Julgamento racional

"Redução do estoque passa por ações coletivas"

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11 de abril de 2010, 8h59

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Imagine reformar um prédio inteiro, desde o alicerce até a cobertura, sem tirar os moradores de dentro, nem deixá-los sem àgua, luz ou telefone. É mais ou menos isso que a Secretaria da Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, tenta fazer desde sua criação, em 2003. Aos poucos, no entanto, o trabalho está aparecendo. Lançada a fundação em 2004 pela Emenda Constitucional 45, e pelo primeiro Pacto Republicano assinado pelos presidentes dos três Poderes, a secretaria trabalha agora para regulamentar e colocar para funcionar as mudanças. Muitas delas já estão a pleno vapor, como os institutos que prometem acabar com a massa de processos repetitivos nos tribunais superiores. Repercussão Geral e Súmula Vinculante, no Supremo Tribunal Federal, e o rito de Recursos Repetitivos no Superior Tribunal de Justiça, já fazem parte do cotidiano. Recentes mudanças nos Códigos de Processo Penal e Cível também são expoentes desse esforço.

Apesar do nome, a secretaria não trabalha com imposições, como explica o secretário da Reforma, Rogério Favreto. Em entrevista à Consultor Jurídico, ele faz questão de deixar claro que todos os pontos da reforma são debatidos à exaustão com membros do Judiciário, do Executivo, do Ministério Público e da Advocacia. O resultado vai ainda para o Legislativo, que amplia o debate. Mesmo com o longo período necessário para se chegar ao consenso em relação a cada proposta, o resultado é comemorado. Segundo Favreto, dos 39 projetos de lei enviados ao Congresso, decorrentes do I Pacto Republicano, 26 já foram aprovados até o início do ano passado. Já do II Pacto, voltado para a consolidação de um "sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo" e que conduz os atuais projetos em tramitação, entre abril e dezembro de 2009, saíram mais 13 leis e uma emenda constitucional.

Uma dessas vitórias tem um sabor especial para Favreto. A criação de 230 novas varas federais, autorizada pela Lei 12.011/2009, ainda depende da definição dos estados onde serão instaladas, mas já significa a concretização de um dos maiores objetivos do secretário quando assumiu o cargo, em 2007. “A interiorização da Justiça Federal não é uma mera criação de varas, mas o estabelecimento do critério de necessidade, de acessibilidade, de demanda, e não só de distância geográfica”, diz Favreto hoje. Há três anos, quando assumiu a secretaria, dizia: “O principal foco da minha gestão é o acesso universal à Justiça. Falta aproximar o Judiciário do cidadão. Hoje, o cidadão comum vê a Justiça de longe”.

Para saber se as mudanças estão surtindo os efeitos desejados, a secretaria quer o apoio da academia. Universidades estão sendo convocadas, através de um edital, para um trabalho de pesquisa sobre os resultados práticos das reformas processuais. O Observatório da Justiça cria uma rede de instituições encarregada de avaliar de forma constante, além das reformas legais e processuais, “também a formação do magistrado, seu perfil, e o comportamento que o poder está tendo em determinados temas, como Direitos Humanos e direitos fundamentais”, explica o secretário.

Enquanto a reforma do edifício não estiver acabado, as propostas não param. Novos projetos podem sair a qualquer momento em relação às áreas criminal, cível, trabalhista e tributária. Um dos alvos principais é diminuir o volume de processos, no que a nova lei de Ação Civil Pública será fundamental. A proposta é priorizar ações coletivas em detrimento das milhões de ações individuais sobre o mesmo tema. Na área criminal, as medidas alternativas para substituir boa parte das prisões preventivas deve atacar o problema da superpopulação carcerária, que sente a falta de pelo menos 200 mil novas vagas. Investigações de lavagem de dinheiro também devem ganhar novo impulso com o perdimento dos bens dos acusados e sua conversão em moeda, assim como a tipificação do crime de organização criminosa, que ainda não existe no Brasil.

Procurador de carreira, Rogério Favreto é pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Sua última missão antes de assumir o cargo de secretário da Reforma do Judiciário foi atuar na Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Ele também já foi consultor jurídico do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e atuou na Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil.

Leia a entrevista.

ConJur — A Reforma do Judiciário entrou no texto constitucional há seis anos, mas as obras ainda são intensas em suas três frentes: constitucional, legal e normativa. Qual sua avaliação do trabalho depois de três anos à frente do órgão responsável por impulsionar as mudanças?
Rogério Favreto — O balanço é muito positivo. O primeiro momento pós-emenda [constitucional] 45 foi o de um pacote de 39 projetos, para regulamentar os novos institutos, como a Repercussão Geral, a Súmula Vinculante e o processo eletrônico. Daqueles 39 projetos, até o início de 2009 foram aprovados 26. Os demais não foram aprovados porque, no decorrer do tempo, precisaram de revisões. Depois dessa primeira etapa, que foi a aprovação da Reforma do Judiciário, o Poder Legislativo vai conduzir a regulamentação, o Poder Executivo vai emprestar seu apoio, sua base política, e o Poder Judiciário vai continuar reformando.

ConJur — Quais os resultados concretos?
Rogério Favreto — De abril até dezembro, conseguimos aprovar 13 leis e uma emenda constitucional, gestadas no II Pacto Republicano. A emenda fez uma reformulação pontual no Conselho Nacional de Justiça: um ajuste nos critérios para a presidência, algo que, mesmo simples, corrigiu um problema que poderia atrapalhar a representação do Supremo Tribunal Federal. Outra mudança importante foi a interiorização da Justiça Federal, que não foi só uma mera criação de varas, mas o estabelecimento do critério de necessidade, de acessibilidade, de demanda, e não só de distância geográfica. As novas 230 varas vão ser instaladas dentro de cinco anos depois de sua implantação. Quanto à Defensoria Pública, a lei complementar da carreira dá parâmetros estruturais para que ela cumpra sua missão de defesa das pessoas carentes, priorizando o atendimento em regiões com IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] mais baixo, além de criar ouvidorias. A nova lei de Mandado de Segurança foi outra mudança importante.

ConJur — A primeira fase, essencialmente política, agora precisa ser implementada. Qual a estratégia?
Rogério Favreto — Estamos fazendo o que chamamos de reforma do sistema da Justiça. Não é só do Poder Judiciário, porque envolve também o Ministério Público, a advocacia e a Defensoria Pública. Fizemos debates durante dez meses, divididos em temas sob os quais foram reunidos os projetos de lei. O foco foi tornar a Justiça mais acessível, ágil e efetiva. Agilidade abrange tanto as ferramentas do processo como a gestão do Judiciário. Políticas de acessibilidade, de fortalecimento da Defensoria Pública, e de conscientização e efetivação de direitos fundamentais não se limitam somente a projetos de lei, mas a programas específicos.

ConJur — O que já foi feito para regulamentar a Emenda Constitucional 45?
Rogério Favreto — Preferimos não mandar novos pacotes de projetos de lei, mas trabalhar com os que já estivessem em tramitação no Congresso. Foi uma opção política. É mais razoável aproveitar uma iniciativa legislativa porque elas são mais valorizadas pelos parlamentares, e ganhamos tempo.

ConJur — Como a Secretaria avalia se as medidas já consolidadas pela Reforma estão funcionando na prática?
Rogério Favreto — Estamos implantando agora, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais, um projeto extremamente inovador que se chama Observatório da Justiça Brasileira. Tomado de uma experiência de Portugal — o Observatório da Justiça Portuguesa —, o programa cria uma rede das instituições de ensino e de pesquisa para fazer uma constante avaliação de reformas legais e processuais, e também da formação do magistrado, do seu perfil, e do comportamento que o poder está tendo em determinados temas, como Direitos Humanos e direitos fundamentais.

ConJur — Em que pé está a implantação?
Rogério Favreto — A partir de agora, vamos criar um comitê científico com representação acadêmica e de todos os setores da Justiça e da sociedade. Foram dois anos de debates e seminários, com a consultoria do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que terá uma sede administrativa, em parceria. Acolhemos a decisão de que o programa não ficasse vinculado ao Ministério da Justiça, para que tivesse maior autonomia. Daremos o aporte financeiro, vamos participar, demandar, mas haverá autonomia. O objetivo não é só avaliar a Reforma, mas também quais são os grandes reclames da sociedade e dos que atuam na Justiça.

ConJur — Quem ficará responsável pelos diagnósticos?
Rogério Favreto — Uma das diretrizes é que não haja exclusividade. Haverá editais públicos para que todas as instituições de ensino e pesquisa se habilitem na execução dessas pesquisas. Queremos aproveitar aquilo que se discute hoje na academia, nas universidades, nos centros de pós-graduação, de mestrado, traduzindo isso em propostas concretas.

ConJur — Existe um certo grau de independência do Poder Executivo em relação aos temas pacificados no Judiciário? A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional demorou a permitir que procuradores desistissem de questões sobre as quais já existiam resoluções do Senado ratificando a inconstitucionalidade de algumas normas, declarada pelo Supremo.
Rogério Favreto — Isso já está mudando. Hoje, na União, são adotadas súmulas administrativas, justamente para confirmar as posições mais claras do Judiciário, e não se permitir protelações para efetivação das decisões. Esse é um dos tópicos do Pacto. Claro que ainda existem algumas resistências, mas do ponto de vista do governo federal, a ideia é contribuir.

ConJur — Quando institutos de controle concentrado foram criados, a promessa era de que eles reduziriam a quantidade de processos a longo prazo. Quanto tempo ainda levará para que a primeira instância sinta esses efeitos?
Rogério Favreto — Ainda vai demorar um pouco para se ter um resultado numérico. Os efeitos de instrumentos como a Repercussão Geral e a Súmula Vinculante ainda aparecem apenas no Supremo. O Superior Tribunal de Justiça, a partir do fim de 2008, também começou a dar uma resposta. Mas ainda há represamento nos tribunais. A médio prazo, as mudanças vão surtir efeito. Elas ainda estão em maturação, enfrentando também resistência natural a esse enquadramento dos Tribunais Superiores. No entanto, sem uma mudança radical na priorização das ações coletivas em detrimento das ações individuais de massa, não há como resolver. Esse tema está em debate na comissão do novo Código do Processo Civil, que estuda o incidente de coletivização. Com isso, uma decisão valeria para todos os casos sobre o mesmo tema. É preciso cuidado para que a concentração não prejudique direitos. É difícil o cidadão entender que é necessário uma demora para maturação de uma decisão, mas há casos que demandam maior cuidado. O Supremo tem dado sua contribuição, ao tematizar ações que têm repercussão. Começa a sinalizar seu papel de corte constitucional.

ConJur — Hoje existe a possibilidade de se rever uma Súmula Vinculante. Já um caso julgado sob o rito da Repercussão Geral, não. Ainda se planeja mudar isso?
Rogério Favreto — É possível haver previsão de algum mecanismo de revisão. Estamos ainda fazendo uma avaliação da sua eficácia, dos seus resultados. Se ela estiver criando alguma restrição, pode-se avaliar a introdução de alguma oxigenação. Se a avaliação apontar para essa necessidade, o próprio Supremo tem a sensibilidade de acolher a mudança. Não haverá resistência nesse sentido.

ConJur — A parceria entre os Poderes é a solução para acelerar o trâmite de criação das varas?
Rogério Favreto — Tivemos uma experiência muito exitosa na questão da Lei Maria da Penha. Graças ao apoio do governo e até de uma cobrança de todos os setores da sociedade, saímos do primeiro ano com uma ficha indicativa de 15 Juizados. Fechamos 2009 com 60 Juizados, todos já implantados, com recursos tanto do Ministério da Justiça quanto da Secretaria da Mulher. Só a Secretaria da Reforma do Judiciário investiu mais de R$ 20 milhões nos Tribunais de Justiça, no Ministério Público, na Defensoria Pública, na implantação dos Juizados e núcleos de atendimento.

ConJur — Quem faz parte dessa cúpula de tomada de decisões?
Rogério Favreto — O Pacto Republicano tem um comitê de gestão, formado por representantes dos três Poderes. Do Executivo, há indicados pelo Ministério da Justiça, Advocacia-Geral da União e Casa Civil. Do Judiciário, há indicados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, além de representantes da Justiça Federal e da Justiça Estadual. Do Senado e da Câmara dos Deputados vêm não só parlamentares, como também agentes do corpo técnico, principalmente das procuradorias.

ConJur — Quais os projetos atuais?
Rogério Favreto — Neste ano, que é atípico por causa das eleições, estamos identificando propostas prioritárias, e discutindo temas que sejam viáveis. Estamos debatendo agora a regulamentação do Mandado de Injunção. Outra pauta muito enxuta na questão do processo penal são as cautelares para prisão preventiva, discussão feita no Projeto de Lei 4.208/2001, que está pendente somente de votação na Câmara. Ele estabelece que, antes de ordenar o encarceramento, o juiz deve avaliar se outra medida não é aplicável. Uma pessoa que, por exemplo, se envolve em um confronto em um evento esportivo, poderia ter apenas restrições quanto a frequentar alguns estabelecimentos. A restrição pode ser de se ausentar ou de comparecer. Com a mudança, o juiz teria que, ao justificar a prisão provisória, dizer que não caberia outra medida alternativa. Esse é um avanço que dá resposta a um problema crítico. Mais de 40% das prisões são provisórias. Também estamos tentando avançar na regulamentação do abuso de autoridade e do uso de interceptações telefônicas, dois temas delicados dentro da pauta do novo Código de Processo Penal.

ConJur — A lavagem de dinheiro é um crime difícil de ser identificado e provado. O que está sendo feito para diminuir a vantagem de criminosos nas investigações?
Rogério Favreto — A lavagem de dinheiro é um tema que está entre os prioritários na reforma do Processo Penal. Nós estamos seguindo o projeto que, segundo a diretriz aprovada pela Encla [Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro], baliza vários instrumentos. O perdimento de bens para evitar sua venda antecipada é um exemplo. Hoje, um bem sequestrado como suspeito de ter origem ilícita ou criminosa, se deteriora, se desvirtua, devido à dificuldade de administrá-lo. Pela proposta, os bens poderão ser convertidos em moeda. No fim do processo, se o réu é condenado, o valor fica com o Estado. Se for absolvido, o acusado não teria prejuízo, já que receberia o valor do seu bem em dinheiro.

ConJur — Qual a saída para rastrear melhor os desvios?
Rogério Favreto — Mecanismos de cooperação internacional. No exterior, o Brasil é muito cobrado em relação a isso. No projeto existe também a previsão de tipificação não só do crime de lavagem, como também de organização criminosa, que é uma das imperfeições do nosso sistema.

ConJur — O problema da superpopulação carcerária passa por falta de acompanhamento adequado das execuções. Há alguma reforma possível nesse sentido?
Rogério Favreto — O CNJ tem dado uma contribuição muito importante na gestão disso, criando procedimentos. Tivemos algumas resoluções importantes para orientar a investigação e o processamento criminal. A política dos mutirões carcerários mostra que o juiz tem de estar próximo da execução da pena. Também criamos uma força nacional da Defensoria Pública em Execução Penal, para dar apoio a estados sem estrutura ou onde há crise. Atuamos, por exemplo, por 15 dias com 42 defensores em cinco estabelecimentos prisionais de Ribeirão das Neves (MG), onde mais de 40% dos presos tinham algum benefício vencido. Trabalharam conosco defensores deslocados no banco de dados, disponíveis para necessidades. São mais de 400 nesse quadro. Mas a solução também depende do fortalecimento do uso de penas alternativas.

ConJur — Meios alternativos são a solução também para os demais processos?
Rogério Favreto — Estamos muito preocupados com o aumento da judicialização. Temos investido não só em processo coletivo, mas também em meios de desjudicialização. Fazemos uma ação forte junto com as escolas da magistratura, para a capacitação de técnicas de mediação e conciliação, justamente para mudar um pouco a cultura, e buscar um pouco mais de pacificação nas ações individuais. Ao mesmo tempo, conduzimos um programa de Justiça comunitária, que nasceu de uma experiência pontual em Brasília, desenvolvida pela juíza Gláucia Falsarella Foley. Nós capacitamos lideranças da comunidade para que conheçam seus direitos e façam a mediação de conflitos antes que eles sejam ajuizados. Isso é eficiente porque, quando a demanda chega ao juiz de Direito, já está muitas vezes com uma forte resistência a qualquer concessão das partes.

ConJur — Na área cível, o que os projetos mudam?
Rogério Favreto — Do ponto de vista do processo civil, nossa prioridade é o projeto da lei da Ação Civil Pública. A ideia é priorizar a coletivização para temas de massa, em lugar da ação individual. Esse projeto tem instrumentos revolucionários para a base da magistratura, como a suspensão das ações individuais em favor de uma ação coletiva. Quando o tema tiver abrangência estadual, a ação terá de ser ajuizada na capital. Quando for nacional, a competência será de uma das capitais, com extensão nacional. Os legitimados já estão consolidados. A OAB ganha um texto mais explícito, e as associações tiveram sua legitimidade melhor delineada. A Defensoria Pública já tinha competência e o Ministério Público permanece fortalecido.

ConJur — A legitimidade da Defensoria Pública e do Ministério Público será a mesma?
Rogério Favreto — Quando a Lei Complementar 132 foi aprovada, não houve uma limitação, mas um foco de atuação. A legitimidade da Defensoria está prevista em uma lei especial, mas ela tem que ter seu foco, de representar pessoas carentes. Obviamente, não se pode impedir uma ação que eventualmente contemple alguns interessados que não sejam carentes, mas a prioridade deve ser para essas pessoas. Existe uma ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] no Supremo que questiona justamente se a legitimidade é ampla ou tem que ter o foco da natureza da função da Defensoria, já que o fiscal da lei para outros temas é o Ministério Público.

ConJur — A área trabalhista é uma das recordistas em número de processos. O que é preciso para diminuir essa avalanche constante?
Rogério Favreto — A execução trabalhista, outra prioridade que elegemos, é uma discussão que já está muito atrasada. Hoje, o processo civil tem uma execução muito mais avançada do que o trabalhista, que antes era parâmetro. Estamos rearticulando na Câmara o substitutivo de um projeto de lei antigo, de 2000, relativo ao Pacto Republicano anterior. O projeto já estava superado por um acordo feito por todos os segmentos da Justiça do Trabalho. Nós, por meio de uma comissão de juristas representantes da Anamatra [Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho], do CNJ, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Associação Nacional de Advogados Trabalhistas e do Ministério Público do Trabalho, elaboramos um substitutivo sobre o qual já existe acordo quanto ao conteúdo e a estratégia. Estamos só discutindo com a Câmara a forma de apresentação.

ConJur — Há 15 anos, a criação dos Juizados Especiais ampliou as portas da Justiça para pessoas e problemas que antes não entravam nos tribunais. Em que os recém-criados Juizados Especiais de Fazenda Pública avançam nesse campo?
Rogério Favreto — A criação dos Juizados da Fazenda Pública Estadual e Municipal, aprovada em dezembro, preenche um vazio. Os Juizados Federais têm competência para julgar demandas contra o governo federal, mas processos contra estados e municípios não poderiam ser recebidos em Juizados Especiais. Agora existe essa previsão e os tribunais já estão se estruturando. No Ministério da Justiça, já tive a concordância do ministro Luiz Paulo Barreto em ter uma ação de apoio para a implantação desses Juizados. Não adianta ter uma lei avançada se não houver política pública para sua estruturação. Hoje, a discussão é orçamento e gestão, no que nós estamos contribuindo.

ConJur — A Execução Fiscal é um dos fantasmas que assombram o Judiciário, por ser assunto de metade dos processos que chegam. O que foi planejado contra isso?
Rogério Favreto — Enviamos projetos de lei junto com o novo Pacto Republicano, entre os quais está o da cobrança administrativa da Execução Fiscal. Ela fortalece o setor de cobrança do Estado, e é uma forma de diminuir o número de execuções. Quer dizer, a Execução Fiscal só vai ao Judiciário quando a dívida já estiver garantida com um bem. Foi criada uma comissão especial na Câmara dos Deputados, que deve se encarregar de um consenso. Se a medida fosse implantada, só na Justiça Federal se diminuiria o número de processos em mais de um milhão. Essa é uma demonstração de que o Executivo quer dar sua contribuição e está ciente de que é um dos responsáveis.

ConJur — É necessário rever o sistema quando liminares concedidas individualmente por um juiz, por exemplo, paralisam obras que interessam a milhares de pessoas, e outras obrigam o Estado a comprometer boa parte de seu orçamento para pagar remédios importados?
Rogério Favreto — O primeiro grau é onde há produção do direito, onde se permite maiores reflexões e caminhos diferentes. Deve-se ter muito cuidado para não se criar nenhuma restrição à atuação do juiz natural. É compreensível que se tenha instrumentos de afunilamento e de maior enquadramento técnico jurídico, mas isso nos tribunais. Hoje, existe um processo no qual a magistratura está ganhando maturidade para entender o conflito entre o individual e o coletivo, o privado e o público. Os magistrados têm que ter essa preparação, essa vivência, não só da experiência jurídica, mas da experiência da vida, e da repercussão de suas decisões. É um processo cultural e de conscientização, que começa com a seleção da magistratura e permanece em constante aperfeiçoamento. Hoje, o juiz tem um treinamento maior. Medidas que possam criar um prejuízo muito grande ao Estado e à sociedade demandam reflexão maior do juiz. A magistratura que se abre, que sai dos seus gabinetes, tem menos potencial de cometer injustiça em um tema que tenha transcendência coletiva.

ConJur — A professora e pesquisadora Maria Teresa Sadek sugere que essas liminares sejam decididas por colegiados e não por um único juiz. Existe alguma proposta semelhante?
Rogério Favreto — Não, mas, mudando de ramo, existe um projeto parecido que trata do julgamento de organizações criminosas, que visa proteger o juiz e prevenir eventual cooptação, ou seja, resguarda a segurança e a conduta do julgador. Hoje, ele pode ser alvo dessas organizações se julgar individualmente.

ConJur — A eterna dicotomia entre garantias individuais e efetividade da Execução Penal faz advogados e promotores acusarem-se mutuamente pelos incidentes nos processos. Como resolver isso?
Rogério Favreto — As garantias fazem parte de um princípio constitucional do qual não se pode abrir mão. A instrumentalização dessa garantia, no entanto, pode gerar uma protelação tanto da persecução quanto da Execução Penal, imposta por um sistema que ainda valoriza demais a formalidade, o que gera descrédito quanto à punição. As medidas recentes que tratam do processo penal, juntamente com as que estamos buscando quanto aos recursos e às medidas cautelares modernizariam o sistema mantendo o respeito às garantias.

ConJur — A instituição de um juiz de garantias seria então um acréscimo desnecessário?
Rogério Favreto — Medidas de forte repercussão, como a quebra de sigilo, provocam discussões sobre um juiz especializado, com essa atribuição pontual. Acho que o debate ainda não está vencido. Particularmente, penso termos mecanismos para aperfeiçoar o sistema, chegar próximo do desejável, sem ter essa quebra. Por outro lado, vejo com bons olhos a especialização para determinadas medidas. Pode ser uma experiência muito positiva.

ConJur — Existe uma crítica comum quanto a decisões judiciais elaboradas não por juízes, mas por seus assessores, o que é debitado na conta do volume de processos. Há alguma estratégia para se evitar a prática?
Rogério Favreto — A função jurisdicional é do magistrado, mas não se desconhece que ele pode usar apoio técnico devido ao volume de questões. O apoio técnico da assessoria é na preparação, mas a decisão tem que estar sob a estrita autoridade do magistrado. A forma como o julgador processa isso está dentro da autonomia de organização de cada tribunal. Ainda são muito pontuais os eventuais desvios. As críticas se devem a erros dos quais o Judiciário é consciente. Avaliar isso é papel do próprio Judiciário, a que o CNJ está muito atento. As próprias estruturas do Judiciário e do CNJ podem fazer essa adequação.

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