Rumos da Justiça Eleitoral

Judicialização da política está excessiva e indevida

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18 de abril de 2010, 14h40

“Está havendo uma judicialização da política indevida e excessiva.” É o que afirma o ministro Ricardo Lewandowski do Tribunal Superior Eleitoral, ao dizer que “muitas coisas que poderiam e até deveriam ser resolvidas pelo Congresso acabam desaguando no Judiciário”. O ministro, que assume a presidência do TSE, na próxima quinta-feira (22/4), também afirmou ser contra o projeto que impede a candidatura de políticos que respondem a processos na Justiça, e ainda pede que eleitores fiquem atentos às propostas em detrimento do carisma do candidato.

O ministro concedeu entrevista para os jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo deste domingo (18/4). Os jornalistas Isabel Braga e Carolina Brígido do Globo; Felipe Seligman e Lucas Ferraz da Folha; e Felipe Recondo do Estadão fizeram perguntas sobre diversos assunto relacionadas à eleição marcada para outubro.

Quanto à multa aplicada ao presidente Lula por propaganda eleitoral antecipada em favor da pré-candidata petista, Dilma Rousseff, Lewandowski afirmou que a pena tem caráter "pedagógico", que continuará sendo adotado pelo tribunal.

Sobre a declaração de Lula de que o Judiciáro não deveria interferir na eleição, o ministro concorda: "fazendo uma metáfora futebolística, uma bela partida de futebol é aquela na qual o árbitro menos intervém. Se o árbitro toda hora apita impedimentos e pênaltis, a partida não anda. Quanto menos a Justiça intervier, mais bonita será a eleição".

Lewandowski disse ainda que é a favor da tese de que o voto não deve ser obrigatório, mas avalia que a obrigação “é importante neste momento histórico, de consolidação da democracia”. Para ele, este pode ser “um dever transitório”.

Leia trechos das entrevistas concedidas pelo ministro

O Globo: Neste ano, o TSE começou a julgar muito cedo as disputas eleitorais. A política está apelando muito para a Justiça?
Ricardo Lewandowski:
De um modo geral, está havendo uma judicialização da política, a meu ver indevida e excessiva. Muitas coisas que poderiam e até deveriam ser resolvidas pelo Congresso acabam desaguando no Judiciário.

O Globo: Por que o senhor acha que o Congresso não resolve essas questões?
Lewandowski:
Parece-me que há um certo gigantismo do Congresso. Há uma pulverização excessiva da opinião pública, que se reflete num grande número de partidos, o que impede a formação de consensos. Com isso, as manifestações do Congresso ou não vêm ou tardam a vir.

O Globo: Nos julgamentos que entenderam haver campanha antecipada por parte de Lula, o placar no TSE foi apertado, e seu grupo foi derrotado. O TSE tem sido muito severo?
Lewandowski:
Houve clara inflexão na jurisprudência do TSE. Exigia-se, para a caracterização de campanha antecipada, a menção ao nome do candidato, à campanha e o pedido de voto. Meu entendimento nessas votações foi neste sentido. Reparo que o TSE tem endurecido e tem se permitido um subjetivismo maior. O tribunal tem considerado mensagem subliminar, insinuações.

O Globo: A composição do TSE vai mudar em breve, com a substituição de três ministros. Pode mudar o rumo das decisões?
Lewandowski:
Creio que há uma tendência que está se fixando. À medida que vai se aproximando a campanha, o tribunal tende a ser mais rigoroso, mais severo, para evitar abusos. E eu me filiarei, sem nenhum constrangimento, a essa jurisprudência mais rigorosa.

O Globo: O TSE fará parceria com a PF para monitorar as ilegalidades financeiras nas campanhas?
Lewandowski:
Estamos estudando um acordo com o Ministério da Justiça e a Polícia Federal para combater não apenas o caixa dois, mas a lavagem de dinheiro. Vamos ter à nossa disposição um software, que é utilizado pela PF e pelo Ministério Público Federal, para impedir lavagem de dinheiro, para que o dinheiro sujo não se misture com o dinheiro limpo das campanhas.

O Globo: Como funciona esse software?
Lewandowski:
Ele consegue fazer o rastreamento do dinheiro. Se houver uma verba suspeita, com esse software é possível saber a origem: se veio do exterior, do tráfico de entorpecentes, da criminalidade organizada, do caixa dois das empresas. Esse software é muito sofisticado, usado para investigar crimes do colarinho branco. Os grandes escândalos estão sendo revelados graças a essa tecnologia. O dinheiro ilícito, que está sendo lavado, pode ser identificado.


Folha de S.Paulo: O Brasil caminha para uma polarização entre PT e PSDB?
Lewandowski:
Até poderíamos caminhar para isso se esses dois partidos tivessem uma identidade ideológica mais clara. Acho que o PT e o PSDB, com seus partidos agregados, se tornaram muito semelhantes. A democracia brasileira só vai avançar quando tivermos partidos ideológicos e programáticos e neste momento isso não está ocorrendo.

Folha: Há um fenômeno novo de sindicatos, igrejas ou até mesmo facções criminosas tentando eleger seus representantes. Não seria uma nova forma de voto de cabresto?
Lewandowski:
Não diria voto de cabresto, mas reflete um fenômeno em que os partidos são menos ideológicos e programáticos. A representação política não se dá por partidos, mas por bancadas que representam categorias, corporações. Vejo isso com preocupação.

Folha: O TSE cassou recentemente diversos governadores. Esse mesmo rigor será adotado daqui pra frente?
Lewandowski: 
Esse rigor vai se aprofundar ainda mais. Havia no passado uma certa tolerância em relação a determinados comportamentos, mas pouco a pouco o TSE foi se tornando mais rigoroso em sua jurisprudência e eu imagino que essa orientação vai coibir comportamentos abusivos. Acredito também que aqueles que vierem a desaguar em nosso tribunal terão o mesmo desfecho.

Folha: Ou seja, as cassações de governantes servem como aspecto pedagógico também?
Lewandowski:
Sem dúvida. Tem um aspecto extraordinariamente pedagógico. Inclusive cito o exemplo do desfecho da crise aqui no Distrito Federal.


Estado: Será a primeira eleição desde a redemocratização sem Lula. O que isso significa?
Lewandowski:
É um grande teste para a democracia brasileira. Saímos de eleições em que tínhamos dois candidatos muito carismáticos: Fernando Henrique Cardoso, uma liderança intelectual de grande respeito, e depois o presidente Lula, um líder sindical também muito respeitado. Entramos numa fase de normalidade democrática, depois de quase 20 anos de Constituição. Se ultrapassarmos com êxito (a eleição), vamos definitivamente consolidar a democracia e estaremos à altura do grande País que somos.

Estado: Qual é a vantagem de os dois principais pré-candidatos não terem o carisma como atributo principal?
Lewandowski:
Ao invés de centrarmos na personalidade dos candidatos, vamos, e espero que isso ocorra, centrar o debate em teses, programas e projetos. Essa é a grande vantagem.

Estado: O sr. acha que por essas duas razões se antecipou tanto o debate eleitoral?
Lewandowski:
O debate não se antecipou tanto. Tivemos episódios pontuais, mas não houve incidentes maiores. Se houve uma tentativa de antecipação por parte de certos candidatos, ela foi prontamente coactada pela Justiça Eleitoral.

Estado: O TSE tem como coibir a propaganda antecipada?
Lewandowski:
A tendência do TSE é que fique cada vez mais rigoroso. Não podemos permitir que haja uma disparidade de armas entre os candidatos, um desequilíbrio de forças. A Justiça Eleitoral foi testada nos últimos tempos. E ela respondeu tornando menos flexíveis as normas legais, a jurisprudência anterior quanto à campanha antecipada. E a tendência, ameu ver, é o plenário endurecer
em relação à antiga interpretação, que era mais frouxa.

Estado: O TSE dava muito espaço para a propaganda antecipada. Os candidatos podem estar sendo punidos em razão dessa visão anterior?
Lewandowski:
No que tange à campanha antecipada, o TSE sinalizou com muita clareza um endurecimento em relação ao entendimento anterior. Agora há um subjetivismo maior, uma flexibilidade maior na interpretação dos fatos por parte do TSE. No passado havia uma objetividade maior nos seus pronunciamentos. Definiam-se com maior objetividade as condutas que podiam ou não ser praticadas pelos candidatos.

Estado: O sr. acha que o presidente Lula brincou com a Justiça Eleitoral na última declaração?
Lewandowski:
Vejo no pronunciamento do presidente da República um inconformismo com a decisão do TSE. Isso é comum nas pessoas que perdem alguma demanda na Justiça. É claro que uma autoridade deve manifestar seu inconformismo, de preferência, no devido processo legal. Acho que a esse inconformismo e seguirá algum recurso.

Estado: Como fazer para que o TSE não vire palco da disputa eleitoral?
Lewandowski:
Sempre digo que não se deve judicializar ou criminalizar a política. E faço uma analogia com o futebol. A partida boa, bonita, é aquela em que o árbitro não interfere a todo momento. A eleição é uma enorme festa cívica e a Justiça só deve intervir quando o ilícito for patente. Não cabe à Justiça Eleitoral intervir espontaneamente no conflito. Vamos procurar fazer com que as disputas normais da política não sejam transferidas para a Justiça Eleitoral. Conflitos puramente políticos têm que ser devolvidos para a política.

Estado: Como o sr. analisa essa vontade de quem está no cargo fazer seu sucessor?
Lewandowski:
É algo natural da política. No parlamentarismo é absolutamente natural que certos partidos políticos se mantenham por muitos anos, às vezes décadas, no poder. Por quê? Porque o partido quer colocar em prática determinados programas de governo. Entendo que esse desejo que alguns chefes de Executivo têm de fazer seu sucessor se encaixa nessa ideia, não no sentido de projetar sua personalidade para além do seu mandato. Vejo o lado bom desse continuísmo entre aspas: é a vontade de continuar um programa de ação, de governo. Em tese, isso é lícito, não há nada de irregular.

Estado: O sr. é a favor da candidatura apenas de candidatos com ficha limpa?
Lewandowski:
No Supremo, eu me filiei à corrente segundo a qual deve prevalecer a presunção de inocência. Mas é claro que, como cidadão, como eleitor, eu vou escolher o candidato que tenha os melhores antecedentes possíveis.

Estado: A Justiça não pode barrar essas candidaturas?
Lewandowski: A meu ver cabe aos partidos políticos e aos eleitores fazer essa escolha. Pela Constituição e pelas leis em vigor, enquanto não houver trânsito em julgado de uma condenação, não é possível barrar a candidatura de alguém. Essa é a Constituição e a lei, mas pessoalmente, como eleitor, eu vou escolher o que tiver os melhores antecedentes.

Estado: O que o sr. diz para o eleitor que quer anular seu voto?
Lewandowski:
O voto nulo é um voto de protesto, não contra o sistema eleitoral, mas contra determinados candidatos ou contra a falta de opções legítimas. Eu espero que nessas próximas eleições, os eleitores não votem nulo, espero que escolham um candidato até para dar legitimidade aos eleitos. Acredito que teremos bons candidatos e que esse fenômeno não se repetirá tanto quanto nas eleições anteriores.

Estado: O sr. é a favor do voto facultativo?
Lewandowski:
Em tese sou a favor do voto facultativo, mas num país como o nosso, que está desenvolvendo sua democracia, o voto obrigatório ainda me parece muito importante. É preciso dar legitimidade às eleições e isso se consegue com uma votação forte nos candidatos que se apresentam. A obrigatoriedade do voto é importante neste momento histórico, mas pode ser um dever transitório.

Estado: Políticos que trocam de partido têm sido absolvidos pelo TSE. O troca-troca partidário não pode voltar?
Lewandowski:
Nós temos, no TSE, examinado várias situações concretas e decidido que houve justa causa para a mudança de partido. A preservação do mandato, que significa na essência a preservação da vontade do eleitor, é o princípio que deve dominar. Só em último caso, quando não houver evidente justa causa para a troca de partido, é que a essa sanção deve ser aplicada.

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