Herói brasileiro

A história dos últimos dias de Tiradentes

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20 de abril de 2010, 13h00

Na biblioteca da respeitável Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, repousa um raro exemplar de um livreto em francês, publicado em 1892 por ocasião do primeiro centenário da morte de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, o mártir da Inconfidência Mineira. Foi escrito pelo brasileiro Montenegro Cordeiro, nascido em 1861, em Campos, no Norte Fluminense, mas que desde cedo fixou residência em Paris. Na contracapa, a informação de que a obra fez parte da coleção de Alphonse Aulard, professor da Sorbonne, considerado um dos maiores estudiosos da Revolução Francesa.

Tiradentes – esboço biográfico, o livro de Cordeiro, tem um valor histórico não apenas pelas circunstâncias, mas principalmente pelo seu conteúdo. Ainda hoje é usado por pesquisadores de todo o mundo, interessados em um movimento revolucionário não poucas vezes relacionado à Declaração da Independência dos Estados Unidos, a 4 de julho de 1776, e à própria Revolução Francesa, em 1789, mesmo ano em que teve início a Conjuração Mineira. Se esta não conseguiu seus objetivos, serviu para desencadear uma série de levantes que levaria o Brasil a separar-se de Portugal pouco mais de três décadas depois.

Cordeiro valoriza os últimos dias de Tiradentes, sem perder de vista o contexto que o levou à forca. Preso na noite de 10 de maio de 1789, numa casa na Rua dos Latoeiros no Rio de Janeiro, atual Gonçalves Dias, o alferes foi imediatamente levado para uma fortaleza na Ilha das Cobras. Ficou preso e incomunicável em uma pequena cela, de onde só sairia 1.072 dias depois, em 17 de abril de 1792, para a Cadeia da Relação, depois demolida para dar lugar à Câmara dos Deputados, hoje Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Foi no oratório da cadeia que Tiradentes e os demais acusados ouviram o acórdão de condenação na manhã de 19 de abril. Os 11 principais réus foram condenados à morte, mas dez deles tiveram, horas depois, a pena comutada para o degredo perpétuo em colônias portuguesas no continente africano, uma decisão que agradou às populações do Rio e de Minas Gerais, onde morava a maioria dos condenados.

Em acórdão datado do dia 20 de abril, os juízes da devassa confirmam a pena de morte de Tiradentes e a comutação da mesma pena, em degredo, para os demais réus. "Que se execute inteiramente a pena da sentença no infame réu Joaquim José da Silva Xavier, por ser o úico que na dia carta se fez indigno da real piedade da mesma senhora", diz o acórdão transcrito em sua íntegra no livro O Processo de Tiradentes, dos advogados Ricardo Tosto e Paulo Guilherme de Mendonça Lopes. O livo apresenta os principais documentos do processo contra os conjurados de Minas.

Quatro dias depois de ter deixado a fortaleza da Ilha das Cobras, pontualmente às 8 horas da manhã de um sábado ensolarado, Tiradentes, escoltado pela Guarda Real, em seus uniformes de gala, seria levado a pé à Praça da Forca, totalmente remodelada para a ocasião. Montenegro Cordeiro relata em seu livro, que o patíbulo foi elevado em quatro metros para que a população e os representantes da Coroa tivessem uma melhor visão e que o corpo de Tiradentes pendurado pudesse ser visto de longe.

O livro também se distancia de dezenas de outras publicações ao descrever o percurso feito por Tiradentes até o local onde seria executado, uma questão que ainda hoje é motivo de divergências entre historiadores. Segundo Cordeiro, o cortejo fúnebre deixou a Relação, seguiu pela Rua da Cadeia (hoje Rua da Assembleia), passou pelo Largo da Carioca (que conserva o mesmo nome) e prosseguiu pela Rua do Piolho (atual Rua da Carioca) em direção à Praça da Lampadosa, onde estava localizado o patíbulo.

A certidão de enforcamento, lavrada pelo desembargador escrivão, registra que “o réu Joaquim José da Silva Xavier foi levado ao lugar da forca levantada no Campo de São Domingos, e nela padeceu morte natural, e lhe foi cortada a cabeça, e o corpo dividido em quatro quartos”. Cordeiro não contrapõe tal informação, já que em outro trecho do livro também cita o Campo de São Domingo como o local onde Tiradentes foi enforcado, ressaltando que entre a prisão e o cadafalso o cortejo levou três horas. No Rio de hoje, um trajeto semelhante é feito, com folga, em 20 minutos.

A polêmica se dá em trabalhos mais recentes que relacionam a Praça da Lampadosa e mesmo o Campo de São Domingos à atual Praça Tiradentes, onde foi erguido o primeiro monumento do Rio de Janeiro, em homenagem a D. Pedro I. De acordo com esta versão, a forca estaria localizada na Rua Visconde do Rio Branco, mais precisamente onde hoje funciona a Escola Tiradentes. Os registros da Biblioteca Nacional denominam Largo do Rocio e Praça da Constituição os nomes anteriores da Praça Tiradentes, que ganhou tal denominação em 1890, um ano após a Promulgação da República.

O historiador Nireu Oliveira Cavalcanti, autor de O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade, da invasão francesa à chegada da Corte, segue o percurso traçado por Cordeiro há mais de 100 anos, mas com uma ligeira correção. Cavalcanti é categórico ao afirmar que o cortejo de Tiradentes de fato passou pela Rua da Assembleia, Largo da Carioca, Rua da Carioca, Largo do Rocio (Praça Tiradentes) e Rua da Lampadosa (atual Avenida Passos) até chegar à Rua da Forca, atualmente Rua Senhor dos Passos, transversal à Avenida Passos, onde ainda hoje se encontra a Igreja Nossa Senhora da Lampadosa, cuja construção teve início em 1748. A caminho da forca, poucos metros adiante, Tiradentes conseguiu permissão para fazer sua última oração.

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