Os juízes e o Supremo

É impensável que não exista um juiz apto para o STF

Autor

  • Ney Bello

    é desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor da Universidade de Brasília (UnB) pós-doutor em Direito e membro da Academia Maranhense de Letras.

5 de agosto de 2010, 7h53

Será que dentre todos os magistrados do Brasil, pessoas que têm por profissão a missão de julgar, não haveria um só que cumprisse o requisito do “notável saber jurídico”? Impensável!

O fato de alguém ser magistrado não o dota de qualidade específica ou lhe atribui condição superior aos demais cidadãos para interpretar a Constituição. Dar significado aos dispositivos constitucionais não é privilégio de quem segue a carreira de juiz, pois a atividade político-interpretativa pode ser exercida por qualquer pessoa integrante da comunidade. A boa interpretação sequer é privativa dos operadores forenses e dos acadêmicos, embora seja difícil localizar a pré-condição de “notável saber jurídico” em quem não seja bacharel em direito.

Em 2 de agosto, o ministro Eros Roberto Grau completou sua trajetória no Supremo Tribunal Federal. A perspectiva deste ato fez aflorar, já há algum tempo, a discussão acerca de quem poderia — ou deveria — ser indicado pelo presidente da República para substituí-lo.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) elaborou consulta ampla entre seus representados e formou lista sêxtupla para ser apresentada ao presidente da República. Ela também vem afirmando que é chegada a hora da nomeação de um juiz para a Corte Suprema.

É razoável e legítimo este movimento político?

É preciso perceber que o Supremo Tribunal Federal não é exclusivamente Corte Constitucional, embora na maioria das vezes exerça esta função. Isto porque além de interpretar a Constituição, fazendo uso do controle concentrado e do controle difuso, o tribunal ainda possui outras competências, recursais e originárias, que o configuram como um tribunal Supremo, não necessariamente constitucional.

Julgar um congressista que cometeu um crime pode ser considerada uma relevante função política, mas certamente ali não se trata de matéria constitucional, até porque os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal, em se tratando de deputados e senadores, não diferem daqueles encontrados quando o réu é cidadão comum. E não é só em matéria penal que a Corte deixa de exercer função estritamente interpretativa da Constituição.

No julgamento de questões que digam respeito aos conflitos naturais de toda sociedade, o modelo de diferenciação funcional vigente impõe ao juiz esta função. Em outras palavras, cabe a quem exerce o cargo de magistrado dirimir conflitos. Se entendermos equivocada e sectária esta atribuição — quando se trata de STF — não teremos razão teórica para negar a utilidade de qualquer bacharel em direito ser nomeado para exercício em qualquer vara, de qualquer comarca e em qualquer estado.

O senso comum pode até entender que o advogado, o delegado, o procurador ou o leigo interpretam as leis e decidem melhor que o juiz. É possível até que, conforme este ou aquele referencial, isto seja verdade. Conquanto, abolir a diferenciação significa implodir o sistema, e já não haveria mais razão sequer para a carreira ou para o concurso público. A legitimidade formal é fundamental para a existência do modelo de jurisdição.

Se para interpretar a Constituição não é necessário ser magistrado, para efetivar o sistema normativo, com força e legitimidade, é fundamental que o agente seja um juiz. Considerando que o STF exerce atividade dúplice — tribunal constitucional e tribunal comum — não é razoável que os juízes pleiteiem sua participação na Corte?

Por outro lado, se é normal no Brasil e no resto do mundo que os latinos, os nipo-descendentes, os imigrantes, os indígenas e os afro-descendentes busquem um lugar na Corte que decide as questões constitucionais, por que não seria legítimo que as mulheres e as demais orientações sexuais também fizessem o mesmo?

Nesta linha de argumento, por que não seria legítimo que procuradores, juízes, delegados e advogados exercessem o direito ao movimento político para se verem contemplados?

No Brasil, por que seria sectarismo pleitear que o próximo nomeado seja alguém que hoje exerce o cargo de juiz em qualquer instância ou tribunal? Será que dentre todos os magistrados do Brasil, pessoas que têm por profissão a missão de julgar, não haveria um só que cumprisse o requisito do “notável saber jurídico”? Impensável! E o que faz alguém acreditar que um bacharel que nunca exerceu esta função sempre a exerceria — no STF — de forma mais plural e competente?

O Supremo Tribunal Federal deve ser o local de exercícios plurais e hiper-complexos. Local para conservadores e liberais — à esquerda e à direita. O acesso deve ocorrer por competência, não por origem, mas é legítimo e razoável que categorias e classes desejem que o indicado — dotado de conhecimento e reputação ilibada — seja um integrante das suas hostes.

Isto é plural, é tolerante e é democrático, e não há razão para que este direito deixe de ser exercido em qualquer lugar do mundo, principalmente onde vigorar o Estado de Direito.

Autores

  • Brave

    é juiz federal, pós-doutor em Direito, professor, membro da Academia Maranhense de Letras e atualmente magistrado instrutor junto ao Supremo Tribunal Federal.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!