Natureza jurídica

Conselho dos TCUs: necessidade ou extravagância?

Autor

  • Bruno Barata Magalhães

    é advogado consultor em Direito Administrativo e Eleitoral membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

3 de abril de 2010, 8h09

A Emenda Constitucional 45/2004 ficou nacionalmente conhecida como a Reforma do Judiciário. Dentre diversas inovações, é fundamental destacar a criação do instituto da súmula vinculante, do instituto da repercussão geral, bem como do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça.

É sabido que o Ministério Público, não importando aí se federal ou estadual, é órgão auxiliar da Justiça, assim como a Defensoria Pública. Contudo, até hoje se questiona a natureza jurídica do Ministério Público. Muitos defendem que o referido órgão não se encaixa no Poder Legislativo, no Poder Executivo e nem no Poder Judiciário, sendo o chamado “quarto Poder”.

Contudo, sua competência como órgão auxiliar da Justiça não é, de forma alguma, refutada. E daí, na emenda constitucional conhecida como Reforma do Judiciário, o legislador preocupou-se em criar um órgão de controle para o Parquet. Desse entendimento, surgiu o Conselho Nacional do Ministério Público, criado para dar transparência aos atos administrativos do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos Estaduais.

Do mesmo modo, na mesma emenda constitucional, foi criado o Conselho Nacional de Justiça. Os objetivos do mencionado conselho estão previstos no artigo 103-B, parágrafo 4º, da Constituição Federal:

“Artigo 103-B
Parágrafo 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II – zelar pela observância do artigo 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

VII – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa”.

Muito se discute sobre a natureza jurídica dos Tribunais de Contas. Via de regra são conhecidos por pertencer ao Poder Legislativo, como órgão auxiliar, por estar o Tribunal de Contas da União inserido no capítulo da Constituição referente ao Poder Legislativo. Contudo, não há uma definição, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência.

Ocorre que é importante analisar as prerrogativas conferidas aos Ministros do Tribunal de Contas da União e aos Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais.

A Lei Maior dispõe que aos ministros dos Tribunais de Contas da União são garantidas as mesmas prerrogativas dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Vale transcrever a regra inserta no parágrafo 3º do artigo 73 da Constituição Federal:

“Artigo 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no artigos 96.

Parágrafo 3° Os ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do artigo 40”.

Como norma de reprodução, o legislador estadual conferiu aos Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais prerrogativas semelhantes aos dos desembargadores. Isso inclui, portanto, foro perante o Superior Tribunal de Justiça.

Analisando o caso na prática, vale mencionar o episódio ocorrido na ADI 4190, em tramitação no Supremo Tribunal Federal. A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro editou e aprovou a Emenda Constitucional 40/2009, com o intuito de fiscalizar os Conselheiros do Tribunal de Contas daquele Estado, medida semelhante à que tem, atualmente, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público.

A Associação dos Tribunais de Contas ajuizou ação direta de inconstitucionalidade em face da referida emenda constitucional estadual, alegando, dentre outros pontos, o foro de Conselheiro ser perante o Superior Tribunal de Justiça e, dessa forma, caber somente àquele Tribunal realizar qualquer espécie de julgamento.

De relatoria do Ministro Celso de Mello, a ADI 4190 teve seu pedido de medida liminar apreciado e a segurança foi concedida, declarando, momentaneamente, inconstitucional todo o texto da emenda constitucional 40/2009. A medida liminar foi referendada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal.

De fato, e não se pode olvidar em qualquer hipótese, que as Constituições, seja a Federal, sejam as Estaduais, conferem prerrogativas de magistrado aos ministros e Conselheiros das Cortes de Contas.

Se for tomado como justificativa, porém, que essas prerrogativas decorrem do órgão no qual os ministros e Conselheiros exercem suas funções denominar-se “Tribunal de Contas”, então dever-se-á considerar esses órgãos como integrantes do Poder Judiciário, ou, no mínimo, como auxiliares daquele Poder.

E se assim for, nova emenda constitucional, em âmbito federal, deverá ser editada de modo a criar o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas, ou então integrar as Cortes de Contas no rol de instituições subordinadas ao crivo do Conselho Nacional de Justiça.

O que ocorre neste momento no país são os magistrados sendo fiscalizados pelo Conselho Nacional de Justiça, promotores e procuradores de justiça fiscalizados pelo Conselho Nacional do Ministério Público e ministros e conselheiros não estando sujeitos a esse tipo de fiscalização.

Importante mencionar a participação ativa do Conselho Nacional de Justiça em diversas questões envolvendo todos os Tribunais do país. Em 2005, a edição da Resolução 7 determinou que se regularizassem situações irregulares que caracterizariam prática de nepotismo em todo o Poder Judiciário brasileiro.

Vale ressaltar que essa medida foi anterior à edição da súmula vinculante 13, que estendeu o entendimento do Conselho Nacional de Justiça, mediante alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal, a toda Administração Pública.

Deve o legislador federal avaliar a inclusão de ministros e Conselheiros das Cortes de Contas na fiscalização de que trata a Emenda Constitucional 45/2004. Caso contrário, tratar-se-á, como já se trata, de um magistrado com prerrogativas diferenciadas, o que não pode ser permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro.

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    é advogado, consultor em Direito Administrativo e Eleitoral, membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

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