Proteção da lei

Justiça do Trabalho aplica a lei, que é protecionista

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25 de abril de 2010, 9h50

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A Justiça do Trabalho concretizou uma etapa de uma das grandes disputas com a Justiça comum: o leilão da Fazenda Piratininga. A venda pública da propriedade do empresário Wagner Canhedo Azevedo, ex-dono da Vasp, não aconteceu neste mês por falta de comprador. O evento, no entanto, foi uma conquista para o Direito do Trabalho e uma derrota aos juízes de falência, que disputaram o bem avaliado em R$ 615 milhões.

Há dois anos a Justiça do Trabalho disputa a competência do processo com a vara de falência. Em março, o ministro corregedor Carlos Alberto Reis de Paula, do Tribunal Superior do Trabalho, suspendeu liminar contrária ao leilão, expedida pelo Superior Tribunal de Justiça, e determinou que a 14ª Vara do Trabalho de São Paulo desse andamento ao processo.

O presidente do Tribunal Regional de Trabalho da 2ª Região, Décio Sebastião Daidone, deixou claro o seu entendimento sobre esse tipo de caso. “O Direito não socorre quem dorme, logo quem não dorme o Direito socorre”, disse ao destacar que os trabalhadores agiram mais rápido. O próprio tribunal condenou o Banco do Brasil a pagar multa de R$ 10 milhões por tentar anular a venda pública para poder cobrar hipotecas de Wagner Canhedo vencidas há mais de nove anos.

Questionado sobre a tendência de privilegiar o empregado em detrimento do empregador, Daidone afirma que a “Justiça do Trabalho aplica a lei, que é protecionista. E deve ser protecionista”. O presidente da corte ilustra o seu posicionamento dizendo que a lei não pode prever que o funcionário trabalhe 14 horas por dia. E quando isso acontece, a empresa deve pagar horas extras e, dependendo do caso, até pagar uma multa pelo descumprimento da norma. “Nesse sentido, a Justiça do Trabalho é a casa do empregado.”

O TRT-2 é o maior tribunal trabalhista do Brasil. A Emenda Regimental 3, por meio da Resolução Administrativa 1/2010, alterou o Regimento Interno e criou 30 novas vagas de desembargador federal, o que fez a corte alcançar o número de 94 integrantes. Atualmente, o tribunal conta com 12 turmas. Das novas vagas, 24 já estão praticamente definidas por uma votação feita no final de março. A lista com os nomes foi encaminhada para aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As outras seis são do quinto constitucional e aguardam a indicação de profissionais pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.

A Justiça do Trabalho paulista também ganhou novas 143 vagas de juízes substitutos para a primeira instância. Em entrevista à Consultor Jurídico, Daidone revelou que ainda aguarda a aprovação pelo Congresso de um projeto que cria mais 68 varas do trabalho, sendo 40 para a capital e 28 para a Grande São Paulo.

Formado pela Universidade do Vale do Paraíba na turma de 1967, o presidente do TRT-2 queria, inicialmente, atuar na área criminal. Ingressou na Justiça do Trabalho em 1979. Atuou como juiz trabalhista no Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e em diversas cidades do interior de São Paulo. Mas, mas não esconde sua preferência pela capital paulista.

Leia a entrevista
ConJur — O que mudará no cenário do TRT de São Paulo com a chegada dos 30 novos desembargadores?
Décio Sebastião Daidone —
O julgamento dos recursos em segunda instância vai ganhar maior agilidade. A quantidade de desembargadores para julgar é 50% maior. Por semana, cada um recebia 40 novos recursos. Com os novos integrantes, passaremos a receber em torno de 10. Acredito que em 18 meses vamos zerar nosso passivo.

ConJur — A reforma na estrutura da Justiça do Trabalho vai atingir também a primeira instância?
Décio Daidone —
Quando a lei para criação dos cargos [Lei 12.098] foi aprovada, no final do ano passado, conseguimos comprovar que estávamos precisando de mais juízes também na primeira instância. Aprovamos dois projetos, que criam 143 vagas de juízes substitutos [Lei 12.027]. Estamos tentando aprovar um projeto, que ainda está no Congresso, para mais 68 varas do trabalho, sendo 40 aqui para a capital e 28 para a Grande São Paulo. Junto com esse projeto, obviamente, virão também os juízes em quantidades necessárias para essas varas: 68 titulares e 68 juízes substitutos.

ConJur — Há necessidade de criação de tantas novas varas?
Décio Daidone —
São Paulo é campeã em tudo, não é? Isso inclui o número de processos na Justiça. Temos os dois maiores tribunais trabalhistas do país, o nosso, da 2ª região, e o da 15ª região que fica sediado em Campinas. Tudo aqui em São Paulo é muito grande, tudo tem uma quantidade enorme, e isso também implica a quantidade enorme de processos dos reclamantes.

ConJur — O senhor considera que o cumprimento de 100% da Meta 2 [meta criada pelo CNJ para julgamento até dezembro de 2009 dos processos distribuídos até 2005] aconteceu devido a essa estrutura grandiosa?
Décio Daidone —
A Justiça do Trabalho é nova. Passou a integrar o Judiciário a partir da Constituição de 1946. Na história do país, esses 70 anos não são quase nada. A Justiça comum é centenária, tem processos muito antigos e mais complicados. Então, a Justiça trabalhista nasceu sob uma nova orientação, uma mentalidade diferente do processo comum, que dá uma abertura muito grande para a defesa e para recursos. O processo trabalhista primou pela velocidade, pela oralidade. O trabalhador pode ir na Justiça do Trabalho e apresentar a sua reclamação verbalmente. Essa reclamatória pode ser apreciada oralmente também, o juiz reduz a termo, propõe uma conciliação e se conciliado for extingue-se o processo. Se não conseguir transforma em processo e vamos decidir na hora. Ou seja, o processo trabalhista já nasceu com essa aura de velocidade, de celeridade. O que se discute aqui, basicamente, são verbas de natureza salarial e alimentar. Não dá para esperar. Outro fator importante é que a Justiça do Trabalho está mais adiantada na questão da informatização. Isso também nos ajudou bastante e fez com que cumpríssemos a Meta 2 com mais rapidez.

ConJur — O senhor é favorável à flexibilização dos direitos do trabalhador?
Décio Daidone —
Muitos entendem que flexibilizar significa tirar direitos. Se for assim, sou contra. Não se pode voltar atrás e perder as conquistas feitas. Mas se flexibilização significa avançar no nosso Direito, sou totalmente favorável. Não é um contra-senso falar em flexibilizar e avançar ao mesmo tempo. Por não permitir a terceirização, desde que mantidos os direitos? Qual o problema, por exemplo, do trabalhador ao invés de receber todos seus direitos de A, receber de B? Não há prejuízo nenhum. O que vier em vantagem do trabalhador está ótimo.

ConJur — Muitas pessoas não consideram possível fazer essa relação entre flexibilização e avanços.
Décio Daidone —
Muitas vezes as pessoas não entendem o tema e lêem o que os jornais escrevem sem maior conhecimento de causar. “Flexibilizar é o mesmo que tirar o direito previsto na Constituição.” Poxa, será que quando tiram um direito, não dão outro em troca daquele? Quando o assunto é flexibilização, muitas pessoas se colocam contra mesmo sem saber o que é flexibilização. “Ah, não quero porque vou perder meus direitos. Mas o que é flexibilização? Não sei. Só sei que vou perder meus direitos.”

ConJur — Qual é o posicionamento do tribunal em relação e este tema?
Décio Daidone —
Existe uma jurisprudência no sentido da flexibilização, porque no Direito trabalhista temos poder normativo, através das convenções coletivas. Todas as categorias profissionais, todos os anos, têm de discutir o que melhor lhes convêm. Isso não deixa de ser uma flexibilização daquilo que a lei prevê. Mas sempre é para melhorar. Por exemplo, não há como prever um horário de trabalho igual para todas as categorias. Então, empregado e empregador combinam uma jornada especial.

ConJur — A Justiça do Trabalho ainda é a casa do trabalhador?
Décio Daidone —
É comum as pessoas dizerem: “A Justiça do Trabalho protege o empregado”. Não protege. A Justiça do Trabalho aplica a lei, que é protecionista. E deve ser protecionista. A lei não pode permitir que um trabalhador trabalhe 14 horas por dia, então prevê uma jornada de oito horas, por exemplo. Se a pessoa trabalhou nove ou dez horas, está errado. O empregador vai ter que pagar hora extra. Dependendo do caso, também terá de pagar uma multa. Estou protegendo o trabalhador? Estou, porque a lei determina. Nesse sentido, a Justiça do Trabalho é a casa do empregado.

ConJur — Então, a Justiça do Trabalho continua sendo mais favorável ao trabalhador?
Décio Daidone —
Essa é outra lenda. Na Justiça comum, o proprietário pede que o inquilino quite os aluguéis que deixou de pagar. É um pedido só. Ou ele paga o aluguel, ou será despejado. É sim ou não. Na Justiça do Trabalho, o empregado faz uns 20 pedidos de uma só vez: férias, aviso prévio, horas extras. Quando vamos julgar, dizemos: “Olha, você não tem razão em relação ao aviso prévio, nem às férias, mas deve receber aquela hora extra que fez no dia tal”. Eu mesmo já julguei um caso em que condenei a empresa a pagar R$ 5 para o funcionário, por conta de uma hora extra não paga. Então, no balanço geral, quem ganhou e quem perdeu? O empregado perdeu quase tudo. É aquela história: eu comi três frangos, você não comeu nenhum. Quantos nós comemos? Um e meio.

ConJur — Então, hoje, não é mais certa a vitória do empregado?
Décio Daidone —
Houve uma mudança na estrutura. Antigamente, a Justiça do Trabalho era constituída de um juiz togado e dois classistas. Um classista representava os empregados e o outro o empregador. O terceiro era o fiel da balança. Muitas vezes, o juiz classista palpitava. Se o empregado palpitava mais podia ser até que ele influenciasse mais o juiz e vice-versa. Tínhamos muitos juízes convidados, sem concurso. Tinha convites para sindicatos, delegacias do trabalho. Eles puxavam a balança mais para o empregado do que para o empregador. Hoje, já não existe mais os classistas, todos os juízes são técnicos, concursados, bacharéis em Direito, que frequentam escola de magistratura, fazem cursos. São realmente mais equilibrados. Embora, existem alguns que têm a visão mais voltada para o empregado e outros, mais voltada para o empregador. Isso é próprio do ser humano. Uns mais gostam do Palmeiras, e outros mais do Corinthians.

ConJur — Muitos conflitos são definidos através de acordos?
Décio Daidone —
Houve uma época em que os acordos chegavam a 70, 80%. Às vezes, chegava até a 100% de acordo. Hoje, a média é de 35%, 40%. Quando chega a 50% é festa. Assim mesmo é um índice bom, mas para quem estava acostumado com o dobro disso… A situação mudou exatamente há 20 anos, quando surgiu o primeiro plano econômico, que foi o Plano Collor.

ConJur — Qual a relação entre os planos econômicos e os acordos?
Décio Daidone —
Por conta dos planos econômicos, a empresa não tinha capital de giro. Precisava desse capital para comprar maquinário, matéria-prima. Então, preferia ser executado na Justiça do Trabalho do que parar o seu negócio. Empurrava a ação, porque os juros na Justiça eram muito baixos e a inflação era muito alta. Para ele, era melhor manter um processo sem pagar do que perder o seu negócio. Isso vem assim nesses 20 anos. Hoje, está um pouco diferente. É pior manter um débito na Justiça do Trabalho. Já o empregado prefere manter um crédito aqui do que receber do patrão e colocar em uma caderneta de poupança. Houve uma inversão. Às vezes, até o próprio advogado chega, paga o reclamante e ele fica aqui com o crédito seguro. São coisas de mercado.

ConJur — Como o senhor vê a disputa de bens entre juízes de falência e de trabalho?
Décio Daidone —
A falência é do juiz de falência da Justiça comum. Agora, quem tem competência para ditar qual é o valor que o empregado tem para receber da falência é o juiz de trabalho. Existe outra situação. Vamos supor que o empregado veio para a Justiça do Trabalho e reclamou, ganhou o processo e a empresa está funcionando. A Justiça do Trabalho foi lá e penhorou um bem da empresa. A Justiça fala: “Você não tem dinheiro para pagar? Então, vou pegar esse bem para garantir o crédito desse empregado”. Nesse meio tempo, a empresa vai à falência. De quem é a competência? Esse bem volta para a falência ou fica aqui? É uma discussão doutrinária jurisprudencial. Uns entendem que volta, outros, como eu, que fica.

ConJur – Por que deve ficar?
Décio Daidone —
O Direito não socorre quem dorme. Logo, quem não dorme o Direito socorre. Este aqui não dormiu, ele agiu mais rápido e pegou isso para garantir o direito dele. Ele tem o direito vender este bem, pegar o dinheiro que lhe cabe e, se sobrar, ele dá para falência. Se não, paciência. Tivemos um caso agora tormentoso [diz se referindo ao caso da Vasp], que a Justiça comum defende que a competência era dela e a Justiça do trabalho, por outro lado, afirma que a competência é dela, sobre um determinado bem. E o STJ definiu: “A competência é da Justiça do Trabalho.” Tem gente que fala que não, que o monte mor — quer dizer, o direito de uma coletividade — não pode ser subjugado a um direito individual. Mas, um direito individual também não pode ser esquecido por uma coletividade. Tenho que garantir o seu direito de propriedade, pois estarei garantindo o direito de toda a coletividade de propriedade. Se eu não garantir o seu direito de propriedade, não vou garantir o direito de propriedade da coletividade.

ConJur — O caso da Vasp é o primeiro a ter uma repercussão dessa grandeza?
Décio Daidone —
De repercussão sim. Já houve outros casos que foi lá para o STJ e a corte decidiu: “A competência é da Justiça comum”. Nesse último caso, disse que a competência é da Justiça do Trabalho. Cada um puxa a brasa para sua sardinha, não é? Essa é uma situação que por enquanto não dá para falar com certeza, mas está mais pendendo mais para a Justiça do Trabalho do que para eles. É uma questão de tempo só.

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