Direito concreto

Juiz e ministra divergem sobre ativismo judicial

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29 de abril de 2010, 20h32

O desembargador Gustavo Alkmin (TRT-1ª Região) demonstrou o seu descontentamento com a atuação do Tribunal Superior do Trabalho, em relação aos direitos do trabalhador, e disse que “o TST editou várias súmulas e orientações que destroem direitos”. Em contraposição, a ministra do TST, Kátia Arruda, disse que a jurisprudência da corte vem mudando nos últimos anos com as alterações na sua composição, e os ministros estão decidindo questões importantes a favor do trabalhador brasileiro. Desembargador e ministra debateram a concretização dos direitos econômicos e sociais, durante o Congresso Nacional dos Magistrados do Trabalho (Conamat), nesta quinta-feira (29/4), em Brasília.

A Justiça do Trabalho é constituída pelo Tribunal Superior do Trabalho, por 24 Tribunais Regionais e por 1.378 Varas Trabalhistas. São 3.323 cargos de juiz e 35.799, de servidor. O gasto total da Justiça Trabalhista equivale a 0,32% do PIB, fechou em cerca de R$9,3 bilhões em 2008. Só no TST, foram recebidos 205.711 processos em 2009, 12% a mais que em 2008. Foram julgados 265.802, 30% a mais do que foi distribuído.

Apesar das estatísticas não estarem atualizadas, os valores movimentados pela Justiça trabalhista impressionam. Em 2007, foram pagos aos reclamantes mais de R$ 10 bilhões. Os valores decorrentes das conciliações judiciais representaram 31,6% do total e aumentaram 28,6% em relação a 2006. Os valores pagos decorrentes da execução representaram 68,4% e diminuíram 7,9%.

Desde 1994, a Justiça do Trabalho julga mais de dois milhões de ações por ano. Em 2009, foram julgados 2.914.547 processos. Embora tenha julgado 98% da quantidade recebida no ano, iniciou 2010 com um estoque de 1,4 milhão de processo pendentes de julgamento. No ano passado, a Justiça do Trabalho foi a que mais se aproximou de cumprir as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça, tendo julgado 86% dos processos pendentes com data até 2005.

Independência do juiz
Mas, o trabalho para o cumprimento de metas não é bem aceito entre os juízes. O desembargador Gustavo Alkmin e o juiz Jorge Luiz Souto Maior (TRT-15ª Região), que também participou do painel, criticaram a adoção de metas para o Judiciário. “A decisão não é apenas um dado estatístico, é uma forma de concretização ou de negação do direito que repercute na vida social”, disse Souto Maior. Defendendo a independência do juiz, que “só está subordinado ao direito”, disse que “o magistrado é responsável por concretizar direitos do trabalhador”, mas “a visualização da realidade requer preparação e acúmulo de experiências não mecanizadas”.

Em 2009, as partes pagaram R$ 232, 2 milhões em custas e emolumentos à Justiça do Trabalho e o governo arrecadou mais de R$ 1,6 bilhão através do INSS e R$ 1,2 bilhão em Imposto de Renda. Foram aplicados R$ 18 milhões em multas.

Para Souto Maior, existe uma prática de abuso de direitos e algumas empresas reclamadas chegam a dizer ao juiz, em audiência, que não têm condições econômicas de cumprir os direitos trabalhistas, deixando subentendido que a única forma para não fechar as portas é descumprir a lei. “E ainda cobram do juiz que auxilie a convencer o reclamante a renunciar a parcela dos seus direitos”, disse.

Houve um caso em que, segundo o juiz, o empregador já havia respondido por várias ações trabalhistas, “todas terminadas em acordo que representavam pagamento muito aquém do que era devido. Constatei que o empresário agia dessa forma há vários anos, abrindo e fechando restaurantes, fazendo acordo sempre sob o argumento da dificuldade econômica”. O juiz do TRT-15 reclama, dizendo que “parece não interessar discutir esse tipo de problema. O que interessa é extinguir o processo e o resultado é que o deliberado desrespeito à lei passa a ser uma estratégia econômica e administrativa”, concluiu.

Em outro caso, Souto Maior constatou que uma empresa terceirizada desapareceu, deixando dívidas trabalhistas que foram cobradas do tomador dos serviços, um grande supermercado, o qual propôs um acordo. “Depois de quatro anos, a empresa quis baixar de R$ 2,9 mil para R$ 2 mil e se pensarmos bem, na perspectiva das metas, a homologação desse acordo representa um resultado perfeito, a eliminação do processo”, indignou-se.

Gustavo Alkmin acrescentou que a necessidade de proteger o direito do trabalhador justifica a existência de uma Justiça especializada e que o juiz do trabalho tem características próprias. “Quando nós abrimos mão desses princípios para proteger a empresa, o emprego e a paz nas relações sociais e de capital, estamos abrindo mão de um papel que nos foi destinado exclusivamente.” Para ele, o juiz que constrói direitos também pode destruir e o ativismo judicial fica “às avessas, como tem ocorrido com o TST”.

Destruir Direitos
O desembargador Gustavo Alkmin afirmou que há várias súmulas do TST, como a que cuida da prevalência do negociado sobre o legislado, da proteção da mulher, da restrição de estabilidade do gerente sindical, entre tantas outras, que são verbetes que “se valem do ativismo judicial, que nada mais é do que um princípio que deve ter em mente a concretização da Constituição e a efetivação de direitos humanos e de proteção ao trabalhador. Mas, se não acrescentarmos esse princípio tão caro, podemos fazer o ativismo judicial às avessas, como essas súmulas que, na verdade, destroem direitos”. Preocupado com o que ele chama de “grande nó” do debate, Alkmin indagou “qual é o limite” da Justiça do Trabalho.

Para ele, vale apenas para a Justiça comum a conceituação clássica da indenização por danos morais, em que o juiz deve equilibrar a balança para que não haja o enriquecimento em demasia do ofendido e que considere o caráter didático da indenização. “As relações de trabalho são continuadas e o juiz do trabalho, para fixar a indenização por danos morais, deve refletir até que ponto o precedente não vai ser tão didático a ponto de ter reflexo nas relações idênticas”, disse o desembargador. “É nesse momento que a Justiça do Trabalho se diferencia e a gente pode pensar em construção de direitos sociais.”

Por outro lado, o desembargador disse que “há bons exemplos de ativismo judicial em proteção ao trabalhador” e citou a decisão do TRT-15, que impediu as demissões em massa na Embraer. Citou ainda um de seus julgados, uma Ação Civil Pública do Ministério Público com fixação de alta indenização contra a Souza Cruz, que teria repercussão para toda a indústria do cigarro. “Infelizmente, a decisão foi suspensa por uma liminar no TST.”

Responsabilidade solidária
“Mas, no item de destruir direitos, nós temos que pensar, por exemplo, que haverá a mesma repercussão, de forma negativa, se o STF liberar a responsabilidade dos entes públicos em casos de terceirização”, disse Gustavo Alkmin. O desembargador entende que os juízes do trabalho devem se posicionar contra a isenção da administração pública em relação à terceirização. “Se for dado como constitucional o artigo 77, o que vai acontecer? A pauta do tribunal (TRT-1), de 30% a 40%, é de responsabilidade subsidiária de administração pública. Essa decisão do Supremo pode ter um efeito devastador na terceirização que ainda é tão presente na administração pública.”

A ministra Kátia Arruda ressaltou que não falava em nome do TST, mas discordou do desembargador e apresentou informações contrárias. Segundo ela, a flexibilização é permitida constitucionalmente, mas só poderia ser admitida quando examinada no contexto em que está inserida. Ela utilizou uma só interpretação do artigo 7º da CF, para avaliar também a questão dos acordos e convenções coletivas.

“Quando o legislador constituinte reconheceu acordos e convenções coletivas, foi porque estavam sendo constantemente violados pelas empresas empregadoras. Mas agora a coisa reverteu. Utiliza-se o acordo e a convenção coletiva para violar direitos e isso tem sido aceito. Sou da Seção de Dissídios Coletivos do TST e defendo arduamente acordos e convenções coletivas, mas entendo que sua interpretação está subordinada ao caput do artigo 7º, que diz que são direitos dos trabalhadores, os que visem a melhoria de sua condição social.”

Outro entendimento que a ministra relacionou foi sobre o adicional de periculosidade, que não pode ser reduzido de 30% para 1%, como trazem alguns acordos e convenções coletivas. “Não vejo isso como um preceito que alcance a finalidade constitucional de melhoria da vida dos trabalhadores”, disse. Kátia Arruda ressaltou que nem sempre suas posições são vencedoras no TST, mas entende que isso é importante porque “é assim que se constrói a jurisprudência”.

Exemplos positivos
A ministra pesquisou a jurisprudência do TST nos últimos dois anos e apresentou decisões que ela considera positivas. Na esfera dos direitos coletivos, que para ela “é um dos aspectos que o TST tem melhor transformado a sua visão”, Kátia Arruda destacou cinco exemplos. “A reafirmação da greve como direito, afastando multas exorbitantes aplicadas aos sindicatos grevistas. Temos exemplo de um regional que aplicava multas altíssimas se o sindicato não mantivesse na ativa, em período de greve, de 80% a 100% da sua categoria”, contou a ministra, provocando risos na plateia de cerca de 600 juízes e advogados trabalhistas. “Afinal, é ou não é direito de greve”, indagou.

O segundo exemplo apontado por Kátia Arruda foi o recente cancelamento da Orientação Jurisprudencial 12, decido pelo TST na última segunda-feira (26/7). A OJ afirmava a ilegitimidade do sindicato de trabalhadores para ajuizar dissídio de greve por ele deflagrada. “Havia uma desproporcionalidade. Somente o sindicato patronal e o MP poderiam ajuizar dissídios de greve. Embora a greve seja um direito, há muito tempo, continuava sendo interpretada como delito.” A decisão do TST foi por maioria absoluta, com 17 votos favoráveis.

A ministra citou ainda, como exemplo de decisões positivas para os trabalhadores, “as decisões reiteradas que aceitam como válidas as cláusulas de instrumento coletivo que reconhecem o direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, embora ainda não regulamentado constitucionalmente”. Ainda em relação a dissídios coletivos, lembrou “a decisão histórica, que utilizando a interpretação integradora e principiológica do direito pátrio e também do direito comparado, a despeito de não regulamentada a previsão constitucional relativa à proibição de despedida arbitrária ou sem justa causa, entendeu que nos casos de despedidas massivas, coletivas, que atingem de uma vez só centenas de trabalhadores, será exigida a negociação prévia como requisito de validade. Essa decisão é inovadora no nosso direito”, destacou.

Na esfera dos direitos individuais, Kátia Arruda citou a Orientação Jurisprudencial 372 que não admite a flexibilização da jornada de trabalho para elastecer o limite de cinco minutos que antecede e sucede a jornada. Segundo a ministra, havia diferentes entendimentos de limite, variando de cinco minutos até uma hora, mas a jurisprudência proibiu mesmo que seja prevista em norma coletiva.

Citou ainda a OJ 355, que determina o pagamento integral das horas subtraídas nos intervalos interjornadas, acrescidas do respectivo adicional. Segundo ela, a maioria dos juízes de primeiro e segundo grau determinava o pagamento apenas do período trabalhado, mas o TST estabeleceu que, uma vez descumprida a jornada, o empregador tem de pagar integralmente. “Veja que foi mais do que a maioria das decisões”, observou.

A ministra ainda falou sobre o cancelamento da OJ 351, que flexibilizava a aplicação da multa prevista no artigo 477, parágrafo 8º da CLT, decisão “muito comemorada pela magistratura trabalhista”. Kátia Arruda encerrou lembrando que “há menos de 10 anos a Justiça Trabalhista foi ameaçada de extinção, mas ressurgiu fortalecida, despida de nepotismo e independente”. Considerou que o Direito do Trabalho “é um modelo eficaz na construção de um padrão social e no combate às diferenças sociais”, mas ressaltou que os magistrados trabalhistas “não têm como mudar, pela sua atuação individual, o modelo econômico do país”.

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