Consumidor X Fabricante

Professor mostra perfil de escritórios nos EUA

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13 de abril de 2010, 15h02

Nem todos os problemas decorrentes do uso de um remédio dependem do quadro clínico do paciente. Em 1998, lotes do anticoncepcional Microvlar foram lançados no mercado brasileiro sem que os comprimidos tivessem princípios ativos capazes de impedir as consumidoras de engravidar. O caso foi parar na Justiça, com várias ações apresentadas por mães que alegaram ter tomado o remédio e engravidado.

Esse é um exemplo de uma falha de um laboratório farmacêutico em que os danos podem ser reparados por meio do Judiciário. Nos Estados Unidos, há vários mecanismos para lidar com esse tipo de demanda. Nessa segunda-feira (12/4), o professor Roger Trangsrud, da George Washington University Law School, explicou quais são eles e como funcionam nos Estados Unidos para que o consumidor lesado possa buscar reparação, principalmente com o uso das ações coletivas.

Na prática, as ações coletivas servem para outros casos que não só os que envolvem os laboratórios farmacêuticos. O professor contou que, no caso dos fabricantes de remédios, o problema pode ser multiplicado já que a venda de fármacos afeta uma quantidade muito grande de consumidores. Se der algum problema, inúmeras ações podem ser propostas.

No evento promovido pelo Centro de Estudos Brasil-EUA, o professor contou que, antigamente, os advogados dos consumidores pertenciam a pequenas empresas, não tinham muitos recursos para pagar peritos, por exemplo. Hoje, a situação é diferente. Trangsrud diz que as empresas estão maiores, mas os escritórios também cresceram.

Advogados, conta o professor, ganharam muito dinheiro em litígios envolvendo o tabaco. Os mais ricos são os que mais obtiveram sucesso, pois ganharam muito com base na reparação do dano. Isso, disse o professor, fez com que escritórios, com 100 advogados, ficassem mais bem equipados, contando com especialistas de várias áreas, como médicos e epidemiologistas, que dão apoio técnico à demanda. “Os fabricantes têm muito medo da parte jurídica que apóia os reclamantes”, disse.

Ele contou que a pressão contra o réu, nas ações coletivas, é enorme e pode representar uma ação de milhões de dólares. O professor constata que há uma relutância das empresas em litigar com grupos tão grandes. “Há muito em jogo para todos os que estão envolvidos.”

O professor explicou que, com algumas exceções, cada um paga suas custas do processo nos Estados Unidos. Para as grandes empresas, é um custo que pode ser previsto e planejado. Já o indivíduo não faz um orçamento para uma ação judicial.

O país também precisou se adequar para receber esse tipo de demanda. O professor da George Washington explicou que há um tribunal formado por sete juízes responsáveis por decidir se haverá a transferência das diversas ações para um só juízo. Assim, milhares de processos podem ir para uma única Corte. Um dos resultados da agregação dos processos, conta Trangsrud, é a economia de dinheiro.

Isso porque, explicou, em quase todos os estados norte-americanos não pode haver surpresas na hora do julgamento. Logo, todos os documentos e testemunhos têm de ser conhecidos pelas partes. “Tudo isso pode levar cinco anos sem que a ação sequer tenha começado.” Por outro lado, o litigante individual pode conseguir muitas informações de como o produto foi desenvolvido ou se a empresa ocultava dados.

O juiz, nos EUA, explicou o professor, preside a ação, mas são os advogados do réu e do autor que determina a velocidade do processo, as testemunhas que serão ouvidas, entre outros procedimentos. “O juiz vai ser árbitro quando há dúvida entre as partes.”

Outro dado apresentado pelo professor é que mais de 95% dos casos são resolvidos por acordo. O dado é bem diferente do Brasil. “Nosso sistema é tão caro que as pessoas desistem”, afirmou o professor ao apresentar os motivos para a quantidade de acordos.

Dificuldades da agregação
Roger Trangsrud disse que pode parecer estranho, mas nos EUA existem relativamente poucas ações disponíveis aos consumidores contra as empresas americanas. Muitas vezes, explicou, os consumidores dependem de lei de responsabilidade civil estadual, que pode punir uma empresa por negligência, vícios na fabricação ou erro nos rótulos dos remédios.

O professor também disse que há muitos requisitos para ações coletivas. Um deles é que as reivindicações têm de ser bastante similares. O exemplo é o caso de um remédio vendido por conter uma substância diversa da apresentada. Mas se a questão envolver a forma como o remédio foi fabricado e a possibilidade de ter causado um ataque cardíaco, por exemplo, o histórico médico do paciente será necessário para a demanda. O professor afirmou que, ainda que o procedimento para entrar com a ação coletiva seja negado, os consumidores podem entrar com ações individuais.

Na palestra no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro, Trangsrud defendeu as ações coletivas nos Estados Unidos. O réu, disse, pode ganhar milhões de dólares vendendo pílula de açúcar e 50 mil pessoas que compraram entram com ação coletiva. “Sem a ação coletiva não haverá freio à empresa que faturou com a venda de um remédio defeituoso, nem a compensação para quem sofreu prejuízo. Precisamos dessa ação nos EUA.”

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