizar os valores ventilados pelos princípios constitucionais e infraconstitucionais.

Disto se infere que o divórcio ideológico, longe de ser um desrespeito, ou algo nestes termos, a magistrados e/ou promotores, é condição necessária para o aprimoramento das instituições democráticas, dever inerente ao exercício da advocacia, garantia essencial da libertas conviciandi e direito legítimo, desempenhando papel essencial na proteção e defesa dos direitos e liberdades fundamentais.

Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal, HC 98.237-SP[1], merece transcrição este aresto:

“HABEAS CORPUS” — CRIMES CONTRA A HONRA — PRÁTICA ATRIBUÍDA A ADVOGADOS — REPRESENTAÇÃO FORMULADA POR MAGISTRADO EM DECORRÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PROCESSUAL PRODUZIDA PELO PACIENTE (E POR SEU COLEGA ADVOGADO) EM SEDE DE RAZÕES DE APELAÇÃO — PROTESTO E CRÍTICA POR ELES FORMULADOS, EM TERMOS OBJETIVOS E IMPESSOAIS, CONTRA OS FUNDAMENTOS EM QUE SE SUSTENTAVA A DECISÃO RECORRIDA — INTANGIBILIDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO — AUSÊNCIA DO “ANIMUS CALUMNIANDI VEL DIFFAMANDI” — EXERCÍCIO LEGÍTIMO, NA ESPÉCIE, DO DIREITO DE CRÍTICA, QUE ASSISTE AOS ADVOGADOS EM GERAL E QUE SE REVELA OPONÍVEL A QUALQUER AUTORIDADE PÚBLICA, INCLUSIVE AOS PRÓPRIOS MAGISTRADOS — “ANIMUS NARRANDI VEL DEFENDENDI” — CONSEQUENTE DESCARACTERIZAÇÃO DOS TIPOS PENAIS — ACUSAÇÃO DEDUZIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE ATRIBUIU, AOS ADVOGADOS, A SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES DE CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA — DENÚNCIA QUE EXTRAPOLOU OS LIMITES MATERIAIS DOS FATOS NARRADOS PELO AUTOR DA REPRESENTAÇÃO (MAGISTRADO FEDERAL), QUE PRETENDIA, UNICAMENTE, A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DOS ADVOGADOS PELO DELITO DE INJÚRIA — ATUAÇÃO “ULTRA VIRES” DO MINISTÉRIO PÚBLICO — INADMISSIBILIDADE — AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL — LIQUIDEZ DOS FATOS — POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL EM SEDE DE “HABEAS CORPUS” — EXTINÇÃO DO PROCESSO PENAL DE CONDENAÇÃO — AFASTAMENTO, EM CARÁTER EXCEPCIONAL, NO CASO CONCRETO, DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691/STF — “HABEAS CORPUS” CONCEDIDO DE OFÍCIO, COM EXTENSÃO DOS SEUS EFEITOS AO CORRÉU, TAMBÉM ADVOGADO.

Assim estabelecido o estado da arte, esperemos que exista um respeito à profissão e ao seu exercício e que, por isto mesmo, as críticas irrogadas em juízo lá permaneçam. Movimentar a máquina para satisfazer uma pretensão absolutamente despropositada e de fundo meramente pessoal, apenas para massagear o ego e satisfazer o sentimento de vaidade funcional e pessoal, causa verdadeira ojeriza — para não se utilizar de outros termos menos elogiosos. É o caos moral de um sistema no qual, ao arrepio da lei e da ordem constitucional, os advogados, no dia a dia das lides forenses, passaram a ser tidos como hierarquicamente inferiores aos demais atores, todos essenciais ao mister da Justiça.


[1] Rel Min. Celso de Mello.

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  • Brave

    é advogado criminalista, secretário adjunto da OAB-BA, professor de pós-graduação, membro da Association Internationale de Droit Pénal e mestre em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). http://profeduardoviana.wordpress.com

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