Pacote tributário

OAB acusa AGU de defender governo, e não o Estado

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15 de abril de 2010, 15h15

A leitura que os conselheiros da OAB fizeram sobre os quatro projetos de lei que compõem o chamado pacote tributário do governo federal é totalmente contrária ao entendimento da Advocacia-Geral da União. O debate traz à tona a antiga discussão: o papel da advocacia pública em defesa dos interesses de Estado, e não de governo. O ministro Luís Inácio Lucena Adams (AGU) esteve na OAB em março, quando apresentou os projetos. Os conselheiros não gostaram do que ouviram e decidiram analisar a matéria. Na sessão de terça-feira (13/4), a OAB aprovou um relatório de rejeição total aos projetos e deflagrou uma campanha nacional contra a aprovação dos PLs. 

Os conselheiros da OAB aprovaram o relatório da secretária-geral adjunta da OAB, Márcia Melaré, contra os PL 5.080/09 (que trata da cobrança administrativa da dívida ativa da Fazenda Pública) e 5.081/09 (que dispõe sobre a dívida ativa), PL 5.082/09 (sobre transação tributária), e PLP 469/09 (que propõe alteração complementar do Código Tributária Nacional). Na interpretação dos advogados, os projetos autorizam fiscais fazendários a confiscar bens do contribuinte em débito com o fisco, a realizar penhora de bens, quebrar sigilos bancários e até a arrombar casas e empresas, independentemente de autorização judicial.

O conselheiro federal pelo estado de Alagoas, Paulo Henrique Falcão Breda, que preside a Comissão de Combate à Corrupção e a Impunidade da OAB, disse que “se a intenção da AGU é combater a sonegação, o órgão escolheu um caminho equivocado”. Para ele, a AGU “talvez não tenha percebido que o projeto é um tiro no pé da advocacia”. Ao transferir a cobrança da dívida ativa para a instância administrativa, o projeto “acaba com a participação dos procuradores e os advogados da União no ajuizamento das execuções fiscais. É a própria Receita Federal que vai concorrer o processo administrativo, vai inscrever em dívida ativa e vai verificar o patrimônio do cidadão, penhorar imóvel, bloquear uma conta bancária. Não vai precisar mais de ajuizamento e acompanhamento de processo fiscal”, disse o conselheiro.  

Para o procurador da Fazenda Nacional, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, o entendimento equivocado é da OAB. “Em nenhum momento e em qualquer circunstância, os projetos atribuem a fiscal da Receita a função de cobrança de dívida ativa. Não há absolutamente nada nos projetos que qualifique a presença de auditores na cobrança da dívida”, disse. Revelando que “testemunhou” a discussão na OAB, Godoy explicou que “eventualmente, e de modo paritário, a participação de fiscais poder-se-ia se manifestar nas câmaras de transação, que não são, em absoluto, instâncias para cobrança de dívida ativa. Creio que o conselheiro não atentou para o fato de que na execução fiscal que se propõe o papel preponderante é do procurador da Fazenda Nacional”. Segundo Godoy, essa é a leitura correta dos artigos 48 e 49 do Projeto de Lei 5.082/2009.

Viés ideológico
As críticas do Conselho Federal da OAB não se limitam a dizer que os projetos alteram a instância de cobrança da dívida ativa ou transferem a competência da AGU para a Receita Federal. No relatório aprovado, os conselheiros consideram que os projetos introduzem na legislação brasileira uma ideologia antidemocrática, com “ataque aos direitos fundamentais”, pois permitem ao Poder Executivo “adotar providências constritivas sobre o patrimônio privado, violando o direito de propriedade sem a prévia manifestação do Judiciário”. Para Paulo Henrique Breda, “é estranho que a AGU defenda um projeto que pensa numa diminuição do Estado Democrático, diminuição do Poder Judiciário, deixando ao próprio governo a possibilidade de invadir o patrimônio do cidadão”.

O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, foi mais direto para considerar que a AGU está confundindo advocacia de Estado, que é o seu papel, com advocacia de governo. “Em respeito à advocacia pública, a OAB não pode tolerar esse tipo de procedimento”, disse Ophir Cavalcante ao lembrar que a AGU defendeu o presidente Lula na Justiça Eleitoral. “O presidente da República, o governador e o prefeito que tiver de prestar contas com a Justiça Eleitoral, que contrate um advogado. A advocacia pública não pode defender o governante quando ele discorda da lei e comete um ato político, não de Estado”, afirmou.

Após pedir desculpas por citar um episódio “fora do contexto”, o presidente da OAB se referiu aos projetos do pacote tributário, mas manteve a linha de ataque à postura da AGU. “Experiências de outros países na área tributária são sempre bem-vindas, aquilo que puder ser aperfeiçoado, que seja. Mas nem tudo que se faz fora do país é melhor, no que diz respeito às garantias individuais e coletivas. Os exemplos estão perto, na América do Sul. Esse tipo de procedimento é um passo para se chegar ao totalitarismo, ao absolutismo. A sociedade brasileira, os advogados brasileiros, têm de dar esse exemplo de defesa da Constituição e da democracia. A OAB continuará na defesa dos postulados constitucionais, que devem ser o limite do governante, jamais o seu viés ideológico.”

Desconhecimento
Em nota enviada à ConJur pela assessoria de comunicação da AGU, o procurador-geral federal, Marcelo de Siqueira Freitas, “lamenta as declarações” do presidente da OAB e diz que Ophir Cavalcante “preocupou-se somente em desqualificar politicamente a atuação da AGU, de modo a alijá-la do debate não pelo mérito dos projetos, mas por supostamente estar-se desviando de suas atribuições”.

Para a AGU, os comentários sobre a atuação na defesa do presidente da República “são despropositados e demonstram uma incompreensão do papel do advogado e um desconhecimento das normas que regem a AGU e da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral sobre a matéria”. Considerando que a Constituição garante a todos o direito à ampla defesa e ao contraditório, e que o advogado é essencial à administração da Justiça, a AGU acha “surpreendente que o presidente da OAB possa entender que uma decisão judicial desfavorável, ainda mais por maioria, represente que o advogado que tenha patrocinado a tese tenha laborado em equívoco ao defendê-la”.

A nota do PGF lembra ainda que “a Constituição atribui à AGU a representação judicial desta e, por consequência, dos seus agentes, como forma de garantir que os mesmos possam se desincumbir de seus misteres legais. O artigo 22 da Lei 9.028, de 1995, prevê, de forma clara, caber à AGU, na defesa do interesse público, a representação judicial dos agentes públicos quando no exercício de suas atribuições, incluindo, entre eles, expressamente, os titulares e os membros dos Poderes da República. Também não deveria ser desconhecido o fato de que o TSE já reconheceu, diversas vezes, inclusive recentemente, a legalidade da defesa de agente público pela Advocacia-Geral da União naquela corte”.

Sobre os projetos do pacote tributário, a AGU diz que tem “plena convicção de sua adequação à Constituição e de sua importância para uma maior racionalidade no Direito Tributário no Brasil”. Informa que antes de encaminhar ao Congresso Nacional, os projetos foram debatidos dentro e fora do Poder Executivo, inclusive quanto à sua constitucionalidade, em diversas instâncias. Quanto a alegar que os projetos de lei que "beiram o totalitarismo e o absolutismo", a AGU diz que a OAB demonstra “desconhecimento da legislação de diversas nações democráticas nas quais os mesmos buscaram inspiração, e, pior, um desrespeito para com os advogados públicos, o que adquire especial gravidade porque os comentários partiram do presidente da OAB, o qual parece ter-se olvidado que os membros da AGU também são advogados e, portanto, merecem da Ordem o devido respeito. Infelizmente, se interesses políticos se fazem presentes, não estão na atuação da AGU, mas nas próprias declarações do presidente da OAB”, diz a nota de Marcelo Siqueira Freitas.

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