O mais, o menos e o nada

Faz todo sentido avaliar desempenho de ministros

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27 de abril de 2010, 12h43

Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 20 de abril (clique aqui para ler no Consultor Jurídico), o professor de direito constitucional Oscar Vilhena Vieira, coordenador do programa de Mestrado em Direito da Fundação Getúlio Vargas (SP), contesta tanto a relevância quanto o acerto do recém-inaugurado projeto Meritíssimos, da Transparência Brasil.

Voltado para o desenvolvimento de indicadores quantitativos de desempenho dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o Meritíssimos permite, pela primeira vez no Brasil, realizar comparações entre os ministros.

O foco do projeto são tempos de tramitação: quanto tempo demora cada ministro para resolver as ações que lhes cabem e como cada ministro se compara com os demais.

Pois bem, o professor Vilhena considera que tal preocupação seria equivocada, uma vez que o problema fundamental do STF não seria o tempo que os processos demoram para ser resolvidos, mas a enorme quantidade deles.

Ora, que o STF recebe uma quantidade e uma variedade absurdas de processos, sabemos todos. O fato é explicitado logo na capa do projeto Meritíssimos, o que poderia ter sido constatado por Vilhena caso ele tivesse se dado ao trabalho de examinar, mesmo que perfunctoriamente, aquilo que critica. Se menos processos chegassem ao STF, menos processos cada ministro teria de resolver, mais atenção seria dedicada a cada processo e mais eficiente o tribunal seria. A conclusão é trivial ao ponto de ser pueril.

O que Vilhena não percebe, ou não quer perceber, é que, independentemente de quantos processos recaem sob a responsabilidade de cada ministro, faz todo sentido determinar se existem diferenças entre os tempos que cada um deles demora para resolvê-los. Como também faz todo sentido indagar como se distribuem, entre os ministros, as responsabilidades pelo número de processos que permanecem abertos na Corte e assuntos correlatos.

Não para Vilhena, porém. Para ele, tais perguntas seriam irrelevantes. Em seu entender, nada disso deveria ser feito e o público deveria permanecer ignorante a respeito de diferenças de desempenho entre ministros, deveria desconhecer quem responde por quanto do congestionamento do STF, como se distribuem os tempos de tramitação conforme classes processuais e ramos do Direito e assim por diante.

Na visão de Vilhena não faria sentido constatar-se que, ao se considerarem processos do ramo Administrativo (por exemplo) distribuídos nos últimos 24 meses no STF, o ministro Ricardo Lewandowski os resolveu em 26 semanas, em média, ao passo que o ministro Cezar Peluso demorou 40 semanas.

Tampouco seria interessante ao público saber que permanece nas mãos do ministro Carlos Ayres Britto, ainda sem resolver, um total de 197 Habeas Corpus, enquanto o ministro Celso de Mello retém 514, um número duas vezes e meia maior.

Comparações desse tipo, englobando todos os ministros, as principais classes processuais e ramos do Direito, estão disponíveis a qualquer um no sítio de Internet do projeto Meritíssimos.

O que o projeto não pretende responder é por que os ministros do STF apresentam desempenhos tão diferentes. O que o projeto faz é sistematizar informações de modo a permitir que outros, em particular especialistas como Vilhena, formulem perguntas, busquem respostas e proponham alterações na mecânica de funcionamento do tribunal de forma a reduzir a influência de peculiaridades pessoais de ministros.

Por outro lado, caso não se sistematize esse tipo de informação, como desejaria Vilhena, torna-se impossível formular qualquer pergunta, pois não se pode investigar o nada. O que, aliás, era o caso até o surgimento do projeto Meritíssimos. Não há notícia de que os especialistas brasileiros da área tenham se preocupado em analisar estatisticamente os tempos de espera para a resolução de processos.

Esse, porém, não é um problema alocável à Transparência Brasil, mas a esses especialistas, Vilhena incluído.

A esse respeito, é interessante observar que Vilhena deixa escapar, em seu artigo, uma tentativa de inverter responsabilidades. Escreveu ele que seria necessário “reformular o modo pelo qual se constrói a agenda do tribunal. Hoje é difícil compreender a lógica. Alguns processos são julgados em 24 horas e outros permanecem sem decisão por anos. Como justificar isso? Essa, sim, seria uma questão sobre a qual a Transparência Brasil poderia se debruçar, com mais proveito.”

Obviamente, esse “com mais proveito” no final do parágrafo servia apenas para reforçar a depreciação da quantificação realizada no projeto Meritíssimos, promovida por Vilhena.

Seja como for, no projeto – coisa que Vilhena poderia ter se dado ao trabalho de verificar por si mesmo, uma vez que está publicado – exibem-se as características da distribuição estatística dos tempos de resolução de processos e se procede a uma modelação para descrevê-la. A partir daí, fornece-se uma explicação para a percepção pública de que (embora objetivamente não seja o caso) no STF processos parecem demorar “para sempre” para serem resolvidos.

Quanto a buscar explicações para a distribuição observada e propor soluções, embora isso deva ser preocupação de todos, decerto o eventual leitor concordará em que os primeiros responsáveis por tratar o assunto são os especialistas da área.

O que jamais se poderia esperar de um especialista da área, e menos ainda de alguém com as responsabilidades do professos Vilhena, seria argumentar pela renúncia de se descreverem quantitavamente os fenômenos de seu próprio terreno de atuação.

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    é diretor executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção no país (www.transparencia.org.br). Mantém o blogue crwa.zip.net.

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