Defesa de direitos

Advogados têm o direito de questionar sentenças

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6 de agosto de 2010, 8h05

Advogados têm o direito legítimo de criticar uma decisão da qual discordem. O entendimento é do ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, que concedeu Habeas Corpus aos advogados Sérgio Niemeyer e Raimundo Hermes Barbosa em ação movida por um juiz após protestos feitos por eles. O juiz queria que os advogados fossem condenados por injúria. O Ministério Público foi além e pediu a punição por calúnia, difamação e injúria. Celso de Mello entendeu que não há motivos para condenação.

De acordo com o ministro, “os protestos foram formulados em termos objetivos e impessoais”, o que garante a livre manifestação. Os réus foram representados pelo advogado Alberto Zacharias Toron.

De acordo com a decisão, mesmo que representem duras críticas, os atos praticados pelos advogados “não podem ser qualificados como transgressões ao patrimônio moral de qualquer dos sujeitos processuais”.

O ministro Celso de Mello observou, também, que o STF tem decidido que o advogado transforma a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem restrições, em prática “inestimável” de liberdade. “Qualquer que seja a instância de poder perante a qual atue, incumbe, ao advogado, neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias — legais e constitucionais — outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos”. O ministro acrescentou que o profissional não pode ser cerceado injustamente na prática legítima de expor sua opinião sobre situações de arbítrio estatal ou desrespeito aos direitos daquele a quem defende.

De acordo com ele, “o Estado não tem o direito de exercer, sem base jurídica idônea e suporte fático adequado, o poder persecutório de que se acha investido, pois lhe é vedado, ética e juridicamente, agir de modo arbitrário, seja fazendo instaurar investigações policiais infundadas, seja promovendo acusações formais temerárias, notadamente naqueles casos em que os fatos subjacentes à persecutio criminis revelam-se destituídos de tipicidade penal”.

Além disso, o ministro Celso de Mello afirmou que o parecer do Ministério Público, que pediu a condenação dos advogados pela prática de calúnia, difamação e injúria, “extrapolou os limites materiais dos fatos narrados pelo autor da representação”. O autor pediu apenas a condenação por injúria. Celso de Mello afirmou que “o fato que constitui objeto da representação traduz limitação material ao poder persecutório do Ministério Público, que não poderá, agindo ultra vires, proceder a uma indevida ampliação objetiva da delatio criminis postulatória, para, desse modo, incluir, na denúncia, outros delitos cuja perseguibilidade, embora dependente de representação, não foi nesta pleiteada por aquele que a formulou”.

Ainda na decisão, o ministro disse que “a existência de divórcio ideológico resultante da inobservância, pelo Ministério Público, da necessária correlação entre os termos da representação e o fato dela objeto, de um lado, e o conteúdo ampliado da denúncia oferecida pelo órgão, de outro, constitui desrespeito aos limites previamente delineados pelo autor da delação postulatória e representa fator de deslegitimação da atuação processual do ‘Parquet’”.

Leia a decisão.

HABEAS CORPUS 98.237 (809)
ORIGEM :HC – 28341 – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PROCED. :SÃO PAULO
RELATOR :MIN. CELSO DE MELLO
PACTE.(S) :SÉRGIO ROBERTO DE NIEMEYER SALLES
IMPTE.(S) :CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS
DO BRASIL
ADV.(A/S) :ALBERTO ZACHARIAS TORON
COATOR(A/S)(ES) :RELATORA DO HC Nº 129896 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA Decisão: A Turma, à unanimidade, superando a restrição fundada na Súmula 691/STF, concedeu, de ofício, ordem de habeas corpus ao paciente Sérgio Roberto de Niemeyer Salles, e, por identidade de situação, estendeu-a ao co-réu Raimundo Hermes Barbosa, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 15.12.2009.

E M E N T A: "HABEAS CORPUS" – CRIMES CONTRA A HONRA – PRÁTICA ATRIBUÍDA A ADVOGADOS – REPRESENTAÇÃO FORMULADA POR MAGISTRADO EM DECORRÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PROCESSUAL PRODUZIDA PELO PACIENTE (E POR SEU COLEGA ADVOGADO) EM SEDE DE RAZÕES DE APELAÇÃO – PROTESTO E CRÍTICA POR ELES FORMULADOS, EM TERMOS OBJETIVOS E IMPESSOAIS, CONTRA OS FUNDAMENTOS EM QUE SE SUSTENTAVA A DECISÃO RECORRIDA – INTANGIBILIDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO – AUSÊNCIA DO "ANIMUS CALUMNIANDI VEL DIFFAMANDI" – EXERCÍCIO LEGÍTIMO, NA ESPÉCIE, DO DIREITO DE CRÍTICA, QUE ASSISTE AOS ADVOGADOS EM GERAL E QUE SE REVELA OPONÍVEL A QUALQUER AUTORIDADE PÚBLICA, INCLUSIVE AOS PRÓPRIOS MAGISTRADOS – "ANIMUS NARRANDI VEL DEFENDENDI" —CONSEQUENTE DESCARACTERIZAÇÃO DOS TIPOS PENAIS — ACUSAÇÃO DEDUZIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE ATRIBUIU, AOS ADVOGADOS, A SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES DE CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA – DENÚNCIA QUE EXTRAPOLOU OS LIMITES MATERIAIS DOS FATOS NARRADOS PELO AUTOR DA REPRESENTAÇÃO (MAGISTRADO FEDERAL), QUE PRETENDIA, UNICAMENTE, A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DOS ADVOGADOS PELO DELITO DE INJÚRIA — ATUAÇÃO "ULTRA VIRES" DO MINISTÉRIO PÚBLICO — INADMISSIBILIDADE — AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL — LIQUIDEZ DOS FATOS — POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL EM SEDE DE "HABEAS CORPUS" — EXTINÇÃO DO PROCESSO PENAL DE CONDENAÇÃO — AFASTAMENTO, EM CARÁTER EXCEPCIONAL, NO CASO CONCRETO, DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691/STF — "HABEAS CORPUS" CONCEDIDO DE OFÍCIO, COM EXTENSÃO DOS SEUS EFEITOS AO CO-RÉU, TAMBÉM ADVOGADO. REPRESENTAÇÃO E DENÚNCIA: LIMITAÇÃO MATERIAL QUE RESULTA DO FATO OBJETO DA DELAÇÃO POSTULATÓRIA.

— O fato que constitui objeto da representação oferecida pelo ofendido (ou, quando for o caso, por seu representante legal) traduz limitação material ao poder persecutório do Ministério Público, que não poderá, agindo "ultra vires", proceder a uma indevida ampliação objetiva da "delatio criminis" postulatória, para, desse modo, incluir, na denúncia, outros delitos cuja perseguibilidade, embora dependente de representação, não foi nesta pleiteada por aquele que a formulou. Precedentes.

— A existência de divórcio ideológico resultante da inobservância, pelo Ministério Público, da necessária correlação entre os termos da representação e o fato dela objeto, de um lado, e o conteúdo ampliado da denúncia oferecida pelo órgão da acusação estatal, de outro, constitui desrespeito aos limites previamente delineados pelo autor da delação postulatória e representa fator de deslegitimação da atuação processual do "Parquet". Hipótese em que o Ministério Público ofereceu denúncia por suposta prática dos crimes de calúnia, difamação e injúria, não obstante pleiteada, unicamente, pelo magistrado autor da delação postulatória (representação), instauração de "persecutio criminis" pelo delito de injúria. Inadmissibilidade dessa ampliação objetiva da acusação penal.

INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO — CRIMES CONTRA A HONRA — ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO — O "ANIMUS DEFENDENDI" COMO CAUSA DE DESCARACTERIZAÇÃO DO INTUITO CRIMINOSO DE OFENDER.

— A inviolabilidade constitucional do Advogado: garantia destinada a assegurar-lhe o pleno exercício de sua atividade profissional.

— A necessidade de narrar, de defender e de criticar atua como fator de descaracterização do tipo subjetivo peculiar aos delitos contra a honra. A questão das excludentes anímicas. Doutrina. Precedentes.

– Os atos praticados pelo Advogado no patrocínio técnico da causa, respeitados os limites deontológicos que regem a sua atuação como profissional do Direito e que guardem relação de estrita pertinência com o objeto do litígio, ainda que expressem críticas duras, veementes e severas, mesmo se dirigidas ao Magistrado, não podem ser qualificados como transgressões ao patrimônio moral de qualquer dos sujeitos processuais, eis que o "animus defendendi" importa em descaracterização do elemento subjetivo inerente aos crimes contra a honra. Precedentes.

O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA E A NECESSIDADE DE RESPEITO ÀS PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS DO ADVOGADO.

— O Supremo Tribunal Federal tem proclamado, em reiteradas decisões, que o Advogado – ao cumprir o dever de prestar assistência àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado – converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja a instância de poder perante a qual atue, incumbe, ao Advogado, neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias — legais e constitucionais — outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos. 

— O exercício do poder-dever de questionar, de fiscalizar, de criticar e de buscar a correção de abusos cometidos por órgãos públicos e por agentes e autoridades do Estado, inclusive magistrados, reflete prerrogativa indisponível do Advogado, que não pode, por isso mesmo, ser injustamente cerceado na prática legítima de atos que visem a neutralizar situações configuradoras de arbítrio estatal ou de desrespeito aos direitos daquele em cujo favor atua.

— O respeito às prerrogativas profissionais do Advogado constitui garantia da própria sociedade e das pessoas em geral, porque o Advogado, nesse contexto, desempenha papel essencial na proteção e defesa dos direitos e liberdades fundamentais.

CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO: UMA EXIGÊNCIA INERENTE AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

— O Estado não tem o direito de exercer, sem base jurídica idônea e suporte fático adequado, o poder persecutório de que se acha investido, pois lhe é vedado, ética e juridicamente, agir de modo arbitrário, seja fazendo instaurar investigações policiais infundadas, seja promovendo acusações formais temerárias, notadamente naqueles casos em que os fatos subjacentes à "persecutio criminis" revelam-se destituídos de tipicidade penal. Precedentes.

— A extinção anômala do processo penal condenatório, em sede de "habeas corpus", embora excepcional, revela-se possível, desde que se evidencie – com base em situações revestidas de liquidez – a ausência de justa causa. Para que tal se revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal ou, até mesmo, à própria condenação criminal. Precedentes.

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