Fundo do poço

Setor sindical está cada vez mais abominável

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10 de abril de 2010, 7h49

Primeira cena: sem grande alarde, acha-se em tramitação na Câmara o Projeto de Lei 6708/09, originário do Senado e de autoria do petista Paulo Paim que torna compulsória a contribuição assistencial.

A mesma que nos dias atuais é paga somente pelos trabalhadores sindicalizados. Isto é, aqueles que, além de recolher a contribuição sindical obrigatória são sócios espontâneos do sindicato, pagando a mensalidade imposta pela entidade. E isto não vale só para trabalhadores, não. É extensivo às empresas, no segmento patronal.

Vale acentuar que a tal contribuição está literalmente vedada pelo Enunciado Normativo 119 do Tribunal Superior do Trabalho, que considera inconstitucional sua cobrança pelos não sindicalizados. Para deixar bem claro: só é obrigado a pagá-la quem for associado do sindicato. A sua cobrança, no papel que tudo aceita, foi intentada com o objetivo de servir de custeio às despesas inerentes e decorrentes das convenções coletivas de trabalho e dissídios salariais, além de respaldar outras eventuais atividades assistenciais do sindicato. Na prática, contudo, sua arrecadação destina-se para reforçar o caixa das entidades. Na quase totalidade, autêntico saco sem fundo!

Ao leigo ainda fica dúvida, representada pela óbvia indagação: mas a Constituição não reza que ninguém é obrigado a ser sócio de sindicato? Como se observa, ser “sócio” é ato de vontade pessoal e que não invalida a obrigatoriedade de pagamento da contribuição sindical obrigatória, decorrente de exercício de atividade profissional ou empresarial e estatuída na Consolidação das Leis do Trabalho, por meio do Decreto-Lei 5452, consoante os artigos 578 e seguintes. Aliás, devemos essa ambiguidade, essa verdadeira estúpida dualidade aos Constituintes que promulgaram a Carta Augusta de outubro de 1988. Certamente premidos pela falta de vergonha que –desde idos tempos- rege os meios políticos deste país, e do indestrutível lobbie que reina no sindicalismo brasileiro, conseguiram a proeza de manter a unicidade sindical, porém permitindo a criação de novos sindicatos, preservando a contribuição sindical obrigatória e desatrelando o Estado do meio sindical (ainda que também somente no papel, persistindo até nos dias atuais nesse faz-de-conta) e –não bastasse- criando uma outra contribuição, a confederativa, felizmente natimorta, já que dependendo de Lei Ordinária complementar, jamais teve sopro de vida.

Conclusão: dos quatro mil sindicatos existentes à época, beiramos hoje a quase vinte mil, o Estado continua responsável pelo registro de entidades sindicais, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego e se beneficiando no rateio do bolo sindical com 20% de toda contribuição sindical paga neste país por trabalhadores e empresas. A contribuição sindical (mãe de todos os vícios e mazelas do sistema) persiste inexpugnável e agora o representante do PT (sempre o partido que se arvora em ser o protetor do trabalhador…) volta à carga tentando, sob a pena do Direito, dar cunho compulsório a uma contribuição que é exigível somente daqueles que são sindicalizados e sob a eterna lengalenga de que o seu produto é “fundamental para a manutenção dos sindicatos”.

Convém igualmente não olvidar que as centrais sindicais (entes inexistentes na legislação igualmente citada) foram reconhecidas e legalizadas pelo atual inquilino do Planalto através de Lei 11.648, de 31-03-2008, o que possibilitaria que ditas centrais passassem a receber doravante a metade do que cabe ao Estado da arrecadação do bolo sindical. Só que feita ao arrepio da Constituição, tal quizila é agora objeto de decisão pelo Supremo Tribunal Federal, que tem em sua pauta o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4067. Conclusão: as centrais estão naturalmente iradas, pois julgavam que já neste exercício iriam colocar a mão na massa, que, aliás, é o produto que a elas verdadeiramente interessa (mais de R$ 120 milhões). Aturdidas, praguejam a ação intentada pelo partido dos Democratas e com sofreguidão aguardam pela decisão do Supremo. Já disse em comentário anterior e repito: esse choro e ranger de dentes vai ser cada vez mais estrepitoso e longo.

Isto tudo num ano eleitoral é ótimo para que trabalhador e empresário (de vez que ambos são alvos e vítimas dessas contribuições obrigatórias) saibam verdadeiramente quem é quem neste País, especialmente no setor sindical, que virou escada ascendente à vida política. Portanto, a hora e vez da profilaxia estão aí, próximas.

Aliás, já passou da hora e da vez do eleitor identificar, claramente, quem está sempre ao seu encalço a fim de meter a mão no seu bolso. Ou contribuinte de sindicato (profissional e patronal) não vota nas eleições majoritárias e proporcionais? Se ele nunca levou o aspecto sindical em conta, é bom começar a fazê-lo a partir de outubro próximo.

Como tal, não há justificativa que, coerentemente, dê respaldo legítimo à propositura do senador em questão. Ela não passa de mais um ato lesivo ao bolso do contribuinte, de vez que na quase totalidade dos sindicatos brasileiros este é um dos poucos (senão o único real serviço) que se presta ao contribuinte, ou seja, a efetivação de convenções coletivas (tratativas e consecução) que, quando não pactuadas entre as partes (categorias econômicas e profissionais) terminam em dissídios salariais, arbitrados pelos juízes do Tribunal.

Essa, pois, é mais uma cantilena do PT, que, com certeza, será rejeitada –especialmente no plenário do Senado, que ainda não foi em sua maioria cooptado- por estéril, vazia e comprovadamente lesiva aos contribuintes dos sindicatos. Diante disso, é exagero dizer-se que isto aqui (e entenda-se como isto aqui os rincões cada vez mais dizimados em termos do interesse verdadeiramente público e comum aos brasileiros e não dos seus governantes) virou ou não uma república sindicalista? E que, sem exagero, corre o risco de transformar-se em coisa ainda pior!

Segunda cena:Ainda sobre o tema da contribuição assistencial, O Consultor Jurídico em uma de suas últimas edições, traz a prova de que o setor sindical está mesmo no fundo do poço. Pois não é que o Sindicato dos Empregados em Hospedagem e Gastronomia de São Paulo e Região (Sinthoresp) está tentando mudar o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho -TST acerca do sigilo de identidade de seus trabalhadores sindicalizados em ações de cobrança que tratam do repasse da contribuição assistencial. Senão vejamos.

Enquanto o TST sustenta o óbvio, isto é, que a empresa tem o direito de saber os nomes dos trabalhadores que são filiados para que elas, empresas, os identifiquem e promovam o desconto e repasse da tal contribuição (que só é devida pelos sindicalizados, ficando aqueles que não são e não desejam ser sócios espontâneos desobrigados de tal encargo) o Sinthoresp insiste que tal entendimento pode gerar retaliações contra os seus filiados.

Como se observa, em campo realismo versus extremado subjetivismo. Ora, a manutenção até os dias atuais dessa legislação de 1943 chega a ser aviltante, pois obriga o empresário a servil e gracioso agente de cobrança. Desconta e repassa ao sindicato profissional. Assim como ele paga diretamente ao seu sindicato patronal a contribuição devida, o mesmo deveria ocorrer com o empregado. A ele (e somente a ele trabalhador) cabe o direito e o dever de pagar diretamente a contribuição imposta por seu sindicato. Assim como ele procurou (diretamente) a entidade representativa de sua categoria profissional e a ela espontaneamente se filiou, a ele cabe o direito e a obrigação de pagar o que for devido.

Ao contrário disso, o empresário além de ser obrigado, por Lei a fazê-lo no tocante à única contribuição efetivamente respaldada em Lei, que é a contribuição sindical compulsória, ainda funciona como um serviçal no desconto e repasse da contribuição assistencial, devida por seu trabalhador sindicalizado. E se isso não bastasse, sofre o constrangimento de não ter o direito de saber quem é ele, pelo alegado temor mencionado pelo sindicato profissional, dele, trabalhador, sofrer retaliações do seu empregador. Ora, neste caso que o sindicato profissional denuncie ao Tribunal a empresa por atitude antissindical.

Enquanto a mesma fonte anuncia que alguns juízes de Varas do Trabalho já concederam direito ao sigilo, identicamente destaca a incisiva discordância do juiz Luiz Paulo Pasotti Valente, da 41ª Vara do Trabalho de São Paulo e representante da Associação dos Magistrados do Trabalho da 2ª Região, ao salientar “Que a solicitação do Sinthoresp é inconstitucional, além impedir o direito do princípio do contraditório e da ampla defesa, considerando ainda um absurdo que a empresa efetue recolhimentos sem saber de quem está fazendo”. Culmina por exarar argumento que nos parece absolutamente inobjetavel: “Não é necessário o Sinthoresp querer proteger o empregado, pois ser sindicalizado não é ilegal.”

Ao final, o advogado da entidade, Antonio Carlos Nobre Lacerda, depois de afirmar que a contribuição assistencial deveria ser obrigatória a todos os trabalhadores da categoria, pois assim evitaria o risco do empregador descobrir a identidade dos filiados, acaba por explicitar aquilo que todos os analistas do ramo sindical já se habituaram à decadência e até sordidez do sistema e, como tal, nem fiquem mais chocados ou surpresos com o inusitado ou até o surrealismo que norteiam a mentalidade e o linguajar dos dirigentes de entidades de trabalhadores ou de seus representantes, Leiam e pasmem: “A lógica que queremos passar é que o repasse seja feito a todos. Somente assim todos os sindicalizados ficarão livres das retaliações”.

Em outras palavras: arrombemos os cofres e nos apossemos dos recursos de Roma para cobrarmos a dívida de Nero!

Razão mesmo -principalmente neste Governo de turno- tem o velho e eterno adágio popular: “cada povo tem o governo que merece”. O mesmo axioma vale para o sindicalismo brasileiro.

Terceira cena:A Federação do Comércio do Estado de São Paulo, também conhecida como Fecomércio, está em processo eleitoral. Exigência natural, estatutária, obrigatória e altamente salutar, especialmente quando há disputa pela alternância de poder. Porém, e lamentavelmente, como amiúde ocorre nessa sexagenária federação, se constata apenas o registro e existência de uma única chapa concorrente.

Ora, em decorrência dessa ausência de disputa pelo poder, poderiam muito bem seus “velhos novos” dirigentes serem eleitos por aclamação, sem dar-se ao trabalho de processo eleitoral. Certamente, porém, como têm de dar curso a prescrições estatutárias, os dois principais jornais de São Paulo publicaram em 09 de março último o Edital de chapas registradas, onde consta a relação descritiva dos candidatos componentes da chapa, tendo à frente, como é óbvio, o presidente Abram Szjamam, que há tempos tomou assento na cadeira presidencial. Nos demais cargos, claro, só não constam os nomes dos que já partiram para o além.

Mas o curioso mesmo, digno de registro, (já que o fato do continuísmo e da perenidade de poder no âmbito sindical é fato recorrente e em alguns casos, até encarada como ação entre amigos ou de capitania hereditária) foi à nomenclatura originalíssima da chapa, cognominada de “Guia, Modernidade, Credibilidade”.

Que saudades do reformista Dr. Lázaro Antônio Infante, então presidente do Sincomavi, filiado àquela Federação, que pregava pelo incremento da prática do associativismo e, principalmente, por reformas estruturais e institucionais naquela entidade em aprofundados e dignificantes artigos publicados pelo “Diário do Comércio” –órgão jornalístico até hoje editado pela Associação Comercial de São Paulo. Isto, senhores, há mais de 20 anos! Como eles foram úteis em minha vida profissional, em termos de formação profissional, de ética e de dignidade! Mas, enfim, inversão de valores é um processo tão corrosivo quanto inevitável num país como o Brasil, especialmente após sua redemocratização, onde até a palavra do então democrata de ontem destoa e contraria em extremo oposto o discurso do candidato a déspota de hoje.

E para encerrar. Realmente, como é dura e sofrida a vida do dirigente sindical, patronal ou laboral, principalmente dos que se eternizam em seus cargos anos a fio, desprovidos de quaisquer interesses — até mesmo o de simplesmente massagear o ego — senão os de servirem fiel e diuturnamente às bases.

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