SEGUNDA LEITURA

Pesquisa no Judiciário permite busca de soluções

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

11 de abril de 2010, 11h25

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Em passado recente, o Judiciário não pesquisava e nem era pesquisado. Tribunais eram como ilhas que não se comunicavam. Evidentemente, existiam algumas tentativas de estabelecer-se certa uniformidade (v.g., Colégio de Presidentes de TJs). Louváveis, sem dúvida, mas distantes de algo que tivesse caráter científico, que estudasse as causas e não apenas os efeitos.

Na verdade, o Judiciário sempre se pautou em procurar solução dos problemas na medida em que surgissem. Na linguagem forense, “apagar incêndio”. E, regra geral, a solução não ultrapassava o clássico “criar mais varas e cargos”. Assim era a rotina. Não havia grande diferença entre o que se fazia de 1950 até 1999. Processos formais, rotinas burocráticas, português arcaico (v.g., precatórias “outro tanto farei se deprecado for”). Aqui ou ali algumas tentativas de racionalização. Mas nada ultrapassava uma iniciativa individual de um presidente de Tribunal ou de associação de magistrados.

O início da transformação se deu com a criação do Conselho da Justiça Nacional, através da Emenda 45/2004. O novo órgão recebeu a atribuição de controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário (CF, art. 103-B, § 4º). E, passo a passo, com maior intensidade nos últimos dois anos, o Judiciário começou a ter ações conjuntas. De Roraima ao Rio Grande do Sul, as metas passaram a ser as mesmas. Por uma razão muito simples: a Justiça deve ter um padrão mínimo de qualidade em todo o território e não aqui ou ali. Se alguém se hospeda em um hotel dessas redes internacionais, espera ter o mesmo tratamento em lugares diferentes como Caiena e Hong Kong.

Entre as novidades do CNJ encontra-se o Departamento de Pesquisas Judiciárias. Um órgão com a missão de: a) pesquisar o Judiciário, sistematizar informações estatísticas e a investigar onde estão os problemas, para que se possam achar as soluções; b) fomentar produções acadêmicas que tenham o Poder Judiciário como objeto.

Os mais imediatistas, já sem muitas ilusões, preocupados com um problema hoje (v.g., aquele processo que está para ir concluso há 30 dias e não vai!) ou outro futuro (o juiz removido deixará a comarca semana que vem, quando teremos outro titular?), perguntarão com ceticismo: para que me serve esse Departamento? É compreensível a descrença. Mas, mesmo assim ela deve ser afastada. Afinal, é necessário estar aberto às coisas novas, manter o otimismo (mesmo sendo difícil), como forma de conseguir melhorar as coisas. A visão pessimista só leva à multiplicação dos problemas. E quem irá procurar um advogado amargo e descrente, que só transmite desesperança?

O DPJ tem feito pesquisas de grande interesse. E com apenas 21 pessoas, de diretores a estagiários, todos altamente motivados. Há muitos exemplos da atividade do órgão. Cite-se o “Justiça em Números”, destinado a quantificar e avaliar o desempenho de unidades judiciárias (tribunais, varas, etc.) ou de pessoas (magistrados e servidores). É um passo histórico na busca da transparência e na formulação de projetos. Ou o “Fórum de Gestão Documental”, destinado a preservar e divulgar os documentos históricos produzidos no Poder Judiciário.

Pois bem, a dar suporte ao DPJ existe, criado pelo art. 6º da Lei 11.364/2006, um Conselho Consultivo formado por 9 professores e magistrados com reconhecida atuação na área da política judiciária e administração da Justiça. Serviço voluntário, sem remuneração, tem por missão examinar as diretrizes e métodos do DPJ, opinar, propor, analisar, ajudar enfim. É uma tentativa pioneira de aproximar a Academia do Judiciário.

Universidade e Judiciário são duas instâncias de grande importância, onde os membros costumam ter egos um tanto quanto dilatados. Regra geral, miram-se desconfiados, com dificuldades recíprocas de compreensão. A Academia, com estudos teóricos e sem o conhecimento da prática, muitas vezes prega soluções inexeqüíveis. O Judiciário, com foco eminentemente prático, não dá atenção à necessidade de estudar as causas e tentar evitar os efeitos.

Exemplos. Como planejar a Justiça se não houver estatísticas confiáveis? Como avaliar a criação de varas sem análise efetiva e comprovada por dados concretos (número de processos, população, PIB, distância, etc.)? Como pensar em diminuir a quantidade de processos se para o devedor é melhor um falso conflito do que um acordo, porque na Justiça poderá pagar, anos depois, com juros e correção monetária menores que nos financiamentos bancários?

Perseguindo o seu segundo objetivo, ou seja, estimular produções acadêmicas, o DPJ, com o acompanhamento dos membros do Conselho Consultivo, realizou certame público, para que Universidades apresentassem projetos de estudos e propostas de soluções para melhorar a atuação do Poder Judiciário. Entre 26 projetos, foram selecionados os de 5 Universidades (USP, FGV/SP, PUC/PR, UFRGS e PUC/RS) para promoverem estudos sobre inter-relações entre o processo administrativo e o judicial sob a perspectiva da segurança jurídica e da concorrência econômica, identificação dos problemas resultantes da existência de um processo administrativo e um subseqüente judicial, diagnóstico sobre o aumento progressivo das demandas, especialmente as repetitivas e a morosidade da Justiça cível.

Assim, profissionais da área do Direito, trabalhando com colegas de áreas interdisciplinares (Economia, Estatística, Filosofia, Informática, Administração e outras) promovem pesquisas das mais interessantes. Trabalho sério, planejado minuciosamente, submetido à análise de especialistas do DPJ e seu Conselho, promete captar tendências e apontar soluções. Serão de grande ajuda nas políticas públicas do Judiciário.

Estarão, a partir dos resultados, resolvidos os problemas da Justiça? Não, por certo. Mas, com certeza, estarão mais delimitados e poderão ser enfrentados com base científica. Soluções serão dadas com fundamento em estudos técnicos sérios e não pela opinião deste ou daquele administrador judiciário. O fato é histórico. Pelo bem do sistema judicial e, consequentemente, das pessoas e do país, pela primeira vez Academia e Judiciário trabalham juntos. Tem tudo para dar certo.

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