Tramitação acelerada

Projeto do novo CPC ainda não atingiu patamar ideal

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2 de agosto de 2010, 18h06

Está em curso no âmbito do Senado o anteprojeto de lei do novo Código de Processo Civil. Partindo da premissa de que são necessários novos instrumentos que possibilitem a redução do número de demandas e recursos, a comissão de juristas incumbida de elaborá-lo, sob a batuta do ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, após longas discussões e debates com a sociedade, através de audiências públicas e captação de sugestões, já apresentou as proposições que irão nortear a reforma e as condensou nos diversos dispositivos que deverão formar o novo código.

Propõe-se aqui uma breve análise sobre as proposições iniciais e o novo texto, no intuito de perquirir se estes serão suficientes para a obtenção da meta precípua da reforma, qual seja, buscar imprimir maior celeridade à Justiça, tornando-a mais efetiva.

De início, aos olhos mais desatentos, pode-se dizer que os trabalhos até então realizados levam a crer que se trata de uma mera reorganização do atual código, o qual se encontra em vigor desde 1º de janeiro de 1974 e já passou por diversas reformas.

Parece, pois, acertada a ideia de construir o novo código a partir de uma grande reorganização do atual codex. Tal providência, aliada ao abandono de institutos processuais ultrapassados e à adoção de novos e modernos mecanismos, certamente tornará o novo código mais preciso tecnicamente. Este terá, a princípio, 970 artigos distribuídos em cinco livros, assim dispostos: Parte Geral, Processo de Conhecimento, Processo de Execução, Meios de Impugnação das Decisões Judiciais (recursos) e Disposições Gerais e Transitórias.

Mas o anteprojeto em estudo não se limita à reorganização do Código de Processo Civil. Pelo que se depreende do texto apresentado pela douta comissão de juristas, a ideia central se foca na redução do número de recursos, pois a nova sistemática eliminará os embargos infringentes, restringirá a remessa necessária e o agravo (este ficará limitado a pouquíssimas hipóteses), cabendo em primeiro grau apenas um único recurso contra a sentença final, onde serão analisados todos os inconformismos quanto aos atos decisórios proferidos no processo (eliminando-se, portanto, a preclusão), exceção feita ao novo instituto denominado tutela de urgência, em relação ao qual será possível o manejo de agravo de instrumento.

A redução dos recursos, então, poderá redundar em maior agilidade do processo em segundo grau, com expressivo alívio da carga de trabalho dos tribunais, não fosse a temerária possibilidade da substituição dos recursos suprimidos no novo texto pelo mandado de segurança contra as decisões interlocutórias dos magistrados.

Ainda que tal não ocorra, a redução das hipóteses de recursos, por si só, deverá trazer reflexos pouco significativos em relação aos processos que tramitam perante o primeiro grau, daí porque louvável a adoção, pela douta comissão de juristas, da simplificação do processo, com a eliminação de vários de seus tradicionais institutos, como a reconvenção, a quase totalidade das hipóteses de intervenção de terceiros (permanecendo a denunciação à lide, com espectro mais amplo, e a assistência), além dos incidentes processuais, cujas matérias passarão a ser alegadas na própria contestação, e do processo cautelar. A adoção de um procedimento único, modulável ao prudente alvitre do magistrado, além da exclusão de vários dos procedimentos especiais, da unificação dos prazos processuais, com sua contagem somente em dias úteis, assim como o procedimento edital (usucapião), certamente trarão maior simplicidade ao processo, facilitando a vida dos operadores do Direito.

Institutos inovadores não deverão ficar de fora do novo código. A medida de agravamento de ônus financeiro, como a inclusão de honorários recursais devidos a cada desprovimento de recurso, com certeza inibirá os recursos protelatórios. O chamado incidente de coletivização dos litígios de massa trará maior celeridade às demandas semelhantes, pois vinculará as causas que se encontram em idêntica situação jurídica. As tutelas de urgência e de evidência, que substituirão a medida liminar, a medida cautelar e a antecipação da tutela, cabível a primeira nas hipóteses em que houver possibilidade de dano irreparável, e a segunda naqueles casos em que a pessoa tem um direito líquido, certo e inequívoco, que justifica uma providência imediata, tal como ocorre no mandado de segurança, por certo trarão maior singeleza e agilidade ao processo.

Tudo isso, entretanto, poderá não ensejar o efeito desejado, pois a reforma olvidou um ponto nevrálgico, qual seja, o excesso de formalismo processual em primeira instância. A enorme quantidade de atos que devem ser praticados no processo, em razão das atuais formalidades procedimentais, com as idas e vindas dos autos das partes para o cartório, deste para o juiz, ensejando um círculo vicioso de difícil rompimento — eis que não se pode abrir mão dos princípios constitucionais que devem nortear o processo, como o da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal — parece ser a verdadeira causa da morosidade processual em primeira instância. Outros países há tempos já compreenderam que o excesso de formalismo é a principal causa da lentidão da Justiça.

Conforme é sabido, a celeridade já vem sendo praticada no exterior, sendo prevista na Convenção Americana de Direito Humanos desde 1939 e na Convenção Européia dos Direito Humanos desde 1950. Na Europa, por exemplo, novas leis e medidas para agilizar o processo surgem a cada dia, como a “calendarização”, em que o juiz recebe a ação e já programa as audiências necessárias, estabelecendo como o processo se desenvolverá.

Com o reconhecimento da duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação como direito fundamental (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal), a sociedade está à espera de alterações práticas do sistema processual vigente objetivando conferir maior fluidez e efetividade aos processos judiciais, sem que com isso haja qualquer violação aos princípios constitucionais já referidos.

Em que pesem as últimas alterações sofridas pelo atual código, ainda não se atingiu o patamar desejado que proporcione uma efetiva satisfação do direito do cidadão.

Assim, a expectativa é de que se consiga desenhar um modelo procedimental ao mesmo tempo célere e garantidor dos mencionados princípios constitucionais, pois, sem a certeza da duração razoável da tramitação do processo, não se pode ter efetividade da tutela jurisdicional.

Talvez algumas breves e singelas sugestões possam ser colocadas aqui em debate. Uma delas propõe o estabelecimento de um prazo para o encerramento do processo, a já referida “calendarização”, à semelhança do que já vem sendo feito, a título experimental, numa das Varas da Justiça Federal em São Paulo. Ao protocolar a inicial, a parte já saberia, de antemão, a data das audiências de conciliação e de instrução e julgamento e, portanto, quando o seu processo estaria julgado. Nesse primeiro momento, a parte autora já sairia do protocolo com a ordem de citação e de intimação do réu, via postal, para comparecimento à audiência de conciliação, a partir da qual iniciaria o prazo para a contestação, cuja peça processual abrigaria todos os temas alegados pela defesa. Se infrutífera a conciliação, o magistrado analisaria, nessa oportunidade, a viabilidade de prosseguimento da ação, ou seja, se estão atendidos todas as suas condições e pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo. Realizado esse juízo de admissibilidade da inicial, as partes já sairiam intimadas da data para a audiência de instrução e julgamento, a se realizar no prazo máximo de 180 dias, somente prorrogável a pedido daquelas.

Tal sistemática reduziria drasticamente a quantidade de atos processuais e a movimentação dos autos, possibilitando ao magistrado o contato com o processo somente nas oportunidades realmente necessárias.

Outra sugestão reside no abandono do processo linear. Pela proposta, os autos principais abrigariam apenas as peças processuais das partes, os autos e termos lavrados pela serventia e os atos decisórios, enquanto que os atos de mero expediente ficariam em autos apartados, ao passo que as provas documentais e periciais restariam encartadas em caderno próprio, com numeração sequencial para cada uma delas, incumbindo às partes o dever de indicá-las expressamente em suas manifestações. Referido método de organização ensejaria maior facilidade de manuseio e consulta do processo, possibilitando sua análise e estudo mais racional e célere.

Enfim, em que pese o louvável trabalho até então já realizado pela douta comissão, nossos parlamentares deverão estar atentos aos anseios dos cidadãos, sem medo de ousar e de inovar, sob pena de perder a grande oportunidade de apresentar uma nova sistemática processual que possa trazer uma efetiva e real mudança cultural em relação às atuais práticas processuais que perduram há décadas e não atendem mais aos interesses da sociedade moderna.

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