Imagem é tudo

Julgadores decidem com tranquilidade com vídeos

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  • FAUSTO RODRIGUES DE LIMA

    é promotor de Justiça do Distrito Federal e coordenador do livro Violência Doméstica - Vulnerabilidades e Desafios na Intervenção Criminal e Multidisciplinar.

13 de abril de 2010, 19h05

O RECENTE ESCÂNDALO de corrupção nacional protagonizado por autoridades do Distrito Federal apresenta um ingrediente explosivo: a farta produção de imagens.

Dinheiro na cueca, na meia, na bolsa, oração da propina, tudo apresentado a conta-gotas, para a alegria dos noticiários. Dizem que ainda há dezenas de gravações que garantirão o deleite midiático nos próximos meses.

O presidente Lula minimizou: "A imagem não vale por si". Inocentado da denúncia de corrupção feita em 2005 (mensalão) e deitado no berço esplêndido do apoio popular, ele se dá ao luxo de esnobar a plateia.

Errado, senhor presidente! A imagem é tudo. Foi ela que facilitou a primeira prisão de um governador por corrupção. Sem ela, a "presunção de inocência" conferida a certas pessoas continuaria "mais igual que a de outras" (parodiando os porcos do escritor George Orwell, em "A Revolução dos Bichos").

E, por falar no autor de "1984", o futuro nos reserva, para o bem e para o mal, o controle total por sistemas de vigilâncias, no estilo do Grande Irmão ("Big Brother") preconizado por ele e testado, com sucesso, nos reality shows da vez. Para isso não serão necessários espiões e suas câmeras escondidas. Bastará acessar gravações feitas automaticamente. Aliás, esse sistema já é realidade.

Câmeras de vigilância, públicas e privadas, já invadem comércios, condomínios e órgãos públicos. No trânsito, os famosos "pardais" esquadrinham cada centímetro de asfalto. Nada escapa ao infalível olho eletrônico.

Buscando aprimorar esse sistema, o governo do Distrito Federal -coincidência, não?- instituiu a Central Integrada de Atendimento e Despacho (Ciade), que prevê a instalação de 900 câmeras de vigilância até o final deste ano. As polícias Civil, Militar, o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil compartilharão as imagens.

Até 2014, os automóveis da frota nacional deverão estar equipados com uma placa eletrônica de identificação -um chip que permitirá o monitoramento constante pela autoridade de trânsito. Num futuro próximo, esses chips serão implantados sob nossa pele, criando uma "identidade universal". Duvida?

Ora, tramita no Congresso um projeto de lei que obriga os provedores de internet a armazenar dados com o histórico de navegação dos clientes.

Nos aeroportos, nenhuma nudez será castigada: os scanners da sala de embarque desnudam os viajantes, para desespero dos defensores do direito à intimidade.

Convenhamos, o paradigma da intimidade que conhecemos já foi, literalmente, para o espaço. Com efeito, em 2009 a Polícia Federal passou a ter acesso a imagens de satélite de queimadas na Amazônia, do trânsito de cidades ou de movimentos de tráfico e/ou contrabando na fronteira.

Nessa caminhada, chegará o dia em que cada centímetro da Terra será devassado por todos os meios tecnológicos, que, interligados por satélites, gravarão imagens 24 horas por dia.

Desertos, gelados ou arenosos, não serão mais sinônimos de solidão. Zélia Duncan terá que rever os versos "O deserto que atravessei/ Ninguém me viu passar".

É claro que esse sistema trará inconvenientes. A Inglaterra, cuja população é a mais vigiada do planeta -4,2 milhões de câmeras, uma para cada 14 pessoas-, vive um dilema: quem vigia os vigilantes ("who watches the watchers")?

Outra preocupação: indivíduos particulares têm captado imagens diretamente das câmeras públicas, prática denominada "video sniffing".

Por fim, a Scotland Yard alega que esse aparato tecnológico não tem surtido expressivo efeito redutor da criminalidade (apesar disso, a previsão é que o número de câmeras dobrará nesta década).

Sem compartilhar, por ora, o pessimismo da polícia inglesa, reconheço que imagens gravadas, ao estilo "Vídeos Incríveis", são o sonho de consumo de investigadores. Com elas, é desnecessário gastar energia e tempo produzindo provas que, muitas vezes, são desqualificadas por uma defesa eficiente.

A busca de confissões, que ainda têm um peso muito grande na solução das causas, torna-se inútil. Julgadores decidem com tranquilidade, sem temor de errar.

As únicas discussões a serem travadas pela acusação e pela defesa são se o crime praticado foi justo (legítima defesa, por exemplo), se o acusado é culpável (mentalmente capaz, por exemplo) e qual a pena merecida.

Por ora, seria interessante que os governos instalassem câmeras em toda repartição pública, principalmente nos gabinetes das autoridades. Seria uma tentativa de livrar as gloriosas cuecas de muitos governantes da imundície de suas mentes corruptas.

Artigo originalmente publicado na edição desta terça-feira (13/4) do jornal Folha de S.Paulo.

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