Defeito de fabricação

Ford é obrigada a indenizar por veículo incendiado

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12 de abril de 2010, 15h53

Por ter seu carro novo incendiado duas vezes devido a um erro no catalisador, o jornalista Paulo Roberto Rozani conseguiu, na Justiça, que o veículo fosse trocado por outro zero quilômetro, além de receber indenização por danos morais de R$ 7 mil. E mais: danos materiais por ter ficado sem carro por quase dois meses. O valor da indenização ainda será apurado em liquidação, mas será proporcional ao “preço médio diário de locação de um veículo nas mesmas condições do seu automotor”, de acordo com a 1ª Vara Cível do Foro Regional IV da Lapa, em São Paulo, em ação movida contra a Ford Motors do Brasil e a revendedora CGD Automóveis. A notícia é do site Espaço Vital. Ainda cabe recurso.

O problema com a picape Ford Courier, comprada em 2005, ocorreu um mês após sua aquisição, quando o assoalho do veículo, em movimento, pegou fogo. Como a picape estava na garantia, foi levada à concessionária, que constatou defeito no catalisador. A peça foi substituída. Depois de algum tempo, o veículo pegou fogo novamente.

O jornalista pediu à montadora a troca do veículo por outro novo, já que ainda vigia a garantia prevista no Código de Defesa do Consumidor, o que foi negado. A picape ficou na concessionária sem que o problema fosse resolvido.

Por isso, o jornalista decidiu entrar na Justiça, em fevereiro de 2006, patrocinado pelos advogados Paulo Ribeiro e Marcelo Di Chiacchio. Avaliações do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de São Paulo comprovaram, segundo a sentença, que o defeito era de fabricação.

Em junho de 2006, uma antecipação de tutela já  havia determinado que a montadora colocasse outro automóvel à disposição de Rozani.

Processo 004.06.109694-0

Leia a sentença:

Sentença

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

COMARCA DE SÃO PAULO

FORO REGIONAL IV – LAPA

1ª VARA CÍVEL

SENTENÇA

Processo nº: 004.06.109694-0

Requerente: Camila Rozani

Requerido: Ford Motors do Brasil S/A e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Julio Cesar Silva de Mendonça Franco

V I S T O S, etc.

I. CAMILA ROZANI movimentou a presente Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais em face de FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA. e CGD AUTOMÓVEIS S.A., alegando, em resumo, que em 31/05/2005 adquiriu da segunda Acionada um veículo zero quilômetro (marca Ford, modelo Courier 1.6 L, chassis 9BFNSZPPA5B978113, placas DRB-2496), o qual foi retirado em 09/06/2005. Ocorre que na segunda semana de uso o veículo apresentou falhas mecânicas e teve que ser levado até a oficina da segunda Ré. Ressaltou que após a liberação do veículo, teve que retornar na oficina da Acionada, por diversas vezes, pelos mesmos problemas, inclusive por causa de incêndios, mas a Requerida não aceitou a substituição do veículo, alegando que se tratava de um problema simples no catalisador.

Porém, em 18/06/2006, deixou o automóvel em conserto nas dependências da oficina da concessionária-ré e não o retirou mais. Entende que as Rés são culpadas pelos dissabores e

constrangimentos experimentados com o veículo, razão pela qual teria direito à indenização por danos morais. Invocou em seu favor o Código de Defesa do Consumidor.

Deseja receber indenização pelos dias em que o veículo ficou parado por conta dos consertos, à razão de R$ 70,00 (setenta reais) por dia, e pelos danos morais sofridos. Pediu a concessão de tutela antecipada para que o veículo seja consignado em mãos da Requerida CGD Automóveis, até o desfecho da lide, e para que lhe seja entregue um novo automotor, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 500,00.

A antecipação dos efeitos da tutela foi parcialmente deferida (fls. 39 e verso) e a ré Ford Motor Company Brasil Ltda. interpôs agravo de instrumento contra a decisão (fls. 179/184 e 193/209), ao qual foi negado provimento, conforme V. Acórdão de fls. 242/246 dos autos de agravo em apenso.

Devidamente citada (fls. 42 verso), a Ré CGD Automóveis S.A. ofereceu contestação às fls. 55/72. Em suma, alega que não há prova de que o veículo teria ficado parado por cento e um dias, por conta dos defeitos alegados. Declarou que o automóvel passou por diversas vezes na sua oficina apresentando defeitos, mas que cumpriu os prazos legais, e que a autora ficou sem o veículo por apenas 16 (dezesseis) dias. Disse que não haveria necessidade de substituir o veículo, o qual estaria em perfeitas condições de uso. Afirmou que a autora deixou o veículo na concessionária-ré, de forma premeditada, para depois se evadir, sem retirá-lo. Sustentou a inexistência de danos morais.

Houve réplica (fls. 187/189).

Devidamente citada (fls. 154), a Acionada Ford Motors do Brasil S.A., ofereceu contestação às fls. 212/232, alegando, em síntese, que os documentos juntados pela autora não se prestam à prova de suas alegações, mormente em relação à permanência do veículo na oficina para reparos. Disse que, de todas as passagens pela oficina, em apenas quatro delas houve efetivo conserto do veículo, todos realizados dentro dos prazos estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Afirmou que o alegado incêndio ocorreu por culpa da autora, que retirou o veículo antes que o mesmo estivesse pronto para uso. Entende que não houve culpa de sua parte pelo ocorrido, pois prestou a

garantia contratada, quando solicitada. Sustentou que a autora não tem direito à substituição do veículo, ou à restituição da quantia paga, ou a qualquer abatimento, porque os defeitos alegados não tornam o veículo impróprio ou inadequado ao fim a que se destina. Asseverou que o veículo se encontra à disposição da autora para retirada. Impugnou a indenização desejada por falta de prova dos prejuízos alegados e, por estarem ausentes os requisitos ensejadores da reparação por dano material ou moral. Houve réplica (fls. 314/323).

Determinada a especificação probatória (fls. 326), a autora disse não querer produzir outras provas (fls. 329), e as Rés pugnaram pela produção de prova pericial e oral (fls. 330 e 331).

Designada audiência de tentativa de conciliação, a mesma foi infrutífera (fls. 336).

Foi deferida a produção de prova pericial e testemunhal (fls. 357 e verso, fls. 364). O laudo técnico foi juntado as fls. 396/420, sobre o qual as partes se manifestaram as fls. 423/425, 428/429 e 430/431.

A autora interpôs recurso de agravo de instrumento contra a decisão que aprovou a vistoria oficial (fls. 433 e 445/456). Em juízo de retratação, determinei a realização de laudo complementar (fls. 462), razão pela qual o recurso sobredito perdeu o objeto (fls. 492).

Veio aos autos o laudo complementar de fls. 473/474, manifestando-se sobre ele a autora (fls. 482) e a co-Ré CGD Automóveis (fls. 483).

As partes se desinteressaram pela produção de prova testemunhal (fls. 487, 489 e 498), e apenas a autora apresentou memoriais escritos (fls. 506/512 e 514).

É o breve relatório.

D E C I D O.

II. A ação é procedente.

Através da presente contenda a Autora objetiva o ressarcimento de danos materiais e morais em que teria incorrido, afirmando, para tanto, ter adquirido um veículo zero quilômetro da primeira Acionada, o qual teve sucessivos problemas mecânicos durante a vigência da garantia.

Por sua vez, as Requeridas procuraram fazer crer que não teriam culpa pelos fatos ocorridos, porque o veículo não apresentaria defeitos de fabricação que o tornassem impróprio ou inadequado para o uso a que se destina, e porque a garantia teria sido honrada através do respectivo conserto, dentro dos prazos assinalados pelo Código de Defesa do Consumidor, não havendo motivo para a substituição do automóvel, o qual se encontraria em perfeitas condições de uso.

Cabe ressaltar que o negócio de compra e venda estabelecido entre as partes, dadas as suas características identificadoras, se acha regido pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo, por isso mesmo, se submeter às suas regras impositivas.

Portanto, as Demandadas são responsáveis solidárias para responder aos termos da presente contenda. Aliás, o artigo 265 do Código Civil dispõe que: “A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.


No caso, a solidariedade passiva das empresas fornecedoras de produtos vem contemplada no artigo 18 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990: “Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor pedir a substituição das partes viciadas”. …§6º “São impróprios ao uso e consumo”: …III os produtos que por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.”

“No sistema do CDC respondem pelo vício do produto todos aqueles que ajudaram a colocá-lo no mercado, desde o fabricante (que elaborou o produto e o rótulo), o distribuidor, ao comerciante (que contratou com o consumidor). A cada um deles é imputada a responsabilidade pela garantia de qualidade-adequação do produto. Parece-nos, em um primeiro estudo, uma solidariedade imperfeita, porque tem como fundamento a atividade de produção típica de cada um deles. É como se a cada um deles a lei impusesse um dever específico, respectivamente, de fabricação adequada, de distribuição somente de produtos adequados e com as informações devidas. O CDC, adota assim, uma imputação, ou, atribuição objetiva, pois todos são responsáveis solidários, responsáveis porém, em última análise, por seu descumprimento do dever de qualidade, ao ajudar na introdução do bem viciado no mercado. A legitimação passiva se amplia com a responsabilidade solidária e com um dever de qualidade que ultrapassa os limites do vínculo contratual consumidor/fornecedor direto”.1

“Ocorre solidariedade passiva quando, havendo multiplicidade de devedores, o credor pode exigir de qualquer um destes o pagamento integral do débito. Se a finalidade da solidariedade ativa consiste em permitir a representação dos credores uns pelos outros, a solidariedade passiva, multiplicando o número de patrimônios que respondem pela dívida, aumenta a segurança do credor, sendo os coobrigados, numa imagem já consagrada pela doutrina, “bois atrelados ao mesmo carro”2.

A realidade é que todo o pleito inaugural reside no fato de que a Autora teria se deparado com a ocorrência de alguns vícios ocultos no veículo, motivo pelo qual agora objetiva o ressarcimento em razão dos prejuízos materiais e morais suportados por conta da conduta das Rés.

A nota fiscal encartada às fls. 16 demonstra de forma inequívoca que a Autora adquiriu o automóvel zero quilômetro da marca Ford na concessionária CGD Automóveis S.A., na data de 31/05/2005.

Consta ainda dos autos que o automóvel apresentou defeitos mecânicos que impossibilitaram o seu normal funcionamento e determinaram o recolhimento à concessionária para reparos por diversas vezes (fls. 18/20 e 90/100).

Embora nem todas as passagens tenham motivação em defeitos mecânicos, nota-se que a autora precisou deixar o automóvel para conserto por várias vezes seguidas, em um curto espaço de tempo, logo após a aquisição do automóvel.

Segundo a documentação juntada pela própria ré CGD Automóveis, o veículo ficou parado por 52 (cinqüenta e dois) dias em oficina mecânica, antes do dia 18/04/2006, data em que a autora o devolveu à ré (fls. 90/100).

Assim, temos a seguinte ordem cronológica dos fatos:: 20/06/2005 (problemas no escapamento e no hodômetro); 30/08/2005 (falha do motor); 12/09/2005 (problemas no escapamento, na suspensão, no hodômetro e no motor); 05/10/2005 (problemas na suspensão, caçamba e tampa traseira, no motor e no hodômetro); 09/11/2005 (problemas no motor, na suspensão, no cinto de segurança e na coluna de direção); 24/11/2005 (problemas no cinto de segurança, na suspensão, no freioestacionamento, no escapamento); 05/12/05 (problema no cinto de segurança); 09/02/2006 (problemas na suspensão); 14/02/2006 (problemas no motor); 20/02/2006 (problema no catalisador do motor); 18/04/2006 (problemas no hodômetro e na luz de teto), conforme dá conta a documentação de fls. 18/20, 50/53 e, mais especificamente, fls. 89/145.

Tais problemas assinalados são compatíveis com aqueles descritos nos documentos juntados pela ré CGD Automóveis S.A. as fls. 89/145, o que demonstra a verossimilhança das alegações da autora, quando diz que o veículo esteve nas dependências da concessionária-ré para o reparo dos defeitos apresentados. Por outro lado, o perito judicial logrou constatar que “o veículo em litígio apresentava inicialmente os defeitos de fabricação reclamados pela autora, o que obrigou a realização de diversas manutenções durante o período de garantia” (fls. 404), fato corroborado no laudo complementar as fls. 474/475.

Por outro lado, invertido o ônus da prova nos termos do artigo 6º, VIII, do CDC (fls. 357 vº), as Rés não lograram demonstrar a inexistência de defeito de fabricação no veículo, ou qualquer outra excludente de sua responsabilidade. Pelo contrário, as provas documental e pericial produzidas convergem todas no sentido de que o veículo da autora tem mesmo defeitos de fabricação.

Por exemplo, não houve nenhuma prova de que o incêndio ocorrido no carro da autora tenha por motivo o suposto fato da mesma ter retirado prematuramente o veículo do conserto. Ao contrário, o documento de fls. 23/24 noticia que o incêndio ocorreu em 17/02/2006, antes, portanto, de entrar no dia 20/02/2006 na oficina da concessionária-ré, quando nenhum serviço foi executado (fls. 99).

Antes disso, só existem os documentos de fls. 98 e 138, que indicam o problema de estar o “motor acelerado, quando quente”, na ordem de serviço do dia 14/02/2006, o qual, ao que tudo indica, não foi realizado. Mas isso, por si só, nada prova.

Não obstante, o laudo realizado em 21/02/2006 no Instituto de Criminalística apontou como causa provável do incêndio o sobreaquecimento do escapamento e catalisador oriundo dos gases de combustão do motor, em contato com outros materiais combustíveis (fls. 29).

Ora, os problemas com o escapamento, com o catalisador, com o motor e com as suspensões dianteira e traseira do carro, foram justamente os maiores motivos para a autora deixar seu carro várias vezes na oficina da concessionária-ré, o que demonstra defeito de fabricação, como bem assinalou nestes autos o perito judicial. Note-se que a responsabilidade pelo vício oculto independe de culpa, conhecimento ou má-fé do vendedor. Daí que a alegação de mau uso esboçada pela Requerida Ford Motor Company Brasil Ltda. não afasta a sua responsabilidade quanto ao defeito verificado e confirmado.

Por conseguinte, dado o extenso período decorrido desde a aquisição do automóvel, e considerando as diversas vezes em que ele esteve parado para conserto, sem que houvesse solução eficaz dos problemas, não era razoável esperar da autora outra conduta, senão a de devolver o veículo problemático e exercer o seu direito de exigir outro automotor da mesma espécie, em perfeitas condições de uso (artigo 18, § 1º, I, do CDC).

Observe-se que os defeitos em questão impediam o normal funcionamento do automóvel, tornando-o, por isso mesmo, impróprio para os fins aos quais se destinava, quais sejam, os de locomoção e transporte de pessoas. Dessa forma, eis que estamos diante de vício redibitório e com isso está configurado o direito da Autora.

O vício redibitório consiste no vício oculto da coisa que a torna imprópria a seu uso. Sendo inerente à essência do produto, o vício é capaz de torná-lo imprestável ao fim que se destina ou de reduzir a capacidade do bem por ocasião da sua utilização.3

Assim, a finalidade de um automóvel é transportar seus usuários com segurança de uma localidade para outra, e a existência de defeitos no motor, câmbio e outras peças essenciais o tornam imprestável e prejudicam a sua normal circulação.

Nesse sentido, já se decidiu alhures, com muita percuciência: “Consumidor Veículo automotor defeitos de fabricação Automóvel novo que retorna à concessionária por inúmeras vezes, em curto espaço de tempo, e, ainda assim, não são sanadas todas as falhas apresentadas que o tornam imprestável à sua normal e segura utilização Devolução ao comprador do valor desembolsado para a aquisição do bem, devidamente corrigido e acrescido de juros de mora, que se impõe Consumidor, ademais, que não está impedido de utilizar o veículo durante o período de tramitação do feito e até que haja sua satisfação inteligência do artigo 18, § 1º, da Lei 8.078/90. Ementa oficial: Quando o veículo novo retorna à concessionária por inúmeras vezes, em curto espaço de tempo, e, ainda assim, não são sanadas todas as falhas apresentadas, não é difícil concluir que ele tem defeitos de fabricação que o tornam imprestável à sua normal e segura utilização, competindo à concessionária devolver ao consumidor o valor desembolsado para a aquisição do automotor, devidamente corrigido e acrescido de juros de mora. O consumidor não está impedido de utilizar o


veículo durante o período de tramitação do feito e até que haja sua satisfação, de acordo com o art. 18, § 1º, da Lei 8.078/90, uma vez que não há qualquer impedimento legal para tanto (TAMG 6ª Câm. Ap. 270249-2 rel. Juiz Paulo Cézar Dias j. 11.02.1999 RT 769/390)”.

“Cumulada com perdas e danos ou, alternativamente, troca do veículo por outro em perfeitas condições de uso Pretensão fundada no Código de Defesa do Consumidor Denunciação da lide responsabilidade solidária do fabricante e da concessionária. As provas carreadas aos autos em especial a pericial e a testemunhal demonstram os defeitos de fabricação e de manutenção que

acometiam o bem, frustrando de maneira significativa a expectativa do consumidor quando da contratação. Aplicação dos arts. 6º, 12 e 18 do CDC, que servem de amparo legal a pretensão

do Autor. Sentença mantida. Apelos improvidos (TJRS 6ª Câm. Cív. Ap. Cív. 70000269357, rel. Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, j. 25.10.2000). [Julgados extraídos da obra “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, Claudia Lima Marques; Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, São Paulo, 2006, página 342.]

Sendo assim, a Acionante deverá receber das Acionadas outro veículo da mesma espécie, e em perfeitas condições de uso, nos termos do artigo 18, § 1º, I, do CDC.

Ademais, a autora ficou sem seu automóvel por cinqüenta e dois (52) dias (fls. 90/100), o que notoriamente lhe causou prejuízo. O dano aqui tratado é “in re ipsa”. Assim, a autora deve ser indenizada pelo preço médio diário de locação de um veículo nas mesmas condições do seu automotor, a ser verificado em regular liquidação de sentença.

Não bastasse isso, merece a Autora também ser indenizada por conta dos danos morais suportados, pois o automóvel teve que retornar várias vezes para ser consertado, o que certamente causou aborrecimento e perda de tempo; ademais, ficou desalijada do seu veículo e por isso enfrentou dificuldades indiscutíveis de locomoção decorrente dessa realidade consolidada, cabendo, no ensejo, a fim de que não pairem dúvidas, definir o que seria exatamente dano moral.

Tal classe de dano, segundo escólio do I. Wilson Mello da Silva, consiste em “lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição à patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja susceptível de valor econômico” (apud “Direito Civil”, Sílvio Rodrigues, volume IV, Editora Saraiva, 13ª edição, página 208).

Ainda, conforme preleciona o doutrinador Caio Mário da Silva Pereira, “O fundamento da reparabilidade pelo Dano Moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em termos de maior amplitude, Savatier oferece uma definição de Dano Moral como qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à integralidade de sua inteligência, às suas feições, etc. (Traitê de 1ª Responsabilité Civile, volume 02, número 525)” (in “Responsabilidade Civil”, Editora Forense, Terceira Edição, página 54).

Para a fixação do “quantum” indenitário, deve se levar em conta o grau e tipo da ofensa perpetrada, bem como a extensão dos danos causados por conta desta, o que, no caso vertente, bem se verificou que foi de âmbito razoável, eis que consistiu na impossibilidade de utilização do automóvel pela Requerente por um longo período, visto que o automóvel ficou parado por cinqüenta e dois dias, dentro de um período de onze meses (fls. 90/100).

Assim sendo, arbitro os danos morais em importe equivalente a R$ 7.000,00 (sete mil reais), como valor suficiente para reparação dos prejuízos em testilha.

III. Isto posto, Julgo PROCEDENTE esta Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais – Rito Ordinário movimentada por CAMILA ROZANI em face de FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA. e CGD AUTOMÓVEIS S.A. para o fim de: a) condenar as Rés solidariamente à entrega de umautomóvel à Requerente, do mesmo modelo e características, porém, zero quilômetro – tendo em vista que o veículo a ser substituído foi comprado em estado de novo pela autora, e desde o início lhe trouxe problemas de diversas ordens, o que impediu o normal uso do mesmo – em perfeitas condições de uso, nos termos do artigo 18, § 1º, I, do CDC, no prazo de quinze (15) dias, sob pena de pagamento de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de atraso, até o montante máximo de R$ 20.000,00

(vinte mil reais), sem prejuízo da indenização cabível; em conseqüência, torno definitiva a tutela antecipadamente concedida (fls. 39 e verso); b) condenar as Rés solidariamente ao pagamento de indenização pelos danos materiais causados à autora pela falta do automóvel, por cinqüenta e dois (52) dias, pelo preço médio diário de locação de um veículo nas mesmas condições do seu automotor, a ser verificado em regular liquidação de sentença, cujo montante será aferido em

regular liquidação por arbitramento; c) condenar as Rés solidariamente ao pagamento de R$ 7.000,00 (setemil reais) para o ressarcimento dos danosmorais suportados pela Requerente.

Tais valores serão devidamente acrescidos de correção monetária com base na Tabela Prática do Tribunal de Justiça, na forma da lei e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação. A atualização monetária do dano material será realizada a partir das datas mencionadas na fundamentação desta sentença. A correção monetária do dano moral iniciará a partir desta data (Súmula 362 do C. STJ).

Imponho ainda às Acionadas o pagamento do valor das custas, dos emolumentos, das despesas processuais, bem como salários periciais, e dos honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da condenação.

P. R. e I.

São Paulo, 26 de março de 2010.

…………………………………….

1 Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Claudia Lima Marques; Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, São Paulo, 2006, página 336.

2 Obrigações e Contratos, Arnoldo Wald, 5ª edição, 1979, editora Revista dos Tribunais, páginas 35 e

37.

3 Nelson Rosenvald, Coord. Ministro Cezar Peluso, Código Civil Comentado, editora Manole, pág.

335.

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