Balanço de gestão

Esforço de modernização marca era Gilmar Mendes

Autor

23 de abril de 2010, 6h45

Antes de encerrar pela última vez uma sessão plenária como presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes foi homenageado por seus colegas e pelos representantes do Ministério Público, da advocacia pública e da Ordem dos Advogados do Brasil, nesta quinta-feira (22/4). Gilmar Mendes passa a presidência do Supremo para o ministro Cezar Peluso, ensta sexta (23/4).

O decano da Corte, Ministro Celso de Mello lembrou o esforço de modernização do Judiciário empreendido por Gilmar Mendes nos últimos dois anos, como presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça. O advogado Fernando Neves falou da coragem do quase ex-presidente ao se colcoar no centro de polêmicas sobre temas de interesse nacional e encaminhar ações que dão celeridade e modernizam o Judiciário brasileiro.

Gilmar Mendes assumiu a presidência do STF no dia 23 de abril de 2008. Ao contrário do que se possa imaginar, a ascensão à presidência do CNJ não foi automática. Antes, ele teve de se submeter à sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e aprovação em Plenário, por imposição da Emenda Constitucional 45/04, da reforma do Judiciário. E foi justamente com a continuidade da reforma do Judiciário que o ministro se comprometeu primeiro, com as ações previstas no âmbito do STF, como a Súmula Vinculante e a Repercussão Geral, além dos projetos de juizados especiais e a consolidação do CNJ.

Ao iniciar sua gestão, o presidente do STF firmou compromisso público de fazer uma administração "absolutamente transparente e aberta" Em um mês, o STF inaugurou um novo canal de comunicação com a população ao lançar a Central do Cidadão. Estruturada na Presidência do Supremo, a Central do Cidadão permite que qualquer pessoa encaminhe sugestões, críticas, dúvidas ou elogios relacionados às ações do Tribunal.

A Central do Cidadão recebeu 14.600 comunicações em 2009, acumulando mais de 31.000 contatos recebidos desde sua criação, em maio de 2008. Cerca de 27% dos habeas corpus autuados esse ano foram iniciados pela Central do Cidadão. No STF, o processo criminal em quantidade mais expressiva hoje é o Habeas Corpus, sendo mais de 5.500 processos, tendo sido deferido, no ano de 2009, 235 liminares (decisões provisórias) em HC e concedidos 413 ordens de Habeas Corpus (decisões definitivas).

No âmbito da presidência do Tribunal, foi adotada uma nova fórmula para aferir os requisitos do Recurso Extraordinário, como aferir se o RE é tempestivo, se consta a procuração e se a alegação de Repercussão Geral se faz presente. Em abril de 2008, os processos com Repercussão Geral começaram a ser levados ao Plenário do STF. Dos seis temas julgados no primeiro semestre, cinco foram sumulados. O STF editou seis súmulas vinculantes nos primeiros seis meses da gestão do presidente Gilmar Mendes. “A aplicação das súmulas desonera não somente o Supremo de uma série de recursos, mas também as instâncias ordinárias”, avaliou o ministro.

Gilmar Mendes logo começou a experimentar os resultados das medidas adotadas para conter a tramitação de processos similares. No primeiro semestre de 2008, o STF recebeu 53.011 processos, 10% menos do que no mesmo período de 2007. Segundo o presidente, em virtude da maior seleção decorrente da aplicação do instituto da Repercussão Geral e pelas novas competências da Presidência, apenas 39.061 desses processos foram efetivamente distribuídos aos ministros para relatoria. “Isso representa uma redução de 39% na distribuição dessa Corte em relação a 2007”, informou.

No final de 2009, o STF comemorou a acentuada diminuição de processos recebidos pelo Tribunal, com um total de 82.342 casos novos, representando 18,3% a menos que o ano anterior. A redução se deve principalmente ao regime da Repercussão Geral. Apenas 42.039 processos foram distribuídos aos ministros, o que representa uma redução de 37,1 % em relação a 2008. Ao longo de 2009, foram editadas 14 novas Súmulas Vinculantes (somando 27). Esse instrumento, juntamente com a Repercussão Geral, tornou mais ágil e efetiva a prestação jurisdicional.

Importantes Temas
Sob a presidência de Gilmar Mendes, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou importantes temas para o país, à luz da Constituição Federal. O meio ambiente também foi destaque nos julgamentos realizados pelo STF. A Corte realizou audiências públicas para debater os temas de maior interesse nacional, como as pesquisas com células-tronco embrionárias e a importação de pneus usados.

Sobre a utilização do amianto, produto considerado tóxico e proibido mundo afora, inclusive pela União Européia, o STF deu outra guinada de jurisprudência ao julgar constitucional, em pedido de liminar, uma lei de São Paulo que proibiu a utilização do produto no estado. Foi a primeira vez que o Tribunal, por maioria de votos, considerou que o princípio constitucional da proteção da saúde deveria se sobrepor ao entendimento de que normas estaduais não podem dispor sobre a comercialização de produtos fabricados com amianto, questão de competência da União.

Em maio de 2008, julgou constitucional o artigo 5º da Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) que permite a pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias. Gilmar Mendes fez ressalva em seu voto para a necessidade de controle das pesquisas por um Comitê Central de Ética e Pesquisa vinculado ao Ministério da Saúde para atender ao texto constitucional. Para ele, a Lei 11.105/2005 é deficiente para regular a questão das pesquisas, pois tem apenas um artigo sobre o assunto e trata de outro tema – organismos geneticamente modificados. Segundo o ministro, a lei não cria de forma expressa as atribuições de um legítimo comitê central de ética para controlar as pesquisas com células de embriões humanos.

A Corte deu uma guinada de jurisprudência e, pela primeira vez, disse que cabe ao STF avaliar os requisitos constitucionais de urgência e relevância para a edição de MPs. A questão foi discutida por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PSDB contra a abertura de créditos extraordinários por meio de medida provisória. Com uma liminar, o STF barrou o repasse dos créditos por entender que eles não se destinavam a despesas imprevistas e urgentes, como manda a Constituição Federal. Até essa decisão, o STF deixava a interpretação do que é urgente e relevante a critério do Executivo e do Congresso.

 A constitucionalidade da especialização das varas do Poder Judiciário também foi firmada pelo STF no primeiro semestre de 2008. Com a decisão, foi definitivamente afastada a possibilidade de que julgamentos realizados por varas especializadas em crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro, por exemplo, fossem anulados ou retrocedessem para antes do recebimento da denúncia.

Raposa Serra do Sol
O Supremo declarou, em março de 2009, a constitucionalidade da demarcação das terras indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol, localizada em Roraima, em área contínua, exatamente da forma como determinou o decreto presidencial. Os ministros impuseram 19 condições que devem ser respeitadas na ocupação da Raposa Serra do Sol e que passou a ser o marco regulatório na questão da demarcação de terras indígenas. A decisão se deu na análise da Petição (Pet) 3.388, julgada em agosto de 2008.

Imprensa
Ao analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, em abril de 2009, o Tribunal declarou, por maioria, que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) era incompatível com a Constituição Federal de 1988. O processo foi ajuizado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Em junho do mesmo ano, no julgamento do RE 511.961, a Corte, por maioria dos votos, decidiu ser inconstitucional a exigência do diploma de jornalismo e registro profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício da profissão de jornalista. O entendimento foi de que o artigo 4º, inciso V, do Decreto-Lei 972/1969, baixado durante o regime militar, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e que as exigências nele contidas ferem a liberdade de imprensa e contrariam o direito à livre manifestação do pensamento inscrita no artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 511961.

Monopólio dos Correios
Em agosto de 2009, o Plenário do STF, por seis votos a quatro, declarou que a Lei 6.538/78, que trata do monopólio dos Correios, foi recepcionada e está de acordo com a Constituição Federal. Com isso, cartas pessoais e comerciais, cartões-postais e correspondências agrupadas (malotes) só podem ser transportados e entregues pela empresa pública. O Plenário entendeu, por outro lado, que as transportadoras privadas não cometem crime ao entregar outros tipos de correspondências e encomendas. A decisão foi tomada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 46.

Em 2009 o STF autorizou a Extradição (Ext 1085) do ex-ativista de esquerda Cesare Battisti para a Itália. Battisti foi condenado em seu país natal por quatro homicídios, acontecidos no final da década de 1970. Neste julgamento, os ministros entenderam que a última palavra sobre a entrega ou não do italiano cabe ao presidente da República, mas que o chefe do executivo deve ater-se ao que prevê o Tratado de Extradição assinado pelos dois países.

Nepotismo
No julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 12), em agosto, o Supremo Tribunal Federal decidiu impedir emprego de parentes de juízes em tribunais. Por unanimidade, a Corte julgou procedente a ação em que a Associação dos Magistrados Brasileiros pedia o reconhecimento de legitimidade da Resolução 7 editada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), contra o nepotismo no Poder Judiciário.

 A norma do CNJ impede o emprego nos tribunais de cônjuges, companheiros e parentes de magistrados, se não foram aprovados em concurso público. A restrição abrange as linhas colateral (tios, irmãos, sobrinhos), de afinidade (sogros e cunhados) ou reta (pais, avós, filhos) até o terceiro grau (inclusive) para cargos de livre nomeação e exoneração (sem concurso público).

Pela regra do CNJ, criada em novembro de 2005, os familiares dos juízes estavam impedidos de exercer direção e assessoramento. A Resolução 7 do CNJ impede, inclusive, a contratação cruzada – quando um magistrado contrata os parentes de outro – e a prestação de serviço por empresas que tenham essas pessoas da família dos juízes como empregados. Contudo, o Plenário do STF resolveu estender a proibição também para cargos de chefia. A Corte editou a Súmula Vinculante 13, vedando a prática do nepotismo nos Três Poderes, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios.

Depositário infiel
Em dezembro de 2008, o Supremo, por maioria dos votos, restringiu a prisão civil por dívida ao inadimplente voluntário e inescusável de pensão alimentícia. Para dar efetividade à decisão, o Plenário revogou a Súmula 619/STF, que a admitia. A decisão foi tomada na conclusão do julgamento dos Recursos Extraordinários (RE) 349.703 e 466.343 e do Habeas Corpus (HC) 87.585, em que se discutia a prisão civil de alienante fiduciário infiel.

Audiências
Um caso considerado emblemático por Gilmar Mendes, foi o das cotas para minorias, introduzidas em universidade brasileiras para negros, índios e deficientes que tenham freqüentado escolas de segundo grau públicas ou tenham sido bolsistas em 100%, em escolas privadas nesse nível. O caso ainda não foi julgado pelo STF, mas motivou a realização de audiência pública, no Supremo, no início de março de 2009.

A audiência colocou os ministros na condição de ouvintes no debate sobre a constitucionalidade das políticas afirmativas de acesso ao ensino superior, que muitas vezes se traduzem em cotas e reservas de vagas em exames vestibulares. O ministro Ricardo Lewandowski, relator de duas ações que questionam a legalidade das cotas da Universidade de Brasília (ADPF 186) e Federal do Rio Grande do Sul (Recurso Extraordinário 597.285), convocou e presidiu a audiência.

No primeiro semestre de 2009, o Supremo colocou em debate público a judicialização da saúde pública – principalmente a viabilidade de decisões judiciais que obrigam o Estado a fornecer tratamentos e medicamentos de alto custo para doentes crônicos. Convocada pelo ministro Gilmar Mendes, essa foi a maior das audiências: durou seis dias (27 a 29 de abril e 4 a 6 de maio), nos quais foram ouvidos 50 especialistas – advogados, defensores públicos, promotores e procuradores de justiça, magistrados, professores, médicos, técnicos de saúde, gestores e usuários do sistema único de saúde.

O debate influenciou o julgamento em Plenário, no dia 17 de março, quando o Supremo indeferiu nove recursos interpostos pelo Poder Público contra decisões judiciais que determinaram ao Sistema Único de Saúde (SUS) o fornecimento de remédios de alto custo ou tratamentos não oferecidos pelo sistema a pacientes de doenças graves que recorreram à Justiça. Com esse resultado, essas pessoas ganharam o direito de receber os medicamentos ou tratamentos pedidos pela via judicial.

Vídeoconferência
Em outubro de 2008, a maioria dos ministros (9 a 1) do Supremo declarou inconstitucional a Lei estadual 118.19/05, que estabelece a possibilidade da utilização do sistema de videoconferência no estado de São Paulo. No Habeas Corpus 90.900, o Plenário entendeu que cabe somente à União legislar sobre a matéria (processo penal), mas não entrou no mérito da questão.

Temas Políticos
As controvérsias em torno de inquéritos e denúncias contra políticos e até contra membros do Judiciário refletiram com vigor no trabalho do Supremo Tribunal Federal, durante a gestão do ministro Gilmar Mendes. Vários temas polêmicos vieram à tona, inclusive a inesperada prisão de um governador em pleno exercício do poder. Os ministros enfrentaram temas como prisão provisória de governador, denúncia contra presidente da República e ministro do Superior Tribunal de Justiça, e a perda de mandatos por infidelidade partidária.

O Supremo julgou duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 3.999 e 4.086) ajuizadas contra a Resolução 22.610/2007, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que disciplina a perda de cargos eletivos por infidelidade partidária. No mês de novembro de 2008, o Plenário do STF votou pela improcedência das ações, ao entender que o deputado não é dono do mandato e sim o partido.

Lei de Inelegibilidade
Por 9 votos a 2, os ministros negaram o pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros feito na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 144 para que a justiça eleitoral pudesse negar registro a políticos que respondem a processos. O julgamento ocorreu em agosto.

Mensalão
A decisão marcante do caso conhecido como Mensalão ocorreu em agosto 2007, em julgamento que ocupou o STF durante uma semana para receber a denúncia contra 40 acusados em esquema de corrupção. Mas, até hoje o caso mais controvertido da política nacional encontra-se em fase de instrução, sendo recorrente a necessidade de novas sessões para apreciar os recursos apresentados por réus da Ação Penal (AP 470) do Mensalão.

 Em abril deste ano, o Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou por unanimidade outros treze pedidos feitos pelos advogados de defesa do ex-deputado federal Roberto Jefferson e decidiu enviar ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a cópia do acórdão e das notas taquigráficas do julgamento, por considerar que a defesa abusou do seu poder de litigar. A defesa de Jefferson contestava, entre outra questões, o fato de o presidente da República não estar entre os réus, em coparticipação com os três ex-ministros denunciados, e solicitava que o STF extraísse cópias para que fosse oferecida denúncia contra o presidente da República. Como Plenário já havia rejeitado um pedido idêntico feito por Jefferson, porque o autor da denúncia que resultou na ação penal – o procurador-geral da República – não acusou o presidente, o Supremo rejeitou o pedido.

Prisão de Arruda
Em outro caso inédito, o Plenário do STF julgou pedido de Habeas Corpus do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, o primeiro governador preso em pleno exercício do poder. Por maioria (9 a 1), o Plenário acompanhou o relator, ministro Marco Aurélio, pela legalidade da prisão preventiva, decretada pelo Superior Tribunal de Justiça. Arruda permaneceu preso pela acusação de tentativa de suborno de uma testemunha no inquérito 650, em curso no STJ, que investiga esquema de corrupção no governo do DF.

Último a votar, o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, também negou o pedido de habeas corpus para José Roberto Arruda, mas ressaltou que tem “muito mais dúvida do que convicção em relação a esse caso”. Por exemplo, Mendes colocou em questão o fundamento da prisão preventiva que aponta como um dos objetivos de Arruda a aquisição de simpatia e de adesão de testemunha para dizer que fitas de vídeo incriminadoras teriam sido adulteradas. “Parece um pouco naif (ingênuo) porque, para provar que fitas foram adulteradas ou não, não se precisa de testemunha, mas de perícia”, disse ele. Mas o presidente disse negar o pedido “tendo em vista os elementos dos autos”.

Venda de decisões
Em novembro de 2008, os ministros do Supremo decidiram abrir ação penal contra os cinco investigados no Inquérito 2.424. Eles responderão a processos criminais na Corte por participação no esquema de venda de decisões judiciais que beneficiavam os empresários de bingos e jogos ilegais do Rio de Janeiro.
Os acusados são: Paulo Medina (ministro afastado do STJ), Carreira Alvim (desembargador federal do TRF-2), João Sérgio Leal (procurador-regional da República), Ernesto Dória (juiz do TRT-15), Virgilio Medina (advogado e irmão de Paulo Medina). O ministro é investigado na Corte por suposto envolvimento em venda de decisões judiciais a fim de favorecer a máfia dos caça-níqueis, desarticulada em 2007. Medina é acusado de corrupção passiva e prevaricação, e deve permanecer afastado do STJ enquanto durar o processo.

Pendentes
Na gestão de Gilmar Mendes também ficaram pendentes de conclusão alguns casos importantes, como o julgamento do referendo de medida liminar concedida na Ação Cautelar (AC 33) para impedir a quebra de sigilo bancário da GVA Indústria e Comércio pela Receita Federal. O presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes já apresentou voto-vista, acompanhando o voto do relator, ministro Marco Aurélio, que considerou o preceito do inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal – da inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas – que somente pode ser quebrado por ordem judicial. O relator concedeu medida cautelar, com o objetivo de dar efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário (RE 389.808) interposto pela própria GVA.

No voto-vista, o ministro Gilmar Mendes lembrou que a empresa questiona a constitucionalidade dos dispositivos da Lei 10.174/2001, da Lei complementar 105/2001 e do Decreto 3.724/2001. Para ele, a alegada incompatibilidade entre o artigo 6º da Lei Complementar 105 e o Decreto 3.724 com a Carta Magna não parece patente, muito menos evidente. Segundo explicou, o direito do sigilo não é absoluto nem limitado, havendo tensão entre o interesse do indivíduo e o interesse da coletividade em torno do conhecimento das informações relevantes para determinado contexto social.Com essas considerações, acompanhou a divergência para negar referendo à liminar.

 Decisões e temas polêmicos
A gestão de Gilmar Mendes também foi marcada por manifestações diante do Supremo Tribunal Federal. A mais contundente, repetida várias vezes, com direito a filmes no Youtube e página na internet, foi embalada por uma discussão entre o presidente da corte e o ministro Joaquim Barbosa, que pronunciou a frase “saia às ruas”, que acabou como símbolo da manifestação.

 O ministro Joaquim Barbosa acusou Gilmar Mendes de estar “destruindo a credibilidade da Justiça brasileira” e pediu ao presidente do STF que “saísse a rua” para ver a repercussão de seus atos. Como Mendes respondeu que “estava na rua”, Barbosa retrucou: "Vossa Excelência não está na rua, Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade da Justiça brasileira."

A partir desse episódio ocorrido no plenário do STF, em sessão transmitida ao vivo, o ministro passou a ser acusado em público pelos manifestantes, com forte repercussão na mídia. Outra crítica endereçada ao presidente do STF é de que ele dá muitas declarações à imprensa, não se limitando a “falar nos autos”. O ministro rebateu dizendo que isso faz parte de sua missão institucional. “O que é falar nos autos quando se tem uma missão institucional? Não existem autos neste caso. O que temos que fazer é fixar diretrizes para o Judiciário como um todo. Quando encaminhamos um projeto de lei, recomendando uma mudança na legislação, não há autos, não há processo. É o chefe do Poder Judiciário assumindo suas responsabilidades”, enfatizou.

 Ao ser acusado de “uma das mais contundentes vozes da direita conservadora brasileira”, Gilmar Mendes respondeu com um histórico das decisões e ações de sua gestão no STF e no CNJ. “No STF temos defendido um sistema eficiente de saúde pública para todos. Avançamos no que diz respeito à fidelidade partidária. Editamos a súmula das algemas, evitando assim abusos policiais notórios contra todos. Isso é política conservadora? No CNJ, os mutirões carcerários beneficiaram 20 mil pessoas. Na falta da assistência judiciária, nós lançamos a advocacia voluntária. Isso é política conservadora, de direita?”, indagou.

Uso de algemas
Em agosto de 2008, o STF aprovou uma nova Súmula Vinculante para restringir o uso de algemas. Gilmar Mendes justificou a necessidade do dispositivo pela “exposição excessiva, degradante, afrontosa à dignidade da pessoa humana” durante as operações policiais e até nos julgamentos. O STF havia concedido Habeas Corpus para um novo julgamento de um pedreiro acusado de homicídio, que permaneceu algemado durante todo seu julgamento perante o Tribunal do Júri. Para o presidente da Corte, “a súmula vai traduzir o pensamento de que a algema só se usa em caso de possibilidade de fuga, ou em caso de eventual possibilidade de agressão, tal como já vem se recomendando na doutrina, e também em certa legislação”.

Caso Daniel Dantas
Entre as suas decisões mais criticadas, por duas vezes o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar com alvará de soltura em favor do ex-banqueiro Daniel Dantas, preso pela Polícia Federal por determinação do juiz federal Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, na chmada Operação Satiagraha. Daniel Dantas respondeu inquérito da Polícia Federal por suposta prática de corrupção, crimes financeiros e desvio de verbas públicas. O ministro estendeu a liminar concedida em favor de Daniel Dantas, e concedeu alvará de soltura para outros 11 presos em conseqüência da mesma operação da Polícia Federal. Apesar de muito criticado por associações de classe e pela imprensa, o ministro teve sua posição referendada pelo próprio Supremo Tribunal, que no julgamento do mérito, confirmou seu entendimento no caso.

Escutas
O presidente do Supremo Tribunal Federal disse que foi alvo de perseguição, inclusive com informação divulgada na mídia de suposto jantar ocorrido entre assessores da Presidência da Corte e advogados do empresário Daniel Dantas – jantar que nunca ocorreu. Em setembro de 2008, o gabinete de Gilmar Mendes foi “grampeado” para escutas telefônicas. Em depoimento prestado à Polícia Federal no inquérito sobre escutas telefônicas ilegais, o ministro informou que “tanto no caso da Operação Navalha, quanto na Operação Satiagraha, revela-se o mesmo modus operandi. Por um lado, realizam-se escutas e monitoramento do relator dos habeas corpus, por outro, divulgam-se para a imprensa falsas notícias e informações, com o propósito de colocar o juiz em situação de descrédito e intimidação”.

Estado policial
Durante a crise desencadeada pelas ações da Polícia Federal na Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, o ministro Gilmar Mendes também desempenhou papel institucional para acabar com o que foi chamado de “estado policialesco”.

O presidente do STF criticou a quantidade de grampos e a pirotecnia das operação policiais que estariam expondo investigados às lentes das câmeras de televisão. “O Brasil quase descambou para um modelo circular diante daquelas ações estrepitosas da polícia. O senhores não podem imaginar a ações que ocorreram naquele tempo”, disse Mendes aos integrantes da CCJ do Senado, na semana passada.

Gilmar Mendes enfrentou o que ele próprio chamou de “quadro de intimidação” aos magistrados. Primeiro, teve seu nome propositalmente confundido com homônimo, para divulgar, “em retaliação”, o seu suposto envolvimento em investigação da Polícia Federal. Segundo o ministro, o investigado era Gilmar de Melo Mendes,”um velho conhecido da polícia. A confusão, portanto, não foi acidental”, afirmou.
“É fundamental que o presidente da República, que o ministro da Justiça e que o diretor da Polícia Federal ponham cobro a esse tipo de situação. É abusivo o que se vem realizando. Não é possível instaurar, no Brasil, o modelo de Estado policial. Nós repudiamos com toda a veemência. É necessário que nós promulguemos uma nova lei de abuso de autoridade – a lei é de 1965, do governo Castelo Branco, está totalmente defasada – para que nós possamos abranger esses novos tipos penais que se verificam a toda hora.

“A rigor, temos hoje uma capacidade quase que universal de praticar abuso de autoridade. No âmbito da Receita Federal, no âmbito da burocracia em geral, no âmbito da própria magistratura, no âmbito do Ministério Público”, disse Mendes. Para ele, é possível fazer um “inventário” que permita realizar uma revisão da lei de abuso de autoridade.

 O ministro criticou a ação da Polícia Federal, que permitiu que as pessoas presas na Operação Satiagraha fossem filmadas no momento da sua custódia. Gilmar Mendes ressaltou que a questão central é de respeito aos direitos fundamentais, que são lesados também no Judiciário. República supõe a responsabilidade de todos”, ressaltou o presidente do STF.

Tecnologia
O Supremo também iniciou este ano testes com as Defensorias Públicas e Ministérios Públicos estaduais, para o desenvolvimento da versão eletrônica dos processos judiciais. Assim, passou a implantar os módulos eJud Processamento Inicial; eJud Consulta Processual; eJud Criminal (Controle eletrônico de HC e de Prescrição); eJud Registro Simplificado; eSTF Petição Eletrônica; Telex Eletrônico; e e-STF-Sessões.

O tribunal foi a primeira Suprema Corte no mundo a ter uma página oficial no YouTube – a exemplo da Casa Branca, do Congresso norte-americano, da Família Real inglesa e do Vaticano. Este instrumento permitiu, inclusive, que o informativo do STF, enviado por e-mail a diversos usuários cadastrados no mundo todo, possuam link ao vídeo de cada julgamento resumido. Um levantamento do dia 3 de novembro mostrou que desde a data de lançamento a página alcançou a marca de 54,4 mil acessos.

Papel do CNJ
O ministro conseguiu cumprir sua proposta de colocar o CNJ na coordenação, planejamento e supervisão administrativa do Poder Judiciário, eliminando a sua pecha de órgão repressivo máximo.

Informatização
A continuidade no processo de informatização total dos órgãos jurisdicionais é outro ponto importante na visão do presidente do CNJ. Segundo ele, nos últimos cinco anos o Judiciário investiu R$2,5 bilhões no setor, possibilitando a implantação do processo eletrônico para simplificar procedimentos.
Em junho de 2008, o ministro Gilmar Mendes lançou o Sistema Justiça Aberta, que permite a qualquer cidadão ter acesso aos dados estatísticos do Judiciário, podendo avaliar a morosidade da Justiça e até reclamar caso um juiz não se revele apto a produzir sentença em tempo razoável.

Mutirões carcerários
Os levantamentos feitos sob coordenação do CNJ apontaram um cenário preocupante, onde foram detectados graves problemas no sistema prisional brasileiro e no conjunto de procedimentos ligados à execução penal. Entre eles, a ineficácia da pena; a impunidade; a superlotação carcerária com rebeliões rotineiras; o excesso de prisões provisórias em contraposição a milhares de mandados de prisão a cumprir; e a falta de acompanhamento ou descontrole na aplicação das penas e medidas criminais.

Diante desse quadro, Gilmar Mendes motivou juízes e promotores públicos a realizar um esforço conjugado para rever a situação dos presos, reduzir a população carcerária do país e dar-lhe um tratamento mais humano e justo. Lançou o programa Mutirão Carcerário, com o qual celebrou parcerias visando a transformação do modelo prisional.

Para justificar a necessidade dos mutirões, Gilmar Mendes considerou que a justiça criminal é falha em alguns dos seus sentidos, como no sistema de segurança pública. Uma das metas desse programa é diminuir o número de presos provisórios. O ministro revelou que o Brasil tem 44% dos seus 473 mil presos em regime de prisão provisória, sendo necessário acelerar o julgamento dos processos para evitar esse acúmulo, tanto no aspecto de direitos humanos, como de segurança pública.

 Um ano e meio depois da instituições dos mutirões, já foram examinados mais de 116 mil processos de presos, concedidos mais de 35 mil benefícios previstos na Lei de Execução Penal, entre os quais mais de 21 mil liberdades. “Em outras palavras: por dia, 36 pessoas indevidamente encarceradas readquiriram o vital direito à liberdade”.

Outra meta é zerar o número de presos em delegacias. O presidente do STF considera “um quadro vergonhoso, transformar as delegacias em depósitos de presos”. Para isso, o ministro disse que terá de ocorrer pela criação de presídios e espera investimentos urgentes nesse setor.

 A radiografia do sistema prisional revela um déficit de mais de 167 mil vagas, que cresce em média 7,11% ao ano, situação que se agrava com os milhares de mandados de prisão que ainda estão por cumprir. Com os mutirões, surgiram vagas equivalentes à capacidade de 50 presídios médios.

Começar de Novo
O Começar de Novo é hoje um projeto bem sucedido, uma parceria com as entidades estatais como um todo e com a sociedade, um plano de gestão da justiça criminal, coordenado e dirigido pelo CNJ.

 O ministro informou que a meta é obter, até o fim deste ano, 10 mil vagas de trabalho ou de treinamento, dentro do programa Começar de Novo, destinado à reinserção do preso na sociedade e à redução da reincidência de pessoas que deixam a prisão. Até agora já foram obtidas 2.000 vagas.
O projeto Começar de Novo é importante instrumento para reduzir a reincidência criminal, que chega a 60% no país. A meta é reduzir e estabilizar a taxa para 20%.

 Varas virtuais
Gilmar Mendes sempre se mostrou preocupado com a melhoria do sistema de justiça criminal e recomendou aos tribunais que priorizem o setor, como um tema de direitos humanos e de segurança pública. Para ele, a tarefa de acabar com a lentidão da justiça, passa por um monitorando o sistema judiciário, sobretudo a justiça criminal. Assim, criou um modelo de gestão do sistema de justiça criminal, incluindo a informatização do setor. A expectativa é de que as varas de execução penal virtual sejam instaladas pelo menos em 50% dos Estados, nos próximos 12 meses. O ministro conseguiu investimentos para alcançar 100% de informatização na área de execução penal, visando acabar com o obsoleto controle manual dos processos.

O Conselho Nacional de Justiça também desenvolveu campanha em defesa da infância e disponibilizou em seu site (www.cnj.jus.br) um cadastro para os juízes inserirem dados de crianças aptas para a adoção e dos pretendentes a pais e mães de todo o País. Além disso, juízes e a sociedade foram motivados a garantir gratuitamente a certidão de nascimento a todas as crianças e também aos adultos que não possuem o documento. O Conselho avaliou que entre 12% e 13% das crianças nascidas em hospitais não são registradas, sendo privadas de cidadania, não tendo acesso à escola, aos projetos sociais e a nenhum outro programa da rede pública.

 

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!