Tempo na Justiça

Comunidade jurídica debate duração de processo

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30 de abril de 2010, 16h06

A duração razoável do processo e a jurisdição justa estão entre as maiores preocupações dos magistrados brasileiros. O assunto foi tema de um painel no XV Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, em Brasília, na quinta-feira (29/4). A Justiça do Trabalho, que atua em todo o país com 3.145 juízes em 1.378 varas, 24 tribunais regionais e um tribunal superior, decidiu mais de 2,9 milhões de processos em 2009 e foi o setor que mais se aproximou de cumprir a meta do Conselho Nacional de Justiça. Julgou 86% dos processos datados até 2005. A preocupação com as decisões em massa, que chegam a 400 ou 500 processos por sessão no TST, coloca em debate o direito à celeridade e os resultados administrativos.   

O professor Willis Santiago, da UniRio, concorda que a duração razoável do processo, se for assegurada como um direito, seja um dos requisitos para se ter a jurisdição justa. Para ele, “o positivismo se mostrou nefasto devido ao seu tecnicismo e o excesso de formalismo. E o repensar das instituições jurídicas passa necessariamente por repensar objetivamente os valores humanos”.  

Entretanto, o professor entende que estabelecer uma regra de duração para o processo não estará resolvendo o problema de Justiça. “Não se pode deixar de unir ao princípio da celeridade, o princípio da proporcionalidade para conferir justiça com paz social e certeza jurídica”. Para Willis Santiago, a proporcionalidade seria um ponto de equilíbrio entre o direito do trabalhador e o respeito à livre iniciativa. Esse ponto é a dignidade da pessoa humana, que deve prevalecer em qualquer situação de conflitos entre direitos. “Significa que em certas situações pode haver maior celeridade, mas também, em outros casos, pode haver necessidade de maior cuidado, um maior vagar na prestação da tutela jurisdicional”, disse.

40 anos de atraso
A procuradora-chefe da Procuradoria do Trabalho da 3ª Região, Elaine Nassif, acrescentou um dado preocupante. No Brasil, a discussão sobre a celeridade processual chega com 40 anos de atraso em relação aos Estados Unidos e a Europa. É um prejuízo, pois até mesmo países europeus que demoraram a instituir o processo célere, como a Itália, está pagando um alto preço, segundo ela.

Elaine Nassif lembrou que no Brasil a duração razoável do processo é um princípio que se baseia na administração por resultados e foi estabelecido pela Constituição Federal (EC 45) como forma de combater a morosidade da Justiça, na linha do excesso de formalismo processual. Mas, a defesa da celeridade, que só agora chega ao país, já é praticada nos Estados Unidos e na Europa, sendo prevista na Convenção Americana de Direito Humanos desde 1939 e na Convenção Européia dos Direito Humanos desde 1950. “Isso se explica pelo fato dessas convenções terem sido firmadas no pós-guerra e durante ditaduras no Brasil, que antes de adotar o modelo teve de primeiro assegurar o tribunal independente e as garantias à ampla defesa e ao contraditório”.

Na Europa, o princípio da duração razoável do processo se fortaleceu porque a corte de Strasburgo obrigou os países europeus a garantir a aplicação dos direitos previstos na Convenção de Direitos Humanos. Segundo a procuradora do Trabalho, a Itália foi condenada sucessivas vezes por descumprir a regra, até que em 1999 alterou sua Constituição para acrescentar o direito (artigo 111). Em 2001, aprovou a Lei “Michelli Pinto”, que prevê indenização decorrente de violação do artigo 6º da Convenção.

“É o inverso do que queremos aqui, onde primeiro se estuda o que fazer para racionalizar o processo e prestar uma jurisdição mais célere. Lá eles dizem que o direito a uma prestação célere implica o dever do estado de indenizar quem sofreu dano pela demora, não importando se a causa é complexa ou se a decisão seria justa”. De acordo com a procuradora, a Itália está sendo pressionada, porque está saindo mais caro uma Justiça lenta do que investir no Judiciário. O Estado italiano já pagou 41 milhões de euros e ainda deve 118 milhões de euros em indenizações. Com isso, novas leis estão surgindo para apressar as decisões, como a “calendarização”, onde o juiz recebe a ação e de imediato determina audiências, juntada de provas e determina como o processo vai se desenvolver.  

Eficiência e rapidez
Elaine Nassif ressaltou que na Itália não existe uma definição do que seja duração razoável. O critério da razoabilidade é apenas um parâmetro para se avaliar a extensão temporal do processo. Esse critério se resolve na exigência de uma justiça tempestivamente administrada, portanto eficiente. Mas a eficiência não se prende na rapidez do juiz. Ela tenta aliar as garantias processuais com a administração da Justiça. São considerados itens como a complexidade da causa, o comportamento das partes e o comportamento do juiz e demais autoridades que colaboram nas decisões.

“Há uma clara diferença entre o que está acontecendo no Brasil e o que ocorre na Europa”, observa a procuradora do Trabalho. “Aqui a discussão envolve vários fatores onde se busca descobrir os motivos da lentidão, promove-se reformas e alterações diversas. Na Europa, eles são objetivos, se não resolveu em tempo hábil e o sujeito teve danos, a parte tem direito a indenização”.

Segundo Elaine Nassif, em julho de 2004, a suprema corte italiana afastou a responsabilização do juiz, promotor ou de qualquer autoridade, garantindo a reparação de danos caso haja desrespeito à duração razoável do processo. O Conselho Nacional da Magistratura italiana considerou que os juízes e servidores fazem parte de um conjunto responsável pelos resultados.

Teorias que não funcionam
José Aparecido dos Santos, juiz do Trabalho da 9ª Região, fez várias críticas ao modelo de instrumentalidade do processo judicial, problemas que para ele colocam em choque a duração razoável do processo e a possibilidade de uma decisão justa. Disse que o magistrado brasileiro é enxergado como um ser especial, capaz de decidir rapidamente e afirmar o que é justo. “Mesmo tendo em mãos um processo complexo, ao juiz basta ter a sensibilidade para aplicar uma justiça pré-existente, de preferência usando uma súmula do tribunal superior”, ironizou.   

A teoria do contraditório e ampla defesa, onde as partes fazem alegações com igualdade e ao final o juiz escolhe o melhor argumento, também revela problemas. “A igualdade das partes se resume em ambas cumprirem um prazo para se manifestar, devendo atuar com procedimentos que são fixados em lei e não podem ser modificados pelo juiz”, argumentou. Para ele, “em vários casos o juiz vai precisar de mais tempo do que o previsto em lei, porque será injusto para o próprio princípio do contraditório, obter a justa decisão a partir dos prazos fixados em lei”.

Especificamente no processo trabalhista, José Aparecido dos Santos disse que os juízes são acusados de violar o procedimento e estariam sendo autoritários por adotar procedimentos não previstos em lei.  “Isso é absolutamente impossível, porque o procedimento é sujeito a uma contínua interpretação, principalmente o trabalhista, que ele mescla regras do Código de Processo Civil e da CLT”. O problema, segundo Santos, é que “essas regras muitas vezes são incompatíveis, exigindo interpretações”.

Santos defendeu o processo coletivo e disse que é preciso pensar em soluções coletivas das demandas judiciais. “Nós precisamos pensar em novos papéis para o juiz e em novos papéis para o processo, que não tem mais sentido como um encaminhamento individual de demandas que se repetem continuamente a respeito do mesmo assunto”. Entretanto, ressaltou que não se trata de eleger legitimados para solucionar as questões, mas de instituir direitos coletivos e mecanismos coercitivos que evitem a repetição de demandas. “É vergonhoso que a grande parte das demandas no país sejam produzidas pelo Estado, pelas instituições financeiras e pelas empresas de telecomunicação”, disse. Para ele, casos repetidos como “as demandas sobre a conta do celular dependeriam muito mais de uma política pública vinculada à solução desses problemas. Portanto, devemos pensar também em políticas publicas que conduzam à diminuição das demandas judiciais”.  

Qualidade em tempo hábil
Em outra sala do Congresso de Magistrados, os juízes do trabalho assistiam à palestra do ministro do STJ, Gilson Dipp, que é corregedor nacional da Justiça. Para Dipp, as políticas públicas implantadas no âmbito do Judiciário “fizeram com que o número de ações julgadas em tempo hábil aumentasse consideravelmente”. O ministro defendeu a celeridade como “um direito constitucional do cidadão”.

Gilson Dipp afirma que todas as políticas implantadas em conjunto pelo Conselho Nacional de Justiça e os tribunais foram importantes para reduzir demandas e aumentar a celeridade do processo. “Um marco divisor dessa política foi a Meta 2 do CNJ”, disse o ministro. “Não vejo que a celeridade implique em queda na qualidade das decisões, acho perfeitamente possível que o magistrado decida com qualidade e em tempo hábil”, afirmou. O ministro disse, ainda, que a Justiça Federal, incluindo a do Trabalho, proporcionam o aparato tecnicológico e humano para que haja decisões rápidas e de boa qualidade.  

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