Encontro das águas

Construção de porto gera decisões contraditórias

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5 de abril de 2010, 18h26

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Manaus - Encontro das águas - commons wikimedia

A construção de um terminal de contêineres no Encontro das Águas, uma das principais atrações turísticas de Manaus, ainda nem saiu do papel, mas já foi alvo de pelo menos quatro decisões contraditórias só no último mês, dadas pelas mesmas varas das Justiças Federal e Estadual do Amazonas. Tentando o licenciamento ambiental estadual há dois anos, o projeto do futuro Porto das Lajes está paralisado desde a última terça-feira (30/3), quando a 3ª Vara Federal local concedeu liminar em favor do Ministério Público Federal. Apenas 25 dias antes, a mesma vara havia negado a liminar, justificando que a petição inicial do MPF não tinha fundamento.

Junção de dois rios que formam o Rio Amazonas (na foto acima), o Encontro das Águas é um percurso de cerca de 6 km em que as águas escuras do Rio Negro correm sem se misturar às barrentas do Rio Solimões, formando uma curiosa trilha bicolor. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Ipham) ainda não terminou a análise do processo administrativo que pede o tombamento da área onde acontece o fenômeno, solicitado por uma reunião de associações da região.

O pedido de tombamento foi feito em dezembro de 2008, depois que a Lajes Logística, que vai operar o terminal, já havia solicitado o licenciamento ambiental no Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas, o Ipaam. No entanto, na liminar concedida ao MPF na terça-feira, a juíza Maria Lúcia Gomes de Souza ordena o tombamento provisório e dá prazo de seis meses para que o instituto conclua a avaliação. Para o MPF, o fenômeno é “patrimônio de relevância paisagística, ecológica, arqueológica, paleontológica, turística, científica e cultural”, e a empresa responsável é investigada pela Polícia Federal por cooptação, intimidação e violência contra membros das comunidades.

“Há três possíveis demarcações da área, não há sequer definição do local para que o Ipham execute o tombamento determinado pela Justiça. A juíza extrapolou o seu ofício”, diz o advogado do empreendimento, Cláudio Flores, responsável pela sucursal de Manaus do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados.

Vaivém judicial
No dia 5 de março, no entanto, Maria Lúcia de Souza havia negado liminar em uma ação semelhante do MPF. Segundo ela, a medida cautelar deveria indicar uma ação principal na qual se discutiria o mérito do pedido. “A séria medida requerida não poderá ser objeto de mera ação cautelar, apenas instrumento de garantia do resultado útil do processo principal, sendo certo que a questão debatida demanda análise reflexa do direito material em jogo”, disse ela na primeira decisão, que extinguiu a ação sem julgamento de mérito.

À Justiça Federal, o MPF justificou a não apresentação de ação principal dizendo que apenas quis a suspensão das audiências públicas da empresa com as comundidades locais, assim como do processo de licenciamento ambiental que corre há dois anos no Ipaam. “Não se vislumbra, no presente momento, o ajuizamento de ação principal, o que somente poderá ser objeto de apreciação posteriormente, a depender do resultado do licenciamento do empreendimento”, respondeu a promotoria em manifestação à juíza. O MPF entrou com Embargos de Declaração no dia 25 contra a extinção do processo, e aguarda decisão.

No dia 2 de março, o MPF ajuizou uma nova ação cautelar, ampliando seu pedido, mas novamente sem indicar uma ação principal justificando o pedido de paralisação. Na nova cautelar, o Ministério Público pediu não só que a empresa fosse impedida de fazer a audiência pública, como também que o Ipham fizesse imediatamente o tombamento do Encontro das Águas em caráter provisório, e que o tombamento definitivo fosse analisado no prazo de 180 dias. Dessa vez, foi atendido em tudo. A Lajes ainda está proibida de fazer contatos, firmar patrocínios e promover eventos ligados à obra. Segundo o advogado da Lajes, a decisão será alvo de Agravo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região assim que a empresa for citada sobre a liminar.

“Diante do princípio da precaução, tenho plausíveis os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal, mormente porque o prosseguimento do licenciamento e eventual construção do Porto das Lajes poderá tornar inócuo o tombamento do referido bem (…), que poderá ou não incluir o terreno onde se pretende instalar o empreendimento”, disse a juíza Maria Lúcia ao reformar sua própria decisão e conceder a tutela.

História inversa
No ano passado, a Justiça Estadual também chegou a conceder uma liminar pedida pelo Ministério Público amazonense. Segundo o juiz Adalberto Carim Antônio, da Vara Especial do Meio Ambiente e Questões Agrárias de Manaus, o Ipaam analisou o Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela empresa, mas pediu novos esclarecimentos e medidas corretivas, suspendendo as audiências públicas seguintes. Em resposta, ainda de acordo com o juiz, a empresa entregou outro estudo que, no entanto, não atendeu aos apontamentos do primeiro. “Não foi em nenhum momento asseverado através de parecer oficial do órgão estadual do Sisnama que o segundo estudo apresentado tenha preenchido as lacunas do primeiro”, disse na decisão.

O juiz ainda afirmou que o segundo estudo da empresa foi avaliado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, pelo Centro de Ciências do Ambiente da Universidade Federal do Amazonas e pela Comissão de Assuntos Amazônicos, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, “os quais foram unânimes em ressaltar a inconsistência do segundo estudo apresentado”. Em março, porém, Carim Antônio também voltou atrás e decidiu extinguir o processo por inépcia da petição inicial, por falta de ação principal ligada à cautelar, nos mesmos termos da primeira decisão da 3ª Vara Federal.

Saída para o mar
O Porto das Lajes foi projetado para ser um terminal de contêineres e operar com transporte nacional interno, a chamada cabotagem. A intenção é escoar parte da produção do distrito industrial manauara principalmente para as regiões Sudeste, Sul e Nordeste. A principal acionista do empreendimento é a Log-In, empresa de logística de abrangência nacional.

Segundo o advogado Cláudio Flores, a construção, de 200 metros de margem e com capacidade para carregar até três grandes embarcações simultaneamente, será feita em área posterior à do Encontro das Águas, já no Rio Amazonas. “A obra será feita a mais de 2,4 mil metros da Área de Proteção Ambiental do Encontro das Águas, uma área preservada pelo Ipaam para assegurar a integridade e intocabilidade do fenômeno”, confirma a empresa em nota no site do empreendimento. De acordo com o advogado, no mesmo local, havia uma fazenda de gado, e que a construção do terminal deve restabelecer parte da vegetação destruída pela fazenda, devido ao reflorestamento obrigatório. “O porto diminuirá inclusive o trânsito de navios no Encontro das Águas, já que está mais próximo do mar”, diz.

Por não operar com minérios, petróleo ou produtos químicos, não havia necessidade de se pedir o licenciamento ambiental para a construção, de acordo com Flores. Mesmo assim, a empresa pediu a licença primeiro ao Ibama, que declinou a competência, e depois ao Ipaam, onde ainda espera autorização. Pelo menos duas audiências públicas já foram feitas nos povoados de Antônio Aleixo e Careiro da Várzea. Neste último, o MPF pediu que a audiência fosse repetida, mas depois entrou ele mesmo com as ações para que o procedimento fosse suspenso.

Processo 2009.32.00.006135-3 (Justiça Federal)
Processo 2010.32.00.001541-4 (Justiça Federal)
Processo 001.09.240559-3 (Justiça Estadual)

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